Com a reivindicação feita pelo Estado Islâmico do último ato de insurgência em Cabo Delgado, analista opina que autoridades moçambicanas já podem procurar saber as reais motivações dos jihadistas em relação a Moçambique.
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O SITE Intelligence, plataforma que monitora as atividades dos jihadistas no mundo, informou que o grupo extremista Estado Islâmico reivindicou pela primeira vez, nesta terça-feira (04.06.), um ato de insurgência em Cabo Delgado, província do norte de Moçambique.
O comunicado da plataforma, citado pela agência AFP, indica que os combatentes do califado conseguiram repelir um ataque do exército moçambicano na aldeia de Metubi, na região de Mocimboa da Praia, fazendo mortos e feridos, mas não cita números.
Conhecer a o inimigo é entendido como uma vantagem para o Governo moçambicano. Em declarações à DW África, o analista moçambicano Pedro Nhacete afirmou que "já há possibilidade de se apurar ou procurar saber quais são as motivações do Estado Islâmico. Pelo menos já há pistas ou aparece uma reivindicação do Estado Islâmico que o Governo pode procurar saber o que se reivindica. Esse é um passo importante que se pode dar", disse Nhacete.
Cimeira EUA-África debate extremismo A confirmar-se, efetivamente o facto, a cara dos atacantes só surge cerca de um ano e meio depois do início dos ataques armados. Isto acontece numa altura em que aparentemente os interesses empresariais norte-americanos na área de segurança em Moçambique estão "empatados" e pouco antes da cimeira de negócios EUA - África, que decorre de 18 a 22 de junho em Maputo e que poderá ter como tema subjacente a questão do extremismo.
Estado Islâmico na província moçambicana de Cabo Delgado: Estratégia de pressão?
Em simultâneo, os dois países degladiam-se pela extradição de Manuel Chang, ex-ministro das Finanças de Moçambique, no contexto das dívidas ocultas e numa altura decisiva no que se refere ao investimento das petrolíferas norte-americanas em Cabo Delgado. Seria forçar uma ligação desses factos?
O investigador do Departamento de Paz e Segurança do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, Emílio Jovando, explica que, "não podemos fazer generalizações, são muitos aspetos adjacentes aos fenómenos que qualquer generalização pode nos levar a erro. Mais do que isso é uma primeira reivindicação que ocorre basicamente depois de dois anos do início dos eventos, é muito tempo para a análise do comportamento da estratégia dos grupos extremistas usam em situações análogas."Contudo, o especialista sublinha que uma análise nesse sentido é oportuna e relevante. E recorda que ao nível de Estados, Moçambique coopera com os EUA na área da segurança marítima desde 2010.
"Pecado natural"
Já no caso de interesses privados, concretamente dos supostos interesses na área de segurança, Jovando entende que o setor é caraterizado por um "pecado natural".
Segundo Emílio Jovando, "a empresa de Erik Prince dificilmente vai conseguir vender a imagem de um provedor de segurança tendo em conta o contexto e os fenómenos que estão a acontecer. Transmite de forma implícita a ideia de que eles são um dos motores ou elementos que criam instabilidade para a partir daqui apresentar soluções de segurança", afirma o analista em questões de segurança e sublinha também que consciente ou não, "ela acaba resvalando nessa perceção, seja ela objetiva ou subjetiva. E isso dificilmente vai sair dos cálculos e análise securitárias das formas relevantes de tomada de decisão na área de política de defesa e segurança em Moçambique."
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.