Governo anuncia medida devido aos crescentes protestos, que já deixaram dez mortos no país. Decisão foi tomada após renúncia do ex-primeiro-ministro. É a segunda vez em dois anos que a Etiópia entra em regime especial.
Publicidade
O Governo da Etiópia informou este sábado (17.02) que o estado de emergência decretado depois da renúncia do primeiro-ministro etíope, Hailemariam Desalegn, irá durar seis meses. Segundo o ministro da Defesa, Siraj Fegessa, esse período poderá ser estendido por mais quatro meses.
O decreto foi emitido esta sexta-feira (16.02). Em comunicado, o Conselho de Ministros do país explicou que as "ameaças de segurança não podem ser abordadas com os procedimentos de segurança ordinários", devido à série de protestos que estão a ocorrer.
Esta semana, pelo menos dez pessoas morreram em enfrentamentos com as forças de segurança durante uma greve de três dias na região de Oromia, onde vive um dos principais grupos étnicos do país, por mais liberdades. Esta foi a maior manifestação de protesto em 25 anos contra o Governo.
A crise provocou disputas entre os quatro partidos regionais que formam a coalizão governante da Frente Democrática Revolucionária dos Povos Etíopes (EPRDF). As tensões foram maiores entre os dois partidos que representam as regiões de Oromia e Amhara e a dominante Frente de Liberdade do Povo Tigray (TPLF).
Devido às tensões, Hailemariam Desalegn renunciou na última quinta-feira, depois de quase seis anos no cargo de primeiro-ministro, como uma forma de tentar solucionar a crise. O político também perdeu o posto de presidente da coalizão governante, a EPRDF. Hailemariam Desalegn irá continuar em funções até à conclusão do processo de transição.
Tensões elevadas
A Embaixada dos Estados Unidos na Etiópia declarou que discorda fortemente da decisão sobre o estado de emergência, afirmando que o decreto irá restringir "direitos fundamentais, como o direito de assembleia e de expressão".
Em comunicado, a diplomacia norte-americana diz que reconhece a preocupação do governo sobre os protestos, mas acredita "firmemente que a resposta deve ser mais liberdades e não menos".
Esta é a segunda vez em menos de dois anos que o Executivo etíope adota a medida extrema de decretar estado de emergência. A contestação e a luta por maiores liberdades na Etiópia começaram em 2015 e, inicialmente, envolveram apenas as populações das províncias de Oromia e de Amhara antes de se espalharem ao resto do país.
Em agosto de 2017, teve fim um período de nove meses de estado de emergência devido a protestos antigovernamentais que acabaram com 800 mortos e mais de 20 mil detenções nas regiões de Oromia e Amhara no ano anterior.
Em janeiro deste ano, o Governo decidiu oferecer indulto a cerca de mil presos políticos – incluindo dirigentes da oposição, jornalistas e destacados académicos e intelectuais – em um gesto de "consenso nacional".
Jejum voluntário na Etiópia, país assolado pela fome
A Etiópia é um dos países mais religiosos do mundo. Os cristãos ortodoxos jejuam sete vezes por ano e até usam tatuagens religiosas. Numa nação politicamente conturbada, as pessoas estão "rezando mais do que nunca".
Foto: DW/J. Jeffrey
Sete períodos de jejum
Durante a Quaresma, período de preparação para a Páscoa, os cristãos ortodoxos etíopes jejuam por 55 dias consecutivos (católicos jejuam por 40 dias). Ao longo do ano há sete períodos designados de jejum. Os mais fervorosos jejuam por cerca de 165 a 250 dias. Isso inclui abstenção de todos os produtos animais – carne, laticínios e ovos – todas as quartas e sextas-feiras.
Foto: DW/J. Jeffrey
Regras rígidas
Cinzas são preparadas em uma igreja em Gonder para marcar cruzes nas testas dos fiéis. Além da proibição de produtos de origem animal para o jejum atual de 55 dias, os cristãos ortodoxos da Etiópia não podem comer ou beber nada até às 15 horas. Alguns param de escovar os dentes, temendo quebrar o jejum engolindo sangue das gengivas.
