Estudo recomenda abertura total de contratos sobre mineração em Moçambique
9 de agosto de 2013 O estudo "Um passo para a boa governação na gestão dos recursos naturais", divulgado pelo Centro de Integridade Pública, defende a publicação na íntegra de todos os contratos envolvendo recursos naturais do país.
Em 2011 foi aprovada uma lei de parcerias público-privadas que prevê que todos os contratos assinados pelo governo sejam publicados. No entanto, nesta lei a favor boa governação, há um aspecto que anula o próprio princípio da transparência: aquele que diz que os "principais termos dos contratos serão publicados".
Para Fátima Mimbire, do CIP, a questão que se coloca é: o que são "principais termos"? Quem determina esses "principais termos"? Ou então, quais são os critérios para determinar os "principais termos?"
A analista defende que todo o contrato deve ser aberto ao público. "Claro que se tem de salvaguardar essa questão que eles dizem do interesse comercial, mas nós achamos que esse argumento de salvaguarda dos interesses comerciais é mais um argumento para não publicar os contratos porque já ficou provado, nos países que publicam os contratos na íntegra, que isso não afeta de forma nenhuma o negócio das companhias", opina Mimbire.
Cláusulas de confidencialidade
Segundo a especialista, as companhias dizem que estão disponíveis para aceitar a publicação dos contratos enquanto o governo diz que necessita da autorização das companhias. Isso cria um "pingue-pongue" e ninguém parece deixar claro por quê os contratos não são publicados.
"E ainda que a lei preveja a publicação dos principais termos do contrato, a publicação não vai ser extensiva a contratos já assinados por causa do princípio da retroactividade e porque há cláusulas de confidencialidade. Assim, vamos dizer de novo que os contratos não são transparentes", explica.
Mimbire sublinha, por outro lado, que há muitas dúvidas sobre o que realmente consta nos contratos e isto é uma preocupação permanente do CIP. Os reais benefícios que o país poderá ter decorrente dos contratos que assinou com as companhias é, para todos, segundo a pesquisadora, uma incógnita.
"Isso nos preocupa. Sobretudo para um país que está a procura de recursos e tem de maximizar a exploração de recursos para poder investir no desenvolvimento", avalia.
Segundo o estudo do CIP, os relatores do documento chegaram à conclusão de que muitos dos projectos vão terminar a sua exploração sem pagar efectivamente ao Estado por causa dos excessivos benefícios fiscais que o governo concedeu a algumas companhias.
Falta recursos para o básico
Mimbire ressalta aí o prejuízo dos contratos não transparentes. "Os moçambicanos não sabem efectivamente o que o governo assinou com as companhias e que benefícios o país terá da exploração destes recursos", critica a especialista.
O CIP não sabe exactamente o que o país está a ganhar. Segundo a analista, os contratos não estão claros e não há como monitora-los. "Então os recursos que deveriam ir para os cofres do Estado vão para os bolsos das pessoas porque não se sabe quando terminou o regime especial de uma determinada companhia", constata.
Seriam estes recursos que fazem falta hoje ao país para prover o básico aos seus cidadãos, segundo a analista. "Ao invés de beneficiar os moçambicanos, por exemplo, na construção de escolas, hospitais e infra-estruturas, acabam por ir para os bolsos de determinadas pessoas".
O principal impacto desta falta de transparência, além de significarem um obstáculo a distribuição dos benefícios da riqueza do país entre todos os moçambicanos, é o retardamento do desenvolvimento de Moçambique. "E então começam com o discurso que temos de ter paciência", ironiza.
Os esforços do governo
Moçambique aderiu à Iniciativa de Transparência das indústrias Extractivas (ITIE) em 2012. Segundo a especialista do CIP, isto melhorou um pouco a situação, mas não de forma totalmente satisfatória. Já existe no país a ideia de que o governo tem de prestar contas sobre o que as companhias pagam e o que o Estado recebeu.
O governo tem tentado implementar, conforme Mimbire, o cadastro mineiro. Para a especialista, as questões é como a autoridade tributária estava organizada em termos de colecta de impostos. "Ainda temos desafios do ponto de vista da própria transparência da implementação da ITIE, do enraizamento do hábito de prestação de contas", esclarece.
Embora alguns analistas digam que, com a adesão ao ITIE, Moçambique já é um país transparente, Fátima Mimbire discorda. Ela diz que a adesão é o começo para alargar a transparência. "O que significa que os relatórios por si só não são suficientes sobretudo porque são relatórios contabilísticos. Quantas pessoas conseguem interpretar, ler números?"
Para ela, a CIP tem estado a fazer com que as organizações da sociedade civil avancem não só para a publicação de relatórios contabilísticos, mas com informações mais relevantes, como, por exemplo, a forma que o governo utiliza o dinheiro arrecadado.
"Isto é um aspecto muito importante que nos permite escrutinar se de facto esse dinheiro tem impacto positivo na sociedade e traz melhoras para o país. A prestação de contas não é só dizer recebi e paguei. É para deixar claro que recebi, paguei e fiz isto com esse dinheiro", explica Mimbire.
Conforme a especialista do CIP, Moçambique avançou muito, mas tem ainda de continuar a trabalhar para o alargamento dessa transparência. Mimbiri diz que a publicação dos relatórios em si não diz nada. É preciso que esses relatórios sejam documentos que digam alguma coisa sobre o que está a acontecer no sector extractivo.