Piratas mudam "modelo de negócios" no Golfo da Guiné
Silja Fröhlich
14 de fevereiro de 2020
Ações de piratas se deslocam do Corno de África para os mares do Golfo da Guiné. Especialistas em segurança marítima dizem que ataques a embarcações diminuíram, mas o número de tripulantes sequestrados aumentou.
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Os piratas do mar estiveram anos a fio ativos nas águas do Corno de África. Mas atualmente nove em cada dez sequestros acontecem do outro lado do continente: no Golfo da Guiné. A região tem 6 mil km que vai do Senegal a Angola. Nessa região, o número de raptos duplicou em 2019. Já na Somália, não se registaram incidentes.
O especialista do Escritório Marítimo da Câmara de Comércio Internacional, Cyrus Mody, não concorda que esteja a ocorrer um aumento de ocorrência de ataques na região, porque elas já ocorrem há anos. Para ele, a diferença nestes últimos anos é que os média passaram a dar mais atenção.
"Provavelmente existem duas razões para isso: uma é que o número total de incidentes nessa região é subnotificado de 50% a 60%. O segundo motivo é que há 10 anos tivemos a questão da pirataria na Somália, que foi abordada pela média - porque havia muitos sequestros, pagamentos de resgastes muito altos e vários casos de maus-tratos”.
Mudança de método
Segundo um relatório da autoridade marítima dos Estados Unidos, a MARAD, os piratas têm predileção por navios com tripulações internacionais. Em dezembro, eles sequestraram quase 40 pessoas em duas embarcações na costa da Nigéria e do Benin. O Capitão-de-fragata Wolf Kinzel, especialista em segurança marítima na Fundação Ciência e Política da Alemanha explica que houve uma mudança de tática nas ações dos grupos criminosos.
Para Kinzel, a situação piorou. O número de tripulantes sequestrados aumentou de 78 para 121 em 2018, como nos anos anteriores. Por outro lado, o número de ataques diminuiu em 25% - de 82 ataques em 2018 para 62 em 2019. A diferença, segundo especialista é que agora, os piratas têm foco maior nas pessoas.
"A logística mudou. Em vez de levarem dois ou três tripulantes em dezembro, sequestraram 19 ou 20. Toda a tripulação foi raptada. Isso sugere que o modelo de negócios é o resgate”, deduz o militar alemão.
Piratas intensificam ações no Golfo da Guiné
Falta de cooperação
A falta de cooperação entre os países do Golfo da Guiné impede uma ação concertada contra a pirataria marítima, sobretudo quando se fala em águas nacionais e internacionais. Cada vez que as autoridades de um país têm de perseguir piratas precisam de pedir autorização para penetrar em território marítimo de outro país, o que dificulta uma resposta eficaz.
A comunidade internacional resolveu o problema no Corno de África. Desde 2008, navios e aeronaves patrulham constantemente a costa da Somália no âmbito da missão Atalanta, levada a cabo pela União Europeia. O executivo comunitário tem interesse naquela região porque é por onde passam grandes fluxos de mercadorias entre a Europa e Ásia.
Mody acha que as missões internacionais são extremamente importantes porque permitem um intercâmbio de informações e conhecimentos com países que lidam com este tipo de crimes.
"Ao mesmo tempo, a comunidade internacional pode desempenhar um papel relevante na educação da comunidade local, tentando fazê-la perceber que os problemas que facilitam este tipo de crimes estão em terra”, disse.
Como o mundo viu conflito separatista no Biafra há 50 anos
Há 50 anos, terminava a Guerra do Biafra, na Nigéria. Imagens de uma das piores crises humanitárias de África chegaram a vários países e geraram um movimento internacional de solidariedade.
Foto: picture-alliance/Leemage/MP/Lazzero
Ecos da independência
Milhões de vidas: Em 15 de janeiro de 1970, a guerra civil na Nigéria finalmente terminou. O conflito também foi travado com a arma da fome e abalou o mundo. Na época, muitos alemães se manifestaram contra a Guerra do Biafra. Porém, meio século depois, os apelos pela independência da região estão a ficar mais visíveis novamente.
Foto: Getty Images/AFP
Guerra às custas dos mais fracos
Os membros da etnia igbo, que na Nigéria são predominantemente cristãos, proclamaram a independência da República do Biafra, em 30 de maio de 1967. As quase 14 milhões de pessoas que viviam na região celebraram a criação de um novo Estado. Um ano depois, porém, iniciou-se a primeira guerra na Nigéria desde a descolonização começou. O nome Biafra logo se tornou sinónimo de miséria, fome e morte.
