Conselho Islâmico de Moçambique contesta encerramento de mesquitas em Pemba e diz que problema do radicalismo está nas pessoas e não nas mesquitas. Já Severino Ngoenha acha aceitável o encerramento para evitar excessos.
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Na útima sexta-feira (17.11.) as autoridades moçambicanas encerraram provisoriamente três mesquitas da cidade de Pemba e devem encerrar outras mais em Cabo Delgado. O motivo: por lá teriam passado os autores dos ataques armados de outubro passado em Mocímboa da Praia, na mesma província.
A suspeita é de que os atacantes seriam extremistas muçulmanos, alguns já identificados e detidos. Será que o encerramento das mesquitas é uma decisão justa e mais acertada? O Conselho Islâmico de Moçambique, através do seu secretário-geral Abdul Carimo, responde: "De certeza que não, o encerramento das mesquitas não é a decisão mais acertada, porque o problema não é das mesquitas."
Para o líder religioso "o problema que surgiu em Mocímboa da Praia é de pessoas e são essas pessoas que devem ser perseguidas e levadas a barra dos tribunais. As mesquitas não têm nada a ver com as atitudes daquelas pessoas."
Carimo manifesta ainda a boa vontade da instituição islâmica: "Além de que, todas as congregações islâmicas estão dsponíveis para continuar a colaborar com o Governo no sentido de continuar a indicar as pessoas que estão ligadas à esse grupo."
Combater focos de radicalismo ou encerrar mesquitas?
E essas mesquitas não são frequentadas apenas por extremistas e provavelmente não terão sido criadas por eles. Identificar focos de radicalismo e possível "limpeza" não seriam as alternativas mais justas para a comunidade muçulmana?
O filósofo Severino Ngoenha responde sublinhando que "a necessidade de uma espécie de purificação não vem tanto do Estado, mas vem da própria comunidade muçulmana que começou a queixar-se, mesmo antes dos eventos de Mocímboa da Praia, a Polícia, tribunais e poderes políticos locais."
E para ele "é evidente que não se deve prejudicar a todos, mas se o encerramento temporário significa uma purificação para evitar excessos, e até permitir que aqueles que tiveram sempre uma prática do Islão dentro da regra do Estado de direito possa se re-aplicar, então é uma medida que infelizmente tem de ser tomada e pode ser que seja necessária."
Comunidade Islâmica nega radicalismo nas mesquitas
Entretanto, o líder religioso Abdul Carimo garante que "não há nenhum radicalismo no seio das mesquitas" e esclarece: "O que existem são pessoas que por sinal tentaram entrar por esse caminho do radicalismo. E um dos sinais desse grupo é que não usam as mesquitas, eles criaram os seus locais de adoração em quintais e casas de pessoas singulares para se afastarem dos restantes muçulmanos, a quem consideram muitos vezes não muçulmanos."
E Abdul Carimo sublinha que "o radicalismo deles vai a esse ponto, de tal sorte que nós, os líderes religiosos, na visão deles, não somos muçulmanos. Os crentes que frequentam as nossas mesquitas para eles também não são muçulmanos."
O secretário-geral da Comunidade Islâmica de Moçambique considera ainda que os muçulmanos, apesar de colaborarem na denúncia de extremistas, estão a ser vítimas neste caso.
Necessidade de maior vigilância
Abdul Carimo e Severino Ngoenha recordam que o Islão é uma religião praticada em Moçambique há centenas de anos. Mas Ngoenha sublinha que o país tem uma historia de intolerância religiosa, não só com o Islão. Já para Abdul Carimo intolerância religiosa não existe no país. Para ele os ataques de Mocímboa da Praia não passaram de um caso pontual.
De qualquer forma, Ngoenha alerta: "Isso chama a atenção para a necessidade uma vigilância cada vez maior para que as leis do Estado sejam respeitadas por todos, para que todos possam ter a liberdade de praticar os diferentes cultos a que pertencem."
Entretanto, os resultados das investigações aos ataques de Mocímboa da Praia que terão morto quatro agentes da polícia e 14 atacantes ainda não são conhecidos.
O que é o Estado Islâmico?
As origens do grupo terrorista remontam à invasão americana do Iraque, em 2003. Nasceu como oposição sunita ao domínio xiita. Inicialmente chamou-se "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" e virou ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com o derrube do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo surgiu da união de diversas organizações extremistas sunitas e grupos leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra o domínio dos xiitas no Governo do Iraque.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al-Qaeda
A insurreição tornou-se cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi (foto), fundador da Al-Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram as suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: picture-alliance/dpa
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea. Foi então sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Abdullah ar-Raschid al-Baghdadi (ambos mortos em 2010). A Al-Qaeda no Iraque (AQI) mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). Nos anos seguintes, Washington intensificou a sua presença militar no país.
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Regresso dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a reagrupar-se, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al-Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o Estado Islâmico atravessou a fronteira para participar da luta contra o Presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram uma fusão com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al-Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EI e a central da Al-Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do desentendimento com a Al-Qaeda, o EI fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando a sua segunda maior cidade, Mossul, a 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já tinha sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana de Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista estratégico quanto económico. Ela é um importante ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Com a tomada de Mossul, o EI também conquistou 429 milhões de dólares na filial local do Banco Central do Iraque. Assim sendo, o Daesh - como é conhecido em árabe - tornou-se um dos grupos terroristas mais ricos.
Foto: Getty Images
O califado do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho de 2014, a organização declarou um califado, um estado islâmico que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e faz lembrar os califados muçulmanos históricos. Abu Bakr al-Bagdadi foi apresentado como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da sharia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado". Muitos foram executados, mulheres violadas e vendidas como escravas a jihadistas do EI. Os xiitas também têm sido alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o património histórico
O EI já destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. O EI diz que as esculturas antigas entram em contradição com a sua interpretação radical dos princípios do Islão. Especialistas afirmam, porém, que o grupo vende ilegalmente estátuas pequenas no mercado internacional, enquanto as maiores são destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Nas suas ofensivas armadas, o grupo tem saqueado centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupado diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Os seus militantes também se apoderaram de armamento militar de fabrico americano das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional. Seguidores da ideologia do EI perpetraram vários atentados terroristas na Europa.