Encontro entre Nyusi e Dhlakama é "passo importante"
Leonel Matias (Maputo)
7 de agosto de 2017
União Europeia congratulou o Presidente moçambicano e o líder da RENAMO. Empresários moçambicanos saudaram o anúncio de um prazo concreto para a conclusão do processo de paz. Mas MDM está apreensivo.
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Sucedem-se as reações ao encontro realizado este domingo (06.08) na Gorongosa entre o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama.
Segundo um comunicado da Presidência da República, as duas partes chegaram a acordo sobre os próximos passos do processo de paz, que esperam seja concluído até ao final do ano. Nyusi e o presidente da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) concordaram ainda em manter o diálogo bilateral e acompanhar de perto o trabalho das comissões que estão a debruçar-se sobre as questões militares e a descentralização, perspetivando um novo encontro em breve "para preparar os passos finais".
Reagindo ao encontro, a delegação da União Europeia (UE) em Moçambique congratulou o chefe de Estado moçambicano e o líder da oposição.
"O encontro de ontem entre o Presidente Filipe Nyusi e o líder da RENAMO Afonso Dhlakama na Gorongosa constituiu mais um passo importante na edificação de uma confiança mútua", lê-se numa nota. "A UE congratula os líderes e encoraja ambas as partes a trabalharem com vista a um acordo até ao final do ano de forma que as eleições de 2018 e 2019 possam ter lugar num clima de confiança e paz".
A União reiterou que continua disponível para apoiar o povo moçambicano e o processo de paz.
Anúncio "reduz incerteza"
Para a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), uma organização que representa a classe empresarial, a grande boa nova do encontro de domingo foi a indicação de um prazo para finalizar o processo de paz.
"Este anúncio de prazos concretos reduz a incerteza que se tinha sobre o processo de paz e aumenta a confiança do mercado", afirmou Álvaro Massingue, vice-presidente da CTA, que encorajou as duas partes a prosseguirem com o diálogo.
Encontro entre Nyusi e Dhlakama é "passo importante"
MDM: "Paz continua ameaçada"
Por seu turno, o presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a terceira força política do país, Daviz Simango, disse ter dúvidas de que o processo de normalização política no país possa ocorrer facilmente.
Essa "é uma ação extremamente espinhosa, devido aos vários interesses privados e particulares. A nossa paz continua ameaçada porque os moçambicanos ainda não estão envolvidos nesse processo de paz. O envolvimento dos moçambicanos não deve ser apenas ao nível dos partidos políticos, mas também de toda a sociedade moçambicana", afirmou.
O académico Lourenço do Rosário considera que o encontro de domingo entre Nyusi e Dhlakama é um passo significativo para o alcance da paz em Moçambique, embora seja necessário esperar pelos próximos passos que os dois líderes vão dar.
"Sabemos o que está na mesa. Desde 2014 que sabemos que a RENAMO tem que entregar as armas e integrar os seus homens nas Forças de Defesa e Segurança e o Governo tem que descentralizar o país", diz.
Gonçalo Mabunda: a arte pacífica das armas
O artista moçambicano Gonçalo Mabunda transforma armas em objetos de arte para promover a paz no país. Mabunda recolhe as armas usadas em 16 anos de guerra civil para criar máscaras e cadeiras.
Foto: R. da Silva
Artista universal
Gonçalo Mabunda começou a trabalhar no meio artístico da capital moçambicana, Maputo em 1992. Na altura colaborava no Núcleo de Arte como assistente de galeria. Hoje expõe a sua arte em todo o mundo, tendo passado com as suas obras por cidades como Tóquio, Londres e Düsseldorf. Por onde passo,: “as pessoas quando vêem estes trabalhos ficam curiosas" e entusiasmadas, conta.
Foto: R. da Silva
Tronos irónicos
A oficina está cheia de restos de espingardas, AK-47, rockets e cadeiras feitas com recurso a estes artefatos. No seu site online, Mabunda diz que os tronos - uma das suas imagens de marca - funcionam como atributos do poder, símbolos tribais e peças tradicionais de arte étnica africana. São ainda um comentário irónico à experiência de violência que viveu em criança na guerra civil moçambicana.
Foto: R. da Silva
Recolha de material
Em 1995, o Conselho Cristão de Moçambique lançou o projecto "Transformar Armas em Enxadas". O projeto continua a ser um dos fornecedores do material de que o artista precisa para criar as suas peças. Mas hoje em dia, contou Mabunda à DW África "também consigo comprar artefactos de guerra já destruídos" na sucata.
Foto: R. da Silva
Arte com assistência
Gonçalo Mabunda precisa de assistentes para completar as suas obras. O material bélico desativado exige um tratamento especial para poder ser trabalhado artisticamente. Mabundo orienta os seus ajudantes. Mas acrescenta que também troca ideias com eles, criando uma obra conjunta. Algo que, na sua opinião, os políticos também deviam fazer.
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
O artista conta que muitas pessoas ficam impressionadas com a capacidade de transformar em arte positiva material usado para semear a morte e a miséria. Como ainda acontece em Moçambique hoje. Mabunda não poupa críticas aos governantes: "Estamos perante uma situação em que apenas um grupinho de pessoas é que decide sobre como é que queremos viver.”
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
A situação de conflito que o país atravessa novamente preocupa o artista: “Foram 16 anos de guerra e 22 de paz. Quem nasceu em 1992 vivia em liberdade. E agora nem sei explicar como voltámos a esta situação.” Talvez por isso as máscaras que produz com o material de guerra tenham um ar mais assustado do que assustador.
Foto: R. da Silva
As armas falam de paz
As armas também podem falar de paz. Pelo menos aquelas que passaram pelas mãos de Mabunda. As máscaras que cria exprimem o horror da matança. O percurso de Mabunda passou pela África do Sul, mais precisamente Durban, graças à ajuda do artista sul-africano, Andreies Botha. Aos 18 anos, Mabunda teve a possibilidade de ali fazer um curso de metal e bronze, como contou ao semanário português Expresso.
Foto: R. da Silva
Reconhecimento internacional
Nascido em 1975, Mabunda trabalha como artista a tempo inteiro desde 1997. Optando por reciclar material bélico criou um estilo muito próprio, hoje reconhecido em todo o mundo. Sobreposta à arte está a mensagem de promoção da paz, num país em que as armas que falam da guerra ainda não se calaram.