Foto: picture-alliance/Leemage/MP/Lazzero
Agravamento da crise humanitária
Quando as tropas nigerianas tomaram a cidade de Port Harcourt, em maio de 1968, a população do Biafra perdeu o acesso ao mar. A partir daquele momento, as pessoas que estavam em meio ao conflito passaram a depender de suprimentos jogados via aérea. Isso foi uma clara vitória para o Exército nigeriano. O efetivo liderado pelo general Ojuku era inferior e menos treinado.
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Os “bebés de Biafra”
As tropas nigerianas iniciaram um cerco à região, no qual tentaram matar de fome os separatistas. Os chamados "bebés de Biafra" ficaram conhecidos em todo o mundo. A catástrofe humanitária gerou um movimento de solidariedade sem precedentes. Dezenas de milhares de crianças e idosos morreram no verão de 1968.
Foto: Gemeinfrei
O protesto pelas pessoas necessitadas
A guerra civil no Biafra mobilizou o público na Alemanha como nenhum outro evento africano. Em agosto de 1968, estudantes alemães e da região realizaram uma marcha de cinco dias até a então capital da Alemanha Ocidental, Bonn. Eles exigiram que Biafra fosse reconhecido como Estado soberano. A bandeira com o sol nascente tornou-se a bandeira nacional da Biafra.
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Apoio das celebridades
"Como alemães, devemos saber o que estamos dizendo quando usamos a palavra genocídio, porque o silêncio torna alguém cúmplice". O autor Günter Grass foi provavelmente o orador mais proeminente em um comício realizado em Hamburgo, em 1968, contra a Guerra no Biafra. Sua mensagem difundiu-se pela Alemanha. Na década de 1960, as pessoas já lidavam com o passado duro da Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/AP Photo/ESH
“Fome por justiça”
Na Alemanha, autoridades religiosa e políticas e milhares de cidadãos participaram do da Dia da Igreja Evangélica que, em 1968, também concentrou-se na crise no Biafra. Recursos financeiros e mantimentos foram arrecadados e enviados para a região devastada pela guerra.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Reiss
"Sociedade para os Povos Ameaçados"
Em Hamburgo, os alunos Klaus Guerke e Tilman Zülch (foto acima) criaram o "Komitee Aktion Biafra-Hilfe". A organização recebeu o apoio de diversas personalidades, como o prefeito de Berlim, Heinrich Albertz; os escritores Günter Grass e Luise Rinser, e o bispo de Munique Heinrich Tenhumberg. O comité cresceu e tornou-se uma ONG internacional, a "Sociedade para os Povos Ameaçados".
Foto: picture-alliance/dpa/M. Schutt
Uma guerra para além do pensamento racional
O historiador Golo Mann elogiou aqueles que auxiliaram Biafra, embora seus comentários não sejam compreendidos: "Uma guerra na qual os imperialistas britânicos e os comunistas russos se unem na mesma corda do crime, na qual uma antiga colónia luta pela suposta unidade de seu Estado contra uma tribo que nem sequer é socialista é bastante desinteressante... Toda teoria é de fato prejudicial"!
Foto: picture-alliance/Keystone/Röhnert
"Biafra – milhões morreram"
Em Londres, os manifestantes marcharam da antiga embaixada soviética para o gabinete do primeiro-ministro, no número 10 da rua Downing. Eles acusaram tanto a União Soviética quanto a Grã-Bretanha de apoiar a Nigéria no conflito contra o Biafra fornecendo armas. O político do Partido Trabalhista, Michael Barnes, também falou num comício organizado pelo "Comité do Biafra".
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'A de Auschwitz — B de Biafra'
Muitos ativistas de direitos humanos ficaram atónitos com a falta de engajamento internacional. Eles expressaram frustração em artigos em jornais e até mesmo em cartazes com slogans como "A de Auschwitz - B de Biafra". Alemães bem conhecidos como Erich Kästner (foto acima), Ernst Bloch, Marcel Reich-Ranicki e Martin Walser eram apenas alguns dos signatários famosos.
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Envio de ajuda médica
O médico francês Bernard Kouchner viajou parao Biafra em 1968, onde, como integrante da Cruz Vermelha Internacional (IRC), tentou fornecer ajuda médica à população necessitada. Kouchner criticou a posição do IRC de não interferir na política dos partidos em conflito. Ele prosseguiu lançando as bases da ONG internacional, "Médicos Sem Fronteiras".
Foto: Getty Images/AFP/D. Faget
Apelos pela independência continuam
Doações de todo o mundo mantiveram vivo o povo do Biafra. Organizações de ajuda e o IRC enviaram por via aérea mais de 7,3 mil itens, totalizando 81,3 mil toneladas de alimentos e medicamentos. Apesar da ajuda que receberam, os líderes do movimento separatista tiveram de se render à Nigéria em 15 de janeiro de 1970. Ainda hoje, porém, os apelos pela independência continuam.