Vários países têm mostrado interesse em integrar a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) como observador associado. A DW África falou com a especialista Alexandra Magnólia Dias para entender as vantagens.
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O estatuto de observador associado da CPLP pode ser uma porta de entrada de países terceiros no espaço lusófono. Este estatuto exige que os Estados partilhem dos princípios orientadores da CPLP, como democracia, boa governação e respeito pelos direitos humanos.
A comunidade é composta por 11 Estados-membros e 19 observadores associados. Recentemente, a Indonésia anunciou que pretende apresentar a sua candidatura. Muitas vezes, a ligação entre os observadores associados e os Estados-membros é pouco óbvia, como os casos da Turquia, do Japão, da República Checa ou da Hungria. A DW África falou com a africanista Alexandra Magnólia Dias, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, para entender o interesse destes países na CPLP.
DW: Qual seria o interesse de certos países em participar na CPLP?
Alexandra Magnólia Dias (AMD): O estatuto de observador associado ao executivo pode também ser uma porta de entrada para os Estados-membros da CPLP e também para as outras organizações internacionais. Com o crescimento demográfico, quer de Angola quer de Moçambique, o português será uma das línguas mais faladas em África nos próximos 20 a 30 anos. Logo, tem toda a importância estes Estados aproximarem-se da CPLP.
DW: Para os Estados da CPLP também é vantajosa a entrada de novos membros?
AMD: Repare na variedade das origens regionais dos diferentes Estados que procuram este estatuto de observador associado. Entre os países africanos, saliento dois. O Senegal, um Estado da África Ocidental, tem todo o interesse - e a própria Guiné-Bissau, Estado vizinho contíguo, também é um Estado-membro da Organização Internacional da Francofonia. E a Namíbia, país vizinho de Angola. Também temos aqui um padrão que me parece mais importante.
Qual a vantagem de ser "observador associado" da CPLP?
Dentro da CPLP temos algumas potências emergentes, nomeadamente o Brasil. E temos aqui potências emergentes como a Turquia e o Japão com preços fortes e um envolvimento em África e CPLP também tem interesse em posicionar-se e em desenvolver uma política para as potências emergentes, nomeadamente no que toca ao seu desenvolvimento em África.
DW: Vários países estão presentes como observadores associados, entre eles a Hungria, que atualmente tem uma postura mais populista, que parece não estar de acordo com os valores defendidos pela CPLP. A Hungria é um "elefante branco" dentro da CPLP?
AMD: Essas são orientações conjunturais e estão a caracterizar vários estados da União Europeia, infelizmente. Penso que a socialização e a exposição a diferentes organizações internacionais e particularmente aquelas que são marcadas pela diversidade podem contribuir para uma maior exposição à tolerância.
DW: Como avalia a intenção da Indonésia candidatar-se a observador associado tendo em conta a relação com Portugal e Timor-Leste?
AMD: Poderá ser eventualmente importante num contexto de relações restauradas, já numa fase de Timor-Leste como Estado com a sua própria trajectória, estado independente.
DW: Esse interesse recente pela CPLP fortalece a organização?
AMD: Este reconhecimento por parte dos pares só atesta a importância da CPLP. Temos de ver mais liderança por parte de Portugal, por parte do Brasil e mais empenho por parte dos Estados-membros na maior vitalidade, dinamização e pujança da CPLP.
Jovem são-tomense ajuda sem-abrigo em Lisboa
Depois de passar por dificuldades como imigrante na capital portuguesa, Mirko Santiago tomou a iniciativa de recolher alimentos desperdiçados e distribuí-los aos sem-abrigo.
Foto: DW/Joao Carlos
Gesto de solidariedade
Mirco Djallu Vaz Santiago abraçou uma causa solidária. O jovem são-tomense de 26 anos chegou a Portugal em 2010 como turista e passou por inúmeras dificuldades como imigrante. Mesmo em situação irregular em Portugal, decidiu por conta própria ajudar os sem-abrigo espalhados pela capital portuguesa. Atualmente, abraça o desafio contra o desperdício.
Foto: DW/Joao Carlos
Contra o desperdício
Mirco Santiago trabalhava antes numa fábrica de bolos, que eram comercializados em supermercados. No trabalho, viu que muitos bolos iam diariamente para o lixo por não estarem em condições adequadas de comercialização. De modo a evitar o desperdício, achou por bem doar os bolos que recebia às pessoas carenciadas a viver nas ruas de Lisboa.
