É preciso debater a necessidade de colocar a secreta moçambicana a responder ao Parlamento, entende sociólogo. Para isso, o MDM, partido com assento parlamentar, considera ser fundamental mudar a Constituição.
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Há cerca de cinco anos, o escândalo das dívidas ocultas veio expor os super-poderes da secreta moçambicana, os Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).
Altos quadros envolvidos nas dívidas, em representação do organismo, recusaram-se categoricamente a prestar informações, alegando tratar-se de informação classificada. O SISE nem ao Parlamento, órgão de soberania, presta contas.
E, volvido tanto tempo desde o despoletar do escândalo, nada foi alterado em termos de lei para que passasse a subordinar-se ao Parlamento. Tal como nenhum esforço nesse sentido é empreendido, alerta o sociólogo Elísio Macamo.
"Ainda não estamos a ter nenhuma discussão, em Moçambique, sobre a necessidade de colocar os serviços de segurança do Estado sob o controlo parlamentar," relata.
Estatuto especial do SISE questionado em Moçambique
Estatuto especial
E no âmbito do seu estatuto especial, o SISE só presta contas a um único órgão de soberania: o Presidente da República. E este, por sua vez, tem superpoderes, determinados pela Constituição, no âmbito do modelo presidencialista que vigora no país.
É, neste contexto, a secreta moçambicana um organismo que tende a funcionar numa lógica supra Estado? Lutero Simango é chefe da bancada parlamentar do MDM, segundo maior partido da oposição, e não tem dúvidas.
"Claro, e não só. Embora haja uma relação em que a comissão da defesa e segurança na Assembleia da República possa solicitar ao SISE que vá à comissão, isso não é vinculativo. O SISE tem um estatuto especial, eles podem cooperar, tal como não," considera.
"Nós precisamos de ter um quadro em que, de facto, obrigue o SISE a prestar contas à AR e isso é extensivo ao governador do BM, através de mecanismos pré-estabelecidos," defende Simango.
Dilema político-jurídico
E por sua vez, o facto de o Presidente da República, único órgão de soberania a quem o SISE presta contas, ter o privilégio de não responder ao Parlamento, expõe as limitações deste órgão. Face a isso, Lutero Simango entende que o sistema político-jurídico está diante de um dilema.
"E sabemos que todos esses serviços militares e paramilitares são dirigidos pelo chefe de Estado que, como figura central, não interage com a AR - o seu informe não é debatido, não é capaz de ir a AR responder às questões sobre gestão da política nacional. E é por essa razão que muitas vezes temos exigido que é preciso efetuar uma revisão global da Constituição para impor essas normas, para que, de facto, o diretor geral do SISE viesse à AR prestar contas. Não só ele, como também o governador do BM. Mas isso não acontece porque estamos amarrados a um sistema jurídico que não está a funcionar," conclui.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)