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"Estamos a assistir a um novo golpe de Estado em Bissau"

29 de maio de 2022

Em entrevista exclusiva à DW África, Agnelo Regalla, líder do partido guineense União para a Mudança (UM), critica as inúmeras ilegalidades do Governo do Presidente Umaro Sissoco Embaló.

Portugal Agnelo Regalla
Agnelo Regalla.Foto: João Carlos/DW

"Ao dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas, o Presidente Umaro Sissoco Embaló está envolto em mais uma tentativa de golpe de Estado institucional", disse à DW África Agnelo Regalla, líder do partido guineense União para a Mudança (UM).

O deputado, agora em Lisboa, em fase de recuperação depois de ter sido alvejado a tiro no passado dia 7 de maio por um homem encapuçado, pede à Polícia Judiciária da Guiné-Bissau que investigue e identifique os atores da referida tentativa de assassinato. 

DW África: Acredita que o objetivo do ataque era eliminar a vossa vida?

Agnelo Regalla: Com certeza. Quando se disparam cerca de sete a oito tiros contra um indivíduo, o intuito é evidentemente eliminá-lo fisicamente. Fazer calar uma voz crítica. É um sinal de que houve uma subida da fasquia, na medida em que anteriormente tinha havido já sinais graves de espancamento de deputados, como o caso do deputado Marciano Indi, da Assembleia do Povo Unido - Partido Social Democrata da Guiné-Bissau (APU-PDGB), de Aly Silva e de outros bloguistas. Portanto, há sinais preocupantes de que o objetivo deste regime é silenciar todas as vozes críticas que possam pôr em causa a sua intenção de implantar uma ditadura no país. 

DW África: Conseguiu identificar as pessoas que dispararam contra si? 

AR: Infelizmente, não consegui identificar, na medida em que depois soube que estavam encapuçados. Tudo aconteceu como um relâmpago, foi de repente. Tive que ter uma reação muito rápida para me poder proteger. Mas, neste momento, acho que toda a gente sabe – e a polícia se quiser poderá identificar quem são esses agentes, e a quem estão vinculados.

DW África: Até onde podem ir estes atos de violação dos direitos humanos na Guiné-Bissau? O que é preciso fazer para travar isso? 

AR: Temos que continuar a lutar, estar conscientes e saber que, de facto, fazer política em países como os nossos implica riscos. Defendendo aquilo que é a nossa consciência e os compromissos que nós tomámos com o povo. É verdade que deveríamos contar com o apoio da comunidade internacional, que infelizmente está muda perante estas situações graves de violação dos direitos humanos.

O Presidente Umaro Sissoco Embaló (centro), sem máscara. Foto: Iancuba Danso/DW

DW África: O Presidente Umaro Sissoco Embaló convocou vários representantes de partidos políticos no processo de auscultação para marcar eleições. Qual mensagem quis transmitir ao não ter comparecido a este encontro? 

AG: Nessa altura, o nosso partido considerou que não estava, psicológica ou politicamente, habilitado a participar nesse encontro que aconteceu três dias depois de eu ter sido baleado. Portanto, é um sinal claro ao Presidente da República para lhe dizer "nós sabemos quem é o autor". Mas aguardamos que a Polícia Judiciária investigue e identifique os seus atores.

DW África: Há vários casos anteriores de violações dos direitos humanos, agressões. Foram investigados, mas não se chegou a nenhuma conclusão. Há processos que, inclusive, foram arquivados. Isso poderá também acontecer no seu caso? O que diz em relação à atuação da justiça? 

AR: Da justiça não espero nada. Nem sei se o Ministério Público terá tomado nota desta ocorrência. Aguardamos que a Polícia Judiciária, que tem vindo a desenvolver algum papel, sobretudo no combate ao narcotráfico, e noutras ações, possa concluir o seu trabalho, identificando os elementos envolvidos neste caso, e todos os [responsáveis] de atos anteriores que ocorreram no nosso país. 

DW África: O seu partido vai tomar mais alguma posição face a estas atrocidades? 

AR: Continuar a lutar porque efetivamente, neste momento, não há justiça na Guiné Bissau. O regime controla tudo e pretende controlar todos.

DW África: Qual é a sua opinião em relação à forma como o Presidente marca as eleições, em termos legais e constitucionais? 

AR: É absolutamente ilegal. Em primeiro lugar, porque a Constituição delimita o prazo uma vez dissolvido o Parlamento. A Constituição fala em 90 dias, estando claro que este prazo deveria ser respeitado - e não os sete meses. Por outro lado, ele fez uma auscultação dos partidos para a dissolução do Parlamento. Tudo muito bem, legal, constitucional. Agora ele teria que fazer uma nova auscultação a todos os partidos, os partidos legalmente constituídos, para marcar a data das eleições, o que não ocorreu. Não houve uma segunda auscultação e, automaticamente, estamos perante um indicador importante deste regime. A 20 de fevereiro de 2020 houve um golpe de Estado palaciano disfarçado e estamos a assistir a um novo golpe de Estado constitucional. 

Homens armados em Bissau, próximos ao palácio presidencial, em fevereiro de 2022 (foto de arquivo).Foto: Stringer/REUTERS

DW África: Perante esta onda de ilegalidades, é de se esperar uma atitude, ou uma postura ética, por parte do Tribunal Constitucional?  

