Uma revisão da Constituição em Moçambique seria uma condição prévia para que se possa avançar com a descentralização. Esta posição é defendida pelo jurista e jornalista moçambicano Ericino de Salema.
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A seu ver, só um acordo entre os partidos com assento parlamentar poderia desencadear tal revisão. É que a oposição sozinha não tem força para exigir tal revisão no Parlamento. Mas parece que ao partido no poder, à FRELIMO, não interessa fazer tal revisão.
DW África: Quais seriam as consequências de se avançar com o processo de descentralização sem antes se rever a Constituição?
Ericino de Salema (ES): Um dos pontos, neste caso, tem a ver com a eleição dos governadores provinciais. Sucede que, na atual configuração constitucional, os governadores provinciais são nomeados pelo Presidente da República. As competências do Presidente da República, enquanto chefe de Estado, enquanto chefe de governo, chefe da diplomacia moçambicana e enquanto Comandante-chefe das Forças de Defesa e Segurança, também se encontram consagradas na Constituição da República de Moçambique. Acho de facto que, por uma questão de consistência, é desejável que se reveja primeiro a Constituição e depois ela seja tomada como base para se modificar o quadro da presente legislação.
DW Africa: Por um lado o Governo da FRELIMO pretende discutir a descentralização a um nível mais restrito e sem a presença de observadores internacionais, por outro, o partido FRELIMO no Parlamento mostra-se aberto a rever a Constituição. Para si isto é um pronunciamento que fica só a nível do discurso?
ES: Quando proferia o seu discurso no Parlamento, a chefe da bancada da FRELIMO, a senhora Margarida Talapa em nenhum momento disse de forma inequívoca que a FRELIMO pretende rever a Constituição. Ela usou muito o condicional. Pouca gente pensaria, de facto, que a FRELIMO iria rever a Constiuição. Logo existe aqui uma contradição. Tendo em conta a fase em que se encontra a RENAMO, não me parece razoável ou possível defender uma alteração antes de mexer na própria Constituição da República. Então a meu ver não passou de mero discurso de forma, um mero discurso político claramente problemático.
21.12.16. Descentralizacao vs Constituicao - MP3-Mono
DW África: Há algum tempo que a oposição vem pedindo a revisão constitucional que lhe foi sempre negada. E como não tem um número de assentos suficiente está de mãos atadas. O que é possível fazer neste momento para se ultrapassar este impasse, tendo em conta que se está a discutir a descentralização e ela está intrinsicamente ligada à questão da Constituição?
ES: Acho que neste momento tem que haver um acordo entre as três forças que se fazem representar na Assembleia da República e mais concretamente a FRELIMO e a RENAMO. Neste momento nenhum partido seria capaz de rever a Constituição sozinho. Logo tem que haver acordo para que o texto da lei fundamental possa ser revisto. Tanto o MDM, como a RENAMO, como a FRELIMO já manifestaram publicamente, no passado, antes do assunto estar na ordem do dia, que tinham intenções de proceder à revisão constitucional. Sem este acordo político vai ser muito difícil tomar medidas.
“A Palavra e o Gesto” de Samora Machel
Na Fundação Mário Soares, em Lisboa, estão expostas as fotografias de Samora Moisés Machel, líder da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). As imagens são do fotógrafo moçambicano Kok Nam (1939-2012).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Dos primeiros retratos do Presidente
O conceituado fotojornalista moçambicano, Kok Nam, registou as imagens e os gestos que tornaram lendária a figura e o carisma do primeiro Presidente da República de Moçambique. Machel foi Presidente de 25 de junho de 1975 a 19 de outubro de 1986.
Os registos fiéis de Kok Nam
A exposição, inaugurada no dia 24 de novembro, abre com esta imagem de 1985 em que o Presidente moçambicano falava à população. No verso Kok Nam escreveu “The maestro of the mass rally” (O maestro do comício de massas). Após a independência, em 1975, com a fuga generalizada dos quadros brancos, Machel lançou programas de reorganização económica, com o apoio dos países socialistas.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Graça Machel: primeira-dama
Em 1976, casa com Graça Simbine, que entrara em 1969 para a organização clandestina da FRELIMO. Além de primeira-dama, Graça Machel foi ministra da Educação até 1989. Uma das figuras mais conhecidas da História africana, Graça Machel é a única mulher que foi primeira-dama de dois países. Depois da morte de Samora, casou com Nelson Mandela, primeiro Presidente da África do Sul do pós-apartheid.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Político frontal e didático
Frontal, direto, seguro de si e desafiador no discurso à população: esta foto de 1983 captou um dos gestos típicos do político. Samora convencia pela simplicidade com que abordava os assuntos mais complexos do país e dos moçambicanos. Foi assim que conquistou a adesão das populações às suas mensagens e doutrina.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A mobilização dos jovens
Nascido a 29 de setembro de 1933, em Xilambene, na província de Gaza, Machel viria a assumir-se como um combatente pela liberdade. O seu objetivo era dar continuidade à luta iniciada pelo seu antecessor, Eduardo Mondlane, assassinado em fevereiro de 1969, e que fundou a FRELIMO em junho de 1962. Nesta foto, Machel dirige-se aos jovens militares na base de Nachingwea (1974).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Unir todos os moçambicanos
Conversa com uma cidadã moçambicana (1983). Samora sabia escutar a voz do povo. Das suas frases, esta proferida em setembro 1973 expressa bem uma das suas maiores preocupações: "Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação.”
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Capacidade de diálogo
A unidade da Nação ainda hoje é uma prioridade defendida pela FRELIMO, no poder desde 1975. Samora afirmou que "O povo não é um conjunto de raças. É um conjunto de homens iguais". Perante o olhar atento de populares e da imprensa, o líder conversa com uma senhora, dando provas da sua capacidade de diálogo no período de transição entre a dominação colonial e a independência de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Atenção à saúde dos moçambicanos
Samora Machel em visita a uma unidade hospitalar moçambicana em 1983. Machel dizia que o doente era sagrado para o hospital: "Um enfermeiro, um servente, um médico, não conhecem a vingança na sua missão. O pessoal médico não discrimina doentes", dizia. Gostava de dar orientações em todos os setores e momentos da vida moçambicana.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A ligação ao bloco soviético
Samora Machel tratou sempre de privilegiar a relação com o bloco socialista, que apoiou a luta de libertação das antigas colónias portuguesas. Kok Nam registou o Presidente à partida para uma visita à então União Soviética. Esta desempenhou um papel relevante nos chamados países da “Linha da Frente” de luta contra o regime do apartheid da África do Sul.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Morte em Mbuzini
Samora Machel morreu em 19 de outubro de 1986, quando o avião em que seguia se despenhou em Mbuzini, na vizinha África do Sul, na fronteira com Moçambique. Regressava a Maputo vindo de uma cimeira na Zâmbia, com os presidentes de Angola, Eduardo dos Santos, e do Zaire, Mobuto Sese Seko, entre outros. A exposição em Lisboa assinala os 30 anos da sua morte.