Empresas ocidentais foram coniventes com censura no Egito durante Primavera Árabe
5 de abril de 2012 No dia 28 de Janeiro de 2011, o regime de Hosni Mubarak ordenou um “apagão” nas comunicações. Pouco depois da meia-noite, a internet desapareceu do país. Durante a manhã, foram desligados os telefones fixos e os móveis. O bloqueio manteve-se durante um dia para os telefones móveis, e a internet só voltou seis dias mais tarde.
O regime lutava pela sobrevivência. Estas medidas drásticas destinavam-se a enfraquecer os manifestantes, mas atingiram todos os egípcios por igual. “Também pessoas que não participaram nas manifestações foram afectadas. Houve, por exemplo, o caso de homem que morreu sozinho em casa, de um ataque cardíaco porque não pôde avisar a mulher, a irmã ou um médico. A família encontrou-o já morto”, conta o ativista dos direitos civis, Ramy Raoof, que documentou meticulosamente o apagão.
Ele faz acusações sérias às companhias telefónicas privadas Mobinil – do grupo France Telecom-Orange – e Vodafone. Depois da revolução egípcia, as empresas afirmaram que o governo não lhes tinha dado alternativa senão a de desligarem as redes.
Provas concretas
Raoof diz, no entanto, ter provas de encontros entre as forças de segurança, o ministério da Comunicação egípcio e representantes de empresas de comunicação e provedores de internet nos últimos quatro anos. "Nessas reuniões foram desenvolvidos métodos para, em caso de necessidade, cortar a comunicação em vários níveis, numa rua, num bairro ou numa cidade. Por exemplo evitando o envio de mensagens de Blackberries ou SMS, ou desligando a rede móvel", diz o ativista, que possui protocolos provando que o governo e as empresas privadas mantinham, desde 2008, contato estreito.
Um dossier classificado como ultra secreto documenta um encontro no Cairo, em outubro de 2010, quase quatro meses antes do inicio da revolução. À mesa, sentaram-se os serviços secretos, os mais importantes fornecedores de internet e três das grandes empresas de telecomunicações do país – Vodafone, Mobinil e Etisalat. Na altura, discutiu-se o bloqueio de determinadas páginas da internet, bem como a canalização de informações acerca dos usuários para os serviços secretos.
Trabalho conjunto
Também se debateu como bloquear mensagens SMS, tornar a internet mais lenta ou desligá-la, assim como bloquear as redes telefónicas, fixa e móvel. As empresas teriam pedido tempo para refletir, pois precisavam analisar a dimensão técnica dessas medidas. No documento, não é citado nenhum tipo de resistência.
“Nós não sabemos exatamente que empresa fez qual proposta. Porém, sabemos que todas elas discutiram com o regime as diferentes alternativas. Elas se disponibilizaram a ajudar. Os planos para um apagão comunicacional durante a revolução foram desenvolvidos pela economia privada e pelo governo em conjunto”, acusa Raoof.
Exemplo de resistência
As licenças de concessão prescrevem que operadores devem obedecer às ordens do governo. Mesmo assim, empresas egípcias, como o provedor de internet Noor, mantiveram uma postura diferente.
A Noor teria recebido mais de uma vez desde 28 de Janeiro a ordem de desligar o acesso à Internet e ignorou-a durante dias. "Até a polícia invadir seus escritórios e cortar ela própria o acesso à internet", diz Raoof. O ativista lembra que quando a lei exige atitudes que violam os direitos humanos, há sempre a possibilidade de dizer não.
Autores: Jürgen Stryjak / Helena Ferro de Gouveia
Edição: Francis França/António Rocha