Cabo Delgado sente-se prejudicado na distribuição de apoios
Delfim Anacleto
19 de junho de 2020
Empresários na província moçambicana de Cabo Delgado consideram que zonas afetadas pelo ciclone Idai no centro do país têm sido mais privilegiadas do que as zonas atingidas pelo ciclone Kenneth, no norte.
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Em 2019, Moçambique foi atingido por dois grandes ciclones, o Idai na região centro e o Kenneth, no norte.
A tempestade tropical Idai devastou a 14 de março as províncias de Sofala, Manica e Zambézia, deixando um rastro de destruição principalmente na cidade da Beira, capital de Sofala. Quando o país se reerguia dos escombros, um mês mais tarde, no extremo norte, o ciclone Kenneth arrasava as províncias de Cabo Delgado, Nampula e parte de Niassa.
O Governo moçambicano fez um apelo à solidariedade internacional, não somente para mitigar os efeitos imediatos dos dois ciclones, como também para a reconstrução das zonas afetadas.
Empresários de Cabo Delgado, uma das províncias severamente devastadas pelas calamidades naturais, entendem que esse processo de reconstrução tem priorizado a zona centro, vítima do ciclone Idai, em relação ao norte do país assolado, pelo ciclone Kenneth.
A inquietação foi apresentada num encontro realizado recentemente em Pemba com o ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, João Machatine.
Ocifo Osman, representante do setor privado de Cabo Delgado, fez as contas.
“Vemos que dos cerca de 1,7 mil mihões de dólares que já têm comprometimento por parte dos doadores, apenas 700 milhões de dólares foram alvo de memorandos de entendimento. Mas desses 700 milhões de dólares, só estão disponíveis 240 milhões. Para Cabo Delgado estão destinados 20 milhões. Portanto, menos do que dez por cento.”
Idai afetou mais famílias
O ministro João Machatine reagiu às reclamações nestes termos: “O Governo poderia estar a fazer muito mais, mas todos nós vivemos no mesmo território e sabemos o que se está a passar no nosso país. Esta ideia que se tentou trazer as assimetrias regionais em termos da reconstrução não é de todo honesta”, afirma.
“Só na zona do Idai foram [afetadas] 250 mil famílias. Na zona do Kenneth registámos 48 a 50 mil famílias afetadas. Por aí já vemos a desproporcionalidade em termos de alocação”, explica o ministro.
O evento tinha o objetivo de divulgar as oportunidades de financiamento existentes na reconstrução da província pós-Kenneth.
O empresário Narciso Gabriel destacou que o empresariado local pretende ser envolvido no processo e poder contar com um pagamento atempado: “O que nós queremos é trabalho. Se nos derem trabalho, não precisamos da linha de crédito. Se nos pagarem a tempo, não precisamos da linha de crédito”, aponta.
Ciclone Kenneth: Um ano depois, ainda há famílias sem casa
03:42
Reconstrução lenta?
Para flexibilizar as atividades de reconstrução foi criado, no ano passado, o Gabinete de Reconstrução pós-ciclones. A entidade tem sido pouco visível no que respeita a intervenção na reconstrução pós-ciclone Kenneth, acusa Ocifo Osman.
“Se decorrido um ano é a primeira vez que temos um encontro com o gabinete, é normal que a gente se sinta um bocado excluída do processo. Não me refiro apenas ao setor privado, mas também às populações de Cabo Delgado.”
Machatine reconheceu as dificuldades que o Governo enfrenta, mas assegurou que mesmo assim tem empreendido esforços para que as zonas devastadas pelas calamidades consigam reerguer-se.
“A sensação de que há lentidão é legítima, mas é importante também ter em conta que nós estamos a mudar a roda de um carro em andamento. Este gabinete foi constituído até sensivelmente outubro do ano passado. Só tinha três pessoas [membros] e conseguiu-se fazer alguma coisa”, justifica o ministro.
“Acreditamos que neste ano de 2020 [que temos] pela frente, as coisas vão ser diferentes. A expectativa é enorme. Muita coisa ficou destruída, Estamos a tentar reconstruir e estão a surgir outros problemas”, adianta João Machatine.