Foto: Instagram/@tchezboy
Para os que mais necessitam
Na sua rotina entre o trabalho e a casa, o jovem de São Tomé e Príncipe tratou de identificar quem seriam os potenciais beneficiários da sua ação humanitária. Partilhou a ideia pelas redes sociais e encontrou muitos apoiantes entre os seus seguidores no Facebook e no Instagram. Mirco Santiago lamenta o volume de alimentos, ainda em bom estado de consumo, que são deitados ao lixo.
Foto: DW/Joao Carlos
Mãos à obra
Não conformado com a situação, Mirco Santiago meteu mãos à obra. Saiu à rua e fez algo de útil pelos outros. Ao longo da semana, nos dias destinados à recolha de lixo, desloca-se por meios próprios aos locais onde sabe que há desperdício, que lhe é doado. E recolhe pequenas quantidades.
Foto: Instagram/@tchezboy
Organização das embalagens
Mirco Santiago recolhe vários alimentos. Na casa onde vive, em Loures, tem a preocupação de conservar os alimentos, como frango, entrecosto, salsicha, pão e bolos de carne. Depois, no dia seguinte, aquece os produtos e organiza a composição das embalagens. A distribuição é feita até antes da uma da manhã, porque tem de apanhar o metro para regressar à casa.
Foto: Instagram/@tchezboy
Abandonados
No Largo de São Domingos, no Rossio, pernoitam muitos sem-abrigo, alguns incomodados com o facto de terem sido abandonados à sua sorte. É o caso de Ana Maria, nascida no Alentejo, que partilha o local onde dorme no chão. Ana Maria viveu dois anos sozinha na rua antes de encontrar o companheiro João Paulo.
Foto: DW/Joao Carlos
"Queremos trabalho"
O companheiro de Ana Maria veio de São Tomé num avião militar quando tinha 11 meses. O pai era militar e a mãe empregada doméstica. Técnico de impressora de offset, acabou por ficar desempregado. Foi assim que veio parar à rua. "Queremos trabalho", reclama. João Paulo recusa o rendimento mínimo, mas não recusa a ajuda de Mirco Santiago, pessoa que, para ele, nunca será esquecida.
Foto: DW/Joao Carlos
"Devia haver mais pessoas assim"
Faz agora um ano que este homem, que pediu para não ser identificado, vive na rua. O motivo foi uma separação dolorosa. Ao referir-se a Mirco Santigo, diz: "Tem um nome de santo". O sem-abrigo elogia a iniciativa do jovem são-tomense. "Devia haver mais pessoas assim. Há muito poucas. Como ele só conheço mais um senhor", sublinhou.
Foto: DW/Joao Carlos
Continuar a alimentar sorrisos
Atualmente, Mirco Santiago não tem emprego. Participa apenas como figurante numa novela durante o dia. À noite, apesar de alguns entraves e de haver instituições que fazem doações na capital, o jovem está decidido a continuar com este gesto, admitindo a possibilidade de vir a distribuir comida quente confecionada em casa. Quer assim alimentar o sorriso das pessoas que vivem nas ruas da cidade.
Foto: DW/Joao Carlos
Serviços de barbearia
A higiene e a saúde dos sem-abrigo também inquietam o jovem são-tomense. Mirco Santiago pediu ajuda a um amigo cabo-verdiano, Patrick Fernandes, que se disponibilizou a cortar o cabelo de pessoas que vivem nas ruas. "Também já passei por muita coisa. É uma boa atitude da parte dele", sublinha Mirco, que espera contar com o apoio de outros amigos.
Foto: DW/Joao Carlos
Amigo aceitou o desafio
O brasileiro Neto Guerra, barbeiro de profissão, também aceitou o desafio de cuidar do cabelo dos sem-abrigo, sempre que possível. É para ele e Mirco Santiago uma espécie de retribuição pelas ajudas que também receberam no passado quando enfrentaram dificuldades.
Foto: DW/Joao Carlos
"Ficamos com outro aspeto"
João Paulo, que vive nas ruas de Lisboa, critica o sistema social português e agradece o gesto solidário destes jovens. "Esta oportunidade chegou em boa hora", afirma. "Ficamos com outro aspeto".