Investigação revela que descendentes de africanos convivem, diariamente, com o racismo e a discriminação na Alemanha. ONU já pediu ao Governo alemão que tome as medidas apropriadas.
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No regresso à Alemanha depois de ter ido passar um feriado a Espanha, Oumar Diallo teve uma experiência desagradável no aeroporto de Berlim.
"Eu era o único negro a bordo do avião. Todos os passageiros eram alemães. E fui o único que foi mandado parar pelo controlo da polícia", contou à DW, Diallo, um cidadão guineense, mas que vive em Berlim há mais de 20 anos. No aeroporto, os policias disseram-lhe que a revista não tinha nada a ver com a cor da sua pele.
No entanto, a experiência de Diallo não é um caso isolado. O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Afro-descendentes está "muito preocupado" com a situação das pessoas de descendência africana na Alemanha, admitiu o presidente do conselho, Ricardo Sunga, que falava no final de uma visita ao país de Angela Merkel.
De acordo com Sunga, na Alemanha, os negros são, frequentemente, vítimas de discriminação. São "vítimas de racismo, preconceito e crimes de ódio”, afirmou o especialista da ONU, na apresentação do relatório preliminar da comissão.
"Eles temem pela sua segurança e evitam ir a certos lugares, onde poderão ser atacados. Estão sujeitos a ações discriminatórias vindas dos seus colegas da escola, professores e colegas de trabalho, assim como por parte do Governo e do sistema de justiça criminal", acrescentou Sunga.
Comissão exige abolição do "perfil racial"
O perfil racial – neste contexto, quando a polícia aborda pessoas por causa do seu aspeto físico e com base em determinadas caraterísticas como a cor da pele, a religião ou a nacionalidade - é um exemplo de racismo estrutural mencionado pelo grupo de trabalho da ONU que acrescenta que esta é uma prática generalizada na Alemanha, ainda que se diga que não.
"Os controlos feitos pela polícia costumam ser direcionados a grupos minoritários, nos quais as pessoas de descendência africana estão incluídas”, dá conta o responsável. É provável que Oumar Diallo tenha sido uma vítima desta prática controversa no aeroporto de Berlim.
63% dos alemães acreditam que o "perfil racial” é necessário por razões de segurança. Mas os especialistas consideram que esta é uma prática que deveria ser abolida.
Na Alemanha, o grupo de trabalho da ONU conversou não só com representantes do Governo e autarquias e membros do Parlamento, mas também com representantes da sociedade civil.
Karen Taylor é filha de pais ganeses e membro da Iniciativa das Pessoas Negras na Alemanha e confirma também esta realidade: "As pessoas são tão preconceituosas que acham que os africanos não têm capacidades para fazer certos trabalhos e nem os chamam para uma entrevista de emprego. Também somos discriminados quando estamos à procura de casa para viver", afirmou a estudante, acrescentando que a discriminação está presente todos os dias.
De acordo com Ricardo Sunga, "as pessoas de descendência africana estão no patamar mais baixo da sociedade alemã". "Acabam por ficar com os empregos que ninguém mais quer, como limpar casas de banho. São situações que acabam por conduzir estas pessoas de descendência africana à pobreza e à depressão. Consequências que afetam a saúde das vítimas física e psicologicamente", alerta o especialista.
02.03.2017 UN/Racismo-Alemanha - MP3-Mono
Governo alemão deve tomar medidas
A Comissão da ONU solicitou já um plano de ação nacional para melhorar a situação das pessoas negras na Alemanha. Segundo a Comissão, mais pessoas de descendência africana devem ser empregadas no setor público e o sistema educativo deve ser livre da discriminação. A Alemanha deveria também lidar mais profundamente com o seu passado colonial, recomendaram os especialistas.
Oumar Diallo também tem lutado para que haja uma mudança de atitude na Alemanha em relação aos negros. Em 1993, o jovem guineense abriu um espaço para encontros, o "Afrika-Haus", em Berlim, onde se realizam debates, concertos e leituras sobre a África. Diallo espera que este espaço incentive os alemães a aprender sobre a importância dos africanos para a Alemanha.
"Somos um ganho e uma oportunidade para este país. É esta a minha abordagem", concluiu.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.