Entrada da Guiné Equatorial na CPLP ainda dá que falar
23 de julho de 2014 O anúncio da adesão da Guiné Equatorial à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem sido recebido com vozes críticas em vários quadrantes da sociedade. Durante a X Cimeira da CPLP em Díli, Timor-Leste, que terminou esta quarta-feira (23.07), o país foi aceite como membro de pleno direito sem que tenha havido uma votação, mas apenas um consenso, de acordo com a agência Lusa.
A decisão é considerada polémica principalmente devido à situação de Direitos Humanos no país, sendo uma das principais questões a existência da pena de morte.
Na declaração final da cimeira, os Estados-membros referem o apoio a dar à Guiné Equatorial na promoção da língua portuguesa e na adoção da moratória da pena de morte. Contudo, a Amnistia Internacional, já em fevereiro, quando foi anunciada a moratória, levanta dúvidas acerca da motivação dos governantes, de acordo com a diretora executiva da Amnistia Internacional Portugal.
Teresa Pina diz que "sobre a moratória em vigor, que é temporária, a Amnistia Internacional pronunciou-se assim que ela foi conhecida, em fevereiro passado, e, na altura, questionou a motivação subjacente a essa moratória."
E a diretora questiona a intenção real que inspiraria essa moratória: "Seria para garantir a adesão à CPLP - porque era, justamente, um dos assuntos que estava, na altura, em discussão - ou haveria e há, de facto, um compromisso sério, fundado, de abolir a pena de morte?"
Dúvidas
Ponciano Nvó, um advogado da Guiné Equatorial, que está em Portugal a convite da Amnistia Internacional para falar de Direitos Humanos no seu país, participou em julgamentos de crimes de corrupção e de opositores políticos.
O advogado também levanta sérias dúvidas sobre a moratória, principalmente por apenas ter sido adotada uma resolução e não uma nova lei: "A Guiné Equatorial apresentou-se perante a comunidade, para ter acesso à mesma, mediante uma resolução que convoca uma moratória da pena de morte, e isto não pode convencer nenhuma pessoa que tenha o mínimo de cultura jurídica."
Teresa Pina considera que não cabe à sua organização pronunciar-se sobre a adesão, mas enumera algumas das preocupaçoes que existem a nível de Direitos Humanos na Guiné Equatorial, para além da pena de morte: "Eu diria que há um historial sério de execuções extra-judiciais, há também casos identificados de desaparecimentos forçados, a questão da tortura, que, não obstante estar previsto no ordenamento jurídico da Guiné Equatorial, é identificada como uma prática sistemática em estabelecimentos prisionais."
Em declarações à agência Lusa, a investigadora portuguesa Ana Lúcia Sá critica a CPLP por não ter sido suficientemente clara relativamente às razões para a aceitação do país: "poderiam ser mais claros quanto aos motivos que levaram à adesão à CPLP, em vez de falarem da língua, da pena de morte e dos Direitos Humanos, dizerem o que interessa para esta adesão e dizer em que é que a CPLP está a transformar-se, num clube de negócios."
A adesão ainda choca
Também a eurodeputada portuguesa Ana Gomes se mostrou chocada com a entrada do país na CPLP.
Em declarações à agência Lusa, a socialista critica a aceitação da antiga colónia espanhola pelas falhas democráticas: "Tudo se encaminhava nesse sentido, mas choca-me na mesma. Acho que é uma desvalorização, um atentado à própria imagem ou potencial da CPLP, porque, no fundo, está a branquear um regime ditatorial e um regime que é criminoso, que tem processos nos Estados Unidos e em França por criminalidade económica e financeira".
A eurodeputada socialista chamou a atenção para a necessidade de agora aumentar o escrutínio sobre o país, dando o exemplo do controlo que pode ser feito a nível financeiro sobre investimentos.
Também Teresa Pina considera que é necessário exercer pressão sobre o regime para que os Direitos Humanos sejam respeitados, e que a CPLP pode ser um fórum para o fazer.
Mudanças na Guiné Equatorial?
Ponciano Nvó tem algumas dúvidas acerca da capacidade da CPLP provocar mudanças no país, mas pensa que é possível. E ele questiona: "Se durante 46 anos não se conseguiu atingir este objetivo, duvido muito que a comunidade o consiga."
Nvó prefere esperar para ver: "Mas tenho também a esperança de que, depois de tantos obstáculos que foram colocados ao país - primeiro tendo sido observador, e agora, finalmente, tendo sido admitido como membro de pleno direito - que a comunidade faça o seu trabalho para que o comportamento que vem a ser exigido à Guiné Equatorial há muito tempo, relativamente às violações de Direitos Humanos, possa ter sucesso".
A Guiné Equatorial é uma antiga colónia espanhola, onde o castelhano é a língua oficial. Independente desde 1968, é governado desde 1979 por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo. O país é o terceiro maior produtor de petróleo na África subsaariana, depois da Nigéria e de Angola. O Português é agora o terceiro idioma oficial do país, depois do espanhol e do francês.
Durante a cimeira de Díli, foram também admitidos novos observadores associados: a Geórgia, a Turquia, a Namíbia e o Japão.