AR: Gostaríamos que assim fosse, mas infelizmente e, como nós já dissemos, todas as instituições estão amordaçadas e longe de poderem desempenhar o papel que lhes cabe. A grande verdade é que não temos justiça e as instituições estão enfeudadas à vontade do dito Presidente da República eleito. 

DW África: E o partido que dirige vai participar nas próximas eleições? 

AR: Vamos analisar qual é o quadro. Não há convites formulados e toda a gente está na expetativa de ver até onde nos vai conduzir este imbróglio – o termo é complicado – mais esta embrulhada em que o próprio Presidente da República nos meteu.  

DW África: ...Presidente que acaba por propor um Governo de Unidade Nacional, fazendo questão que todos os partidos participem neste projeto de iniciativa presidencial. Que comentário faz a isto? 

AR: Se fosse essa a vontade dele, por que não o fazer com a Assembleia Nacional Popular em funcionamento? Seria muito mais fácil.  

DW África: E o escusava de dissolver o Parlamento… 

AR: A grande verdade é que os argumentos utilizados para justificar a dissolução do Parlamento são simplesmente sem sentido e não tem nenhuma razão, nenhum peso real. 

DW África: Discorda da ideia de Governo inclusivo, ou de Unidade nacional? 

AR: Nós queremos saber, entender, enquanto partido, o que é que ele quer dizer com o "Governo de Unidade Nacional", ou "com Governo Inclusivo?". Se são todos os partidos ou alguns partidos? São partidos com assento parlamentar? Há uma série de clarificações [ainda] necessárias. 

Domingos Simões Pereira, líder do principal partido de oposição guineense, o PAIGC.Foto: DW/Braima Darame

DW África: O PAIGC, principal partido da oposição, admite ceder e integrar esse Governo de Unidade Nacional. Não sei se já foi contactado. Aceitaria fazer parte desse Governo de iniciativa presidencial? 

AR: Segundo aquilo que pude ler das decisões do Bureau Político do PAIGC, este partido está disposto a negociar e apresentar propostas muito concretas à governação. Nós não sabemos se o Presidente eleito irá aceitar ou não - porque não será apenas o PAIGC. Há o PRS, há o MADEM; embora minoritários, há a União para a Mudança e o PND, que estão representados no Parlamento. Portanto, seria necessária uma negociação política profunda que começa a ser já inquinada no momento em que o Presidente eleito já indigitou um alegado primeiro-ministro e um vice primeiro-ministro. As regras do jogo estão à partida falseadas. Mas vamos ver, porque o país precisa de paz e de estabilidade para poder ir às eleições de forma tranquila.  

DW África: Mas, insisto, perante esta soma de episódios e de inconstitucionalidades, a Guiné Bissau não estará a ser dirigido por um presidencialismo autoritário?  

AR: É isso que está a acontecer. É por isso que nós falamos de tentativa de implantação de um regime ditatorial. O Presidente coloca-se acima de tudo, até acima da Constituição da República. Ele acha que é o senhor e dono de tudo e de todos, o que na Guiné Bissau é difícil de se concretizar. 

DW África: E sobre a presença no terreno das tropas da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). A Guiné Bissau terá eleições sob o chapéu destas tropas. Qual deveria ser o papel da União Africana (UA)? 

Tropas da CEDEAO em Bissau (foto de arquivo).Foto: Getty Images/AFP/A. Balde

AR: A CEDEAO está completamente descredibilizada. Quanto à União Africana (UA), penso que ela também não consegue afirmar-se. As instituições africanas em geral estão a viver uma situação de profunda crise como vive o próprio continente. Mas eu penso que aquilo que poderá acontecer, e talvez [seja esta] uma das razões que levou a tudo aquilo que aconteceu, foi [o fato] de nós termos denunciado a forma ilegal. Não estamos contra a vinda de tropas da sub-região para o país. Mas todos os passos devem ter um cunho legal, constitucional. E a Assembleia Nacional Popular deveria ter sido consultada para avalizar ou não a vinda de tropas estrangeiras. 

DW África: Há quem diga que o país está sob um barril de pólvora. Faria sentido a volta para o território guineense das tropas das Nações Unidas nesta fase de preparação para as próximas eleições? Ou bastará a presença das tropas da CEDEAO? 

AR: Tudo vai depender do papel que lhe será incumbido. O grande problema que se coloca é saber se essas tropas, de facto, permitirão o regular funcionamento das instituições para proteger as instituições – falo inclusive dos partidos políticos e da população também. Ou se foram enviadas, exclusivamente, para proteger o Presidente eleito? 

DW África: Vai permanecer algum tempo em Portugal para tratamento na sequência dos ataques que sofreu. É um período apenas transitório para depois regressar à Guiné Bissau e retomar a sua atividade política? 

AR: Com certeza, e vai ser o mais breve possível. Por acasos, a vinda a Portugal já estava prevista, não tivesse acontecido isto. Os familiares e amigos insistiram para que eu viesse, embora eu sentisse que não havia muita gravidade naquilo que aconteceu em termos físicos. Felizmente chegamos e verificamos que não era tão grave.

DW África: Recebeu toda a assistência necessária?

AR: Recebi. Estou numa fase de recuperação, mas tão pronto esteja recuperado regressarei a Guiné-Bissau porque lá eu quero continuar a fazer política, a defender as minhas posições. Defender as posições do meu partido, para garantir que o país seja, de facto, um país de paz e de progresso.

Reflexões Africanas: As ameaças à democracia da Guiné-Bissau

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