Angola: O que ficou por dizer no Estado da Nação?
16 de outubro de 2025
O discurso sobre o Estado da Nação, proferido esta quarta-feira (15 de outubro) pelo Presidente João Lourenço, provocou reações diversas entre políticos, analistas e cidadãos.
Durante quase três horas, o chefe de Estado apresentou um balanço dos 50 anos de independência, defendeu avanços na governação e apelou à unidade nacional.
Mas a leitura do discurso divide opiniões — entre os que o consideram equilibrado e os que o classificam como distante da realidade.
Este foi o penúltimo discurso de João Lourenço antes do fim do seu mandato.
Para o músico e jurista Katrogi Nhanga Lwamba, conhecido como MCK, o chefe de Estado perdeu a oportunidade de apresentar medidas concretas.
"Esperava-se que fosse um cumprimento do dever constitucional — conforme o artigo 118 da Constituição — e que apresentasse políticas concretas para resolver os principais problemas nacionais e promover o bem-estar dos angolanos”, lamentou MCK.
Já a jornalista e analista política Ana Margoso considera que o discurso teve uma perspetiva mais ampla, centrada na história recente e não apenas nas dificuldades atuais.
"Desta vez, o discurso do Presidente não foi o habitual. Foi longo e cheio de dados estatísticos sobre o que já foi feito ao longo dos anos. O Presidente João Lourenço trouxe, desta vez, dados que não eram do domínio público. Por exemplo, ele afirmou que agora somos 35 milhões de habitantes. Estes são dados, segundo o Presidente, do último recenseamento, que ainda não foi oficialmente publicado. Falou várias vezes sobre a necessidade de unidade nacional e reconciliação. Não foi um discurso centrado apenas nos problemas atuais, mas uma reflexão mais ampla sobre os 50 anos de independência. Passou por quase todos os setores”, explicou Ana Margoso.
A analista acrescentou: "Por exemplo, quando o Presidente fala que a população lá na ONU vive mais — 74 anos — tu não tens um ponto de comparação em termos estatísticos. Eu não tenho os dados que o Presidente João Lourenço tem, não é? Mas é muito importante saber isso. Ele fala, por exemplo, da construção de infraestruturas que foram destruídas durante a guerra. Isso é muito importante."
Ana Margoso sublinhou ainda que o Chefe de Estado "falou várias vezes sobre a necessidade de unidade nacional e reconciliação. Não foi um discurso centrado apenas nos problemas atuais, mas uma reflexão mais ampla sobre os 50 anos de independência. Passou por quase todos os setores."
Para Margoso, "o Presidente fala, por exemplo, da construção de infraestruturas que foram destruídas durante a guerra" e isso é bom.
Mesmo assim, a oposição acusa João Lourenço de não retratar a realidade do país.
Para o deputado Nelito Ekuikui, da UNITA, o discurso "falhou no essencial”.
"O discurso do Presidente esteve muito aquém da realidade do país e das expetativas dos angolanos. Não apresentou um balanço real do estado da Nação nem deu indicações claras sobre o que o Governo pretende fazer para melhorar a situação atual”, criticou Ekuikui.
O jornalista e ativista Rafael Marques foi ainda mais contundente.
"3 horas a falar e sem dizer nada de especial. Limitou-se a encher os cidadãos com números e estatísticas de uma realidade alternativa, na qual só ele parece viver. É um discurso que mostra duas Angolas: a que o Presidente descreve e a que os cidadãos realmente vivem”, acusou Rafael Marques.
Reconciliação e condecorações
Um dos momentos mais comentados no discurso de João Lourenço foi oanúncio da condecoração dos três fundadores da independência — Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi —, gesto que o Presidente descreveu como símbolo de reconciliação.
Para o deputado Nelito Ekuikui, a decisão foi acertada, mas deveu-se mais à pressão pública do que à iniciativa presidencial.
"Destaco, como aspeto positivo, o facto de — fruto da pressão popular da sociedade civil, dos partidos políticos e, em especial, da Igreja Católica — terem sido incluídos os signatários da independência nas comemorações e condecorações”, observou o deputado da UNITA.
Já MCK considera que a reconciliação não deve limitar-se a gestos simbólicos.
"A sociedade civil e a oposição já vinham defendendo uma celebração inclusiva e de verdadeira reconciliação nacional, não um gesto de perdão. Os fundadores da pátria devem ser homenageados por mérito, não perdoados”, afirmou o músico e jurista.
Economia, emprego e vida real
No capítulo económico, João Lourenço destacou a diversificação e os avanços na reconstrução nacional.
Contudo, as reações ao otimismo do Presidente voltaram a ser críticas.
O ativista Rafael Marques considera que o Governo perdeu o contato com o quotidiano da população.
"O Presidente é arrogante e prepotente, e não tem a humildade de reconhecer que está a governar mal. A economia degrada-se, o custo de vida aumenta e a maioria da população vive com dificuldades cada vez maiores”, denunciou o jornalista e ativista.
Na mesma linha, Nelito Ekuikui diz que o discurso reforçou o desgaste político do Presidente.
"Ficou a imagem de um Presidente perdido no tempo. Fez um discurso dos 50 anos, um balanço histórico, mas não abordou os problemas reais do presente”, sublinhou o deputado.
O que ficou por dizer?
Para vários analistas, o discurso falhou em apresentar um plano concreto para enfrentar a crise económica e social.
A jornalista Ana Margoso lembra que persistem desafios sérios nas áreas sociais.
"Faltou explicar como o país pretende sair da crise económica que vive desde 2013. O desemprego continua alto e os serviços de saúde e educação mantêm grandes deficiências”, alertou Ana Margoso.
MCK acrescenta que também faltou autocrítica.
"O Presidente devia ter apresentado um plano concreto para o tempo que lhe resta de mandato, com medidas efetivas para enfrentar a crise”, lamentou o músico.
Por sua vez, Rafael Marques entende que o Presidente já não tem respostas para oferecer.
"O Presidente já não tem nada a dizer que possa reanimar o país. A única declaração que traria esperança seria admitir o fracasso e anunciar a sua saída. Essa seria, de facto, a notícia que faria os angolanos saírem à rua — e, dessa vez, sim, celebrar ‘com todos'”, afirmou o ativista.
Entre elogios simbólicos e críticas contundentes, o discurso sobre o Estado da Nação espelhou o momento de contraste que Angola vive: entre a celebração dos 50 anos de independência e as urgências sociais e económicas.