Foto: DW/J. Jeffrey
Fé e espiritualidade
Para os etíopes, a religião e o jejum habitam um reino de fé e espiritualidade que muitos no Ocidente não podem compreender hoje em dia. "A teologia oficial ensina que o jejum é necessário para se aproximar de Deus reprimindo a carne", diz Makonnen, um diácono da Igreja Ortodoxa. "Para ser plenamente humano, você precisa de um equilíbrio entre espírito e corpo".
Foto: DW/J. Jeffrey
Exigências da fé cristã
Algumas restrições de jejum incluem álcool e até mesmo o que pode acontecer dentro do quarto. A doutrina da Igreja não proíbe as relações sexuais durante os jejuns, nem o álcool. Mas os cristãos ortodoxos etíopes voluntariamente aderiram a um teste mais difícil, disse Makonnen. "A teologia popular influencia muito mais fortemente do que a doutrina oficial neste país".
Foto: DW/J. Jeffrey
Sinais externos de observância religiosa
Na região de Amhara, muitos cristãos ortodoxos etíopes são adornados com nikisat, uma forma tradicional de tatuagem. Isto toma frequentemente a forma de cruzes na face, como visto nesta mulher em uma rua de Bahir Dar. A nikisat também é usada nos seios, braços, pernas e para escurecer as gengivas da boca.
Foto: DW/J. Jeffrey
Economia e religiosidade
O impacto do jejum inclui uma grave desaceleração nos negócios para os proprietários de cafés e restaurantes. Mas a Etiópia é um dos países mais religiosos do mundo. Uma pesquisa do Pew Research Center em 2015 descobriu que 98 por cento dos etíopes consideram a religião uma parte muito importante de suas vidas.
Foto: DW/J. Jeffrey
Símbolos de fé
A maioria dos etíopes usa cruzes ao redor do pescoço, enquanto as imagens da Virgem Maria e Jesus, e as citações da Sagrada Escritura, adornam janelas de táxis e autocarros, ou estão nas paredes das casas das pessoas.
Foto: DW/J. Jeffrey
Apegar-se à fé
A época de jejum este ano coincidiu com um polémico estado de emergência na Etiópia, que segue um ano de agitação sobre questões como pobreza, desemprego e corrupção. "As pessoas rezam ainda mais e dizem: onde está Deus, esqueceu-se desta terra?", diz um residente de Gonder. "Porque as pessoas não podem protestar, elas estão rezando mais do que nunca".
Foto: DW/J. Jeffrey
Tatuagens religiosas mais modernas
Hoje em dia, jovens etíopes estão se afastando do nikisat, que é visto como antiquado e injusto nas mulheres – geralmente é feito na adolescência –, mas isso não significa que não estejam aderindo às tatuagens religiosas mais modernas, como Haile, de 24 anos, em Bahir Dar.
Foto: DW/J. Jeffrey
No telemóvel
Os etíopes não vêem nada de estranho em usar a tecnologia moderna para refletir sua fé. Jovens ou mais velhos, muitos têm temas religiosos como imagem de fundo dos seus dispositivos móveis.
Foto: DW/J. Jeffrey
Quebrando o jejum
Um prato popular para quebrar o jejum diário é Beuyaineutu. Consiste em injera, o pão esponjoso da Etiópia, coberto com legumes e misturas picantes de feijão e lentilhas.
Foto: DW/J. Jeffrey
A oração nunca tem fim
Uma vez terminado o jejum, os etíopes celebram. A Etiópia tem uma das maiores taxas de consumo de carne per capita em África. Pouco antes de um jejum terminar, os pastores de cabras e ovelhas podem ser vistos dirigindo seus rebanhos ao longo das estradas. Mas mesmo com o fim do jejum, a oração permanece, especialmente nos momentos de necessidade.