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Entrevista de Isabel dos Santos é "conversa fiada"

1 de dezembro de 2022

Em conversa com a DW África, o investigador e jornalista Rafael Marques tece duras críticas às declarações da empresária Isabel dos Santos a esta emissora.

Empresária angolana Isabel dos Santos
Empresária angolana Isabel dos SantosFoto: DW

A entrevista que a empresária angolana, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, deu à DW África, há uma semana, continua a dar que falar tanto em Angola, como fora do país. As reações não param de chegar de vários quadrantes da sociedade angolana, e não só.

Uma das vozes críticas é o ativista dos direitos humanos e investigador angolano Rafael Marques, que descreve as afirmações da empresária e ex-presidente da Sonangol, procurada pela polícia internacional Interpol, como um exercício de relações públicas dirigido a quem não conhece a realidade angolana.

DW África: Porque discorda de Isabel dos Santos, quando a empresária diz que a Justiça angolana não é independente e não funciona?

Rafael Marques (RM): Primeiro, é preciso esclarecer que a Justiça nunca foi independente em Angola. E quem governou Angola durante 38 anos foi o pai de Isabel dos Santos, que nos deixou o país sem um sistema judicial funcional, com um rol de violação dos direitos humanos, de abuso de autoridade. E também nos legou o atual Presidente João Lourenço, que foi escolha pessoal do pai de Isabel dos Santos. Logo, são os angolanos quem deve reclamar, porque Isabel sempre beneficiou desse sistema de abusos e da falta de justiça em Angola.

Investigador e ativista Rafael MarquesFoto: João Carlos/DW

DW África: Ou seja, se houvesse justiça em Angola, Isabel dos Santos teria sido detida já quando o pai era Presidente?

RM: Nem teria chegado a presidente da Sonangol sequer, e o pai não teria ficado 38 anos no poder caso houvesse justiça em Angola. Mas há aqui elementos muito básicos. A Isabel dos Santos também participou diretamente na violação dos direitos humanos. Por exemplo, quando centenas de pessoas foram removidas de forma violenta da zona de Areia Branca, mesmo por detrás do palácio presidencial, para dar lugar a um projeto imobiliário de Isabel dos Santos. Estas demolições e o confinamento daquelas populações durante semanas para que não tivessem contacto com as redes sociais, com ativistas e outros, foram feitas pela unidade da guarda presidencial. Não poderia ter sido feito sem a ordem e sem o conhecimento do seu pai. Foram várias pessoas violentadas. Isto foi amplamente reportado. Então, como é que Isabel hoje vai dizer que ela é que está a ser perseguida politicamente?

DW África: E não concorda que estes processos são uma perseguição política contra Isabel, como ela afirmou?

RM: Absolutamente nada. E vou explicar porquê. Quando Isabel dos Santos foi notificada em 2018, ela pediu à empregada para não receber a notificação. Fugiu para casa do pai, e daí foi acompanhada até ao aeroporto, e saiu normalmente. Ninguém a impediu. Agora, quando milhões de angolanos passaram sevícias, muitos foram mortos por causa da ganância do poder, vem a Isabel dizer que é perseguida politicamente - quando saiu, quando passeia todos os dias. E quando nós temos aqui milhares de angolanos ainda a sofrer. Nós passamos aqui anos com processos de demolição, com indivíduos que não conseguem aceder à Justiça até hoje. Perderam os seus bens pelas arbitrariedades do poder e continuam a perder. Não é certamente o caso da Isabel dos Santos.

DW África: Ou seja, quer dizer que Isabel dos Santos lesou o Estado angolano?

RM: Muito do património que ela tem, e eu investiguei isso muitas vezes, foi através de concessões dadas por decretos presidenciais. As pessoas estão esquecidas que, em 2017, José Eduardo dos Santos, antes de deixar o poder, assinou um contrato que supera os 20 mil milhões de dólares norte-americanos a favor de Isabel dos Santos - a barragem de Caculo Cabaça e vários outros projetos, só a barragem no valor de mais de quatro mil milhões de dólares. Como é que vai agora dizer que não beneficiou desse sistema?

DW África: Mas ela também diz que é o Procurador que não quer que ela fale, porque ela já tentou, já se disponibilizou para prestar declarações.

RM: Se a Isabel tem provas de corrupção - já que ela quer ser Presidente de Angola - que apresente essas provas que tem contra o Procurador-Geral. Quando nós temos provas e estamos certos disso, nós publicamos, denunciamos.

DW África: E acha que isto é marketing político de Isabel dos Santos? Este timing das suas entrevistas, para se lançar na corrida presidencial nas próximas eleições?

RM: Mas qual corrida presidencial? A Isabel tem um mandado de captura internacional. A Constituição que o seu pai aprovou, à revelia do que os deputados tinham inicialmente discutido, não permite candidaturas presidenciais independentes. E quem vai aceitar ser do partido político criado pela Isabel dos Santos? Ou então, só tem uma possibilidade: concorrer pela lista da UNITA. Quer dizer, está a falar à toa, não é? Sobretudo para uma audiência estrangeira, que não conhece a legislação angolana e que depois vai pensar que, de facto, ela está a ser perseguida politicamente porque está a concorrer. Mas não, isso não é verdade. Isto é conversa fiada.

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04:20

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