Ciclones em Moçambique: Agora, a reconstrução
A cidade da Beira recebe durante dois dias a conferência internacional de doadores, após os ciclones Idai e Kenneth. Os ciclones afetaram mais de 1,5 milhões de pessoas. Este é um retrato de um país abalado.
Foto: Lena Mucha
Ajuda chega à Beira
Helena Santiago, de 53 anos, trabalha nos escombros da sua casa no bairro dos CFM - Maquinino, na Beira, onde vive com o marido e oito filhos. A sua casa não resistiu ao ciclone Idai. A conferência internacional de doadores que começa esta sexta-feira (31.05) na Beira poderá ser uma esperança para muitos afetados como Helena Santiago, pois uma das metas é a reconstrução.
Foto: Lena Mucha
Beatriz
Beatriz é fotografada com três dos sete filhos em frente ao seu campo de milho devastado. A sua aldeia natal, Grudja, esteve dias a fio debaixo de água. Beatriz e os filhos conseguiram salvar-se das enchentes que surpreenderam os moradores na manhã de 15 de março. Durante três dias, as pessoas ficaram à espera de ajuda no telhado da escola ou em cima das árvores, ou até que a água baixasse.
Foto: Lena Mucha
Centro de saúde destruído
Pacientes e crianças estão à espera de serem atendidos por uma equipa de emergência em frente ao centro de saúde de Grudja. O centro foi completamente destruído pelas inundações. Medicamentos e materiais de tratamento ficaram inutilizáveis devido à água.
Foto: Lena Mucha
Salvação
No telhado da escola primária Nhabziconja 4 de Outubro, muitas das pessoas salvaram-se das inundações. Algumas semanas depois do desastre, esta escola conseguiu retomar as aulas. Muitas outras escolas, no entanto, continuam fechadas.
Foto: Lena Mucha
Regina
Regina trabalha com a sogra, Laina, na sua propriedade. Antes da passagem do ciclone, Regina morava com o marido e os cinco filhos numa aldeia próxima de Grudja. As inundações destruíram a sua casa e as plantações. Ela e o marido refugiaram-se em cima de uma árvore e sobreviveram. Alguns dos seus filhos morreram nas inundações, outros ainda estão desaparecidos.
Foto: Lena Mucha
No Revuè
O rio Revuè, na localidade de Grudja, transbordou devido às fortes chuvas após o ciclone, inundando grande parte das terras circundantes. Nesta foto, tirada depois do nível da água ter voltado ao normal, estas mulheres lavam a roupa nas margens do rio.
Foto: Lena Mucha
Campos arruinados
Nesta imagem, as jovens Elisabete Moisés e Victória Jaime e Amélia Daute, de 38 anos, estão num campo de milho arruinado. Como muitos outros, tiveram que esperar vários dias nos telhados de Grudja depois das fortes chuvas, em meados de março. 14 dos seus vizinhos, incluindo 9 crianças, afogaram-se durante as inundações.
Foto: Lena Mucha
Escola primária tornou-se hospital
Mulheres e crianças estão à espera de tratamento médico, dado por uma equipa de emergência numa escola primária no distrito de Búzi, a oeste da cidade costeira da Beira. O ciclone Idai atingiu a costa moçambicana nesta cidade de cerca de 500 mil habitantes no dia 15 de março.
Foto: Lena Mucha
Fila para sementes
Em muitas partes do país, as plantações ficaram destruídas pelas enchentes. Durante um ano, pelo menos 750 mil pessoas deverão ficar dependentes de alimentos, segundo estimativas do Programa Alimentar Mundial. Em Cafumpe, no distrito de Gondola, 50 famílias receberam sementes de milho, feijão e repolho da organização de assistência alemã Johanniter e da ONG local Kubatsirana.
Foto: Lena Mucha
Reconstrução
Em Ponta Gea, na Beira, regressa-se à vida quotidiana. Muitas infraestruturas foram destruídas pelo ciclone. Nesta foto, cabos de energia destruídos e linhas telefónicas estão a ser reparados. Mas, a poucos quilómetros daqui, aldeias inteiras precisarão de ser reconstruídas. Em muitos sítios, ainda falta água e alimentos.