O endurecimento do conflito que opõe rebeldes muçulmanos a cristãos na República Centro-Africana está a preocupar organizações humanitárias no terreno. Os confrontos já fizeram 800 mortos este ano.
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Numa carta aberta enviada no início do mês ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, cinco organizações internacionais de ajuda humanitária admitiram não estarem a conseguir operar no país por causa dos ataques constantes contra os seus funcionários.
A guerra entre rebeldes muçulmanos da milícia Seleka e a milícia cristã anti-Balaka dura há vários anos e nem civis, nem soldados da ONU escapam incólumes à sua violência.
Este ano, mais de 800 civis foram mortos e cerca de um milhão de pessoas foram obrigadas a sair das suas casas para procurar refúgio. Também em agosto, o coordenador do auxílio de emergência da ONU, Stephen O'Brien, alertou para sinais de genocídio no país.
A República Centro-Africana é um dos países mais pobres do mundo - ocupa o último lugar do Índice de Desenvolvimento das Nações Unidas. Neste país, uma em cada duas pessoas depende de ajuda para sobreviver.
País controlado pelos rebeldes
Lewis Mudge, da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), diz que as violações dos direitos humanos por parte dos rebeldes é preocupante e pede medidas urgentes.
"Está nas mãos da missão da ONU criar condições para o diálogo de paz entre esses dois grupos rebeldes, responsabilizar os autores de crimes sérios e iniciar um processo de desarmamento", defende.
Violência na República Centro-Africana aumenta
Apesar da presença de 12.500 soldados das Nações Unidas no país, os rebeldes controlam cerca de 70% do território, de acordo com as organizações de direitos humanos.
As tropas francesas e da União Africana rumaram à República Centro-Africana em 2014 para conter o terror das milícias e pouco tempo depois a ONU enviou os capacetes azuis.
Paul Melly, do instituto de análise política Chatham House, sediado no Reino Unido, alerta que o conflito ameaça subir de tom. "Existe um risco real de que a violência regresse a uma escala ainda maior do que temos visto nos últimos dois anos, porque a intervenção inicial da ONU com a ajuda dos franceses estabilizou a capital Bangui, mas deixou os rebeldes a controlar a região nordeste, rica em diamantes. Os rebeldes estão a lutar para manter o controlo territorial da região".
Por outro lado, o Governo do Presidente Faustin Touadéra, desde março de 2016 no cargo, não pôs fim à violência. "Um tribunal especial para a condenação de autores de crimes foi estabelecido, mas ainda não atua ativamente. Enquanto os rebeldes não temerem as consequências, não suspenderão as batalhas", avisa o especialista da organização sem fins lucrativos Chatham House.
Em junho, um tratado de paz entre o Governo e vários grupos rebeldes foi imediatamente interrompido por fortes combates. Perto de Bria, a nordeste da capital Bangui, as tropas inimigas enfrentaram-se e fizeram mais de 100 mortos.
Reforços necessários
A maioria das organizações a trabalhar no país defende que o único caminho para a paz passa por mais tropas da ONU, mas falta assistência logística e alguns países mostram pouco interesse em participar numa missão na região, acrescenta Melly .
"Um dos problemas é que a República Centro-Africana não é vista como um interesse estratégico por ninguém e, portanto, há vontade em contribuir", lamenta Paul Melly.
Fuga e sofrimento na República Centro-Africana
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Aqueles que podem, fogem. Aqueles que permanecem, lutam todos os dias pela sobrevivência.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Refúgio no aeroporto de Bangui
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Milícias cristãs e muçulmanas promovem amargos combates. Um milhão de pessoas estão em fuga. Quase todos os muçulmanos deixaram a capital, Bangui. Entre os que permaneceram, algumas centenas encontram abrigo num velho hangar do aeroporto.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Perder tudo
O marido de Jamal Ahmed tinha guardado dinheiro suficiente para a fuga de sua família, quando as milícias cristãs chamadas "Anti-Balaka" invadiram sua aldeia natal. As poucas economias não foram suficientes - ele pagou com a vida. Jamal Ahmed vive no acampamento que surgiu no aeroporto: "Não conheço ninguém aqui. Não tenho mais nada. Não sei como será daqui para a frente.”
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ver os netos mais uma vez
Aos 84 anos, Fatu Abduleimann está entre os moradores de idade mais avançada do campo de refugiados do aeroporto. Nas últimas décadas, Fatu assistiu a muitas dificuldades em sua terra natal. Mas nunca foi tão ruim quanto agora, diz a idosa. Seu único consolo: a maioria dos seus filhos conseguiu fugir para o Chade. Seu maior desejo: "ver os meus netos mais uma vez."
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Quilómetro Cinco, uma cidade fantasma
Exceto o acampamento de refugiados no aeroporto, quase todos os muçulmanos deixaram a cidade. Há alguns meses, o chamado "Quilómetro Cinco" era um animado centro da comunidade muçulmana. Mais de 100.000 pessoas moravam e trabalhavam aqui, a cinco quilómetros do centro da capital, Bangui. Agora, restaram apenas algumas centenas de pessoas. As lojas estão fechadas até nova ordem.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Esperar o momento certo
Quase todos os muçulmanos que ainda restam no "Quilómetro Cinco" querem apenas uma coisa: sair daqui. Os caminhões para a fuga estão prontos. Eles esperam que um comboio tenha como destino os países vizinhos como os Camarões ou o Chade.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
A cidade de campos de refugiados
Não apenas os muçulmanos temem por suas vidas. Por toda a cidade de Bangui pode-se encontrar acampamentos provisórios em que a maioria da população, cristãos e animistas, procura proteção - por medo de um retorno das milícias islamistas ou simplesmente porque não têm o que comer - e espera por doações de alimentos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ajuda sobrecarregada
O Pastor David Bendima recebeu, na sua igreja, mais de 40 mil pessoas que fugiram dos combates no centro da cidade. Mas ele também não pode garantir-lhes segurança suficiente. "Todas as noites ouvimos tiros e granadas explodindo. As pessoas estão com muito medo", diz o pastor. Ele parece cansado.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Últimas reservas
Chancella Damzousse, de 16 anos, vive em uma aldeia a meia hora de distância de Bangui. Ela prepara o jantar. "Tudo o que resta são alguns grãos de feijão e um pouco de gergelim", diz a jovem. 15 pessoas terão que se satisfazer com a refeição. Desde que milícias muçulmanas destruíram o lugar há alguns meses e mataram muitos cristãos, a família de Chancella recebeu vários vizinhos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Vítimas, autores, centinelas
Ao lado da casa de Chancella, há um guarda da milícia Anti-Balaka. Os amuletos em seu corpo o tornam invulnerável contra balas, explica ele. A milícia tomou o controle da região. Seu trabalho é proteger os moradores da aldeia do ataque de outros rebeldes. No entanto, a sua proteção aplica-se apenas aos cristãos - há muito tempo os muçulmanos deixaram o local ou foram mortos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Presença internacional
Sete mil soldados da União Africana e da França têm a responsabilidade de garantir a segurança no país dilacerado. A situação humanitária está piorando a cada dia, no entanto. Em 1 de abril, a União Europeia lançou oficialmente a sua operação militar na República Centro-Africana, com um contingente de até mil homens para reforçar as tropas francesas e africanas por um período de até seis meses.