O Tribunal dos EUA que julga caso das dívidas ocultas apontou o nome do empresário Zuneid Sidat, que terá recebido 850 mil dólares por indicação de Carlos do Rosário, um dos implicados no escândalo. Mas Sidat nega tudo.
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O empresário Zuneid Sidat nega ter recebido dinheiro das dívidas ocultas moçambicanas por via de Carlos do Rosário, um dos implicados no caso.
Sidat é membro de uma família influente no mundo dos negócios em Moçambique, tida como próxima ao partido no poder, a FRELIMO.
Vários nomes têm sido publicados como resultado do rastreio que as autoridades norte-americanas fizeram ao dinheiro das dívidas ocultas moçambicanas.
A justiça dos EUA está a julgar caso de ilícitos financeiros ligado às dívidas ocultas, em que são acusadas sete pessoas, três das quais moçambicanas. Segundo as evidências do tribunal, o setor imobiliário terá sido o mais usado para lavagem de dinheiro.
As transações financeiras entre os acusados e as referidas figuras são parte das evidências apresentadas no Tribunal de Brooklyn.
Entre os nomes mais sonantes estão Zuneid Sidat e Aisha Omar, que terão recebido 850 mil dólares por indicação de Carlos do Rosário, um dos três moçambicanos acusados no caso.
Transação partiu da venda de um imóvel
Zunaid Sidat nega o seu envolvimento e justifica que se tratou de uma simples transação comercial que partiu da venda de um imóvel a um indivíduo em Moçambique, cujo pagamento foi efetuado a partir de uma conta em Itália.
"Não tem nada a ver com o que está escrito no documento. E tenho os documentos comprovativos, tenho tudo guardado para depois poder justificar quando for necessário", explicou Sidat.
Para a transação em causa foi usado um banco na África do Sul. A justificação de Sidat para esta opção é de que "na altura a Lei Cambial permitia e nós fizemos".
Foi a Logistics Internacional Sal que fez o pagamento via transferência bancária, segundo as evidências do tribunal norte-americano.
Trata-se de uma firma da Privinvest, uma das três empresas envolvidas nas dívidas ocultas avaliadas em dois mil milhões de dólares. Sobre os detalhes do imóvel, Sidat adiantou que "foi um imóvel em Maputo, na capital, por trás da Escola Portuguesa. Vendi o imóvel e tenho os comprovativos".
Zuneid Sidat é um moçambicano residente em Portugal. É empresário desportivo, um dos gstores do Amora Futebol Clube de Portugal e agencia jogadores moçambicanos.
Quem acusa deve apresentar provas
Convidado a comentar sobre a relevância da menção de Zuneid Sidat como receptor de parte do dinheiro das dívidas ocultas num documento de prova, o jurista Rodrigo da Rocha fez questão de separar as águas:
"Muitas vezes empolam-se os factos pelo cenário onde estão inseridos. Nem toda a gente que terá recebido, eventualmente algum valor vindo de qualquer personagens envolvidos no escândalo da Ematum tem necessariamente que estar envolvido neste escândalo."
07.11.19. ONLINE Moc Div Ocultas - MP3-Mono
E o jurista esclarece em que circunstâncias Zuneid Sidat pode ser relevante para o caso, explicando que no direito moçambicano a prova é feita ao contrário.
"Se existe algum indício de crime quem acusa deve apresentar a prova. Se este senhor recebeu dinheiro, muito bem, quem tem de provar que recebeu dinheiro por conta de um crime é quem está a acusar", explica o jurista.
Caso pode requerer mais investigação
Rodrigo da Rocha sublinhou que enquanto não o fizer, só pelo facto de ter sido mencionado num determinado depoimento ou no meio de provas "isso não trás por si só um indício de culpa e nem de qualquer prevaricação".
O jurista sugere que se se considerar que eventualmente é reincidente "tem de se fazer investigação e concluir-se se houve ou não atividade criminosa nessa afetação de pontos".
Os Sidat são uma família bastante conhecida em Moçambique no mundo dos negócios. São vistos como próximos da FRELIMO, o partido no poder. O pai de Zuneid, Rafik Sidat, já foi membro do comité central do partido.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)