Faltam serviços específicos para jovens em conflito com lei
Leonel Matias (Maputo)
10 de agosto de 2018
Estudo lançado esta sexta-feira (10.08.18 ), em Maputo, descreve a situação das crianças em conflito com a lei no país de "preocupante”, posição partilhada pelos participantes na cerimónia.
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Em Moçambique, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), defende que as crianças em conflito com a lei devem beneficiar de uma segunda oportunidade para evitar que se tornem reincidentes. O estudo, encomendado pela Procuradoria Geral da República em parceria com a UNICEF, aponta para a existência de 1389 menores que cumpriam penas de prisão em 2015. Este número não inclui menores que se encontravam nas esquadras.
Durante o período de privação de liberdade, os menores são muitas vezes encarcerados nas mesmas celas com adultos e, regra geral, não recebem o apoio ou visitas regulares de familiares o que as torna vulneráveis a situações de abuso.
O estudo observa ainda que em Moçambique não existe nenhum sistema estruturado de denúncia de casos de prisão de menores nem do seu acompanhamento após a libertação.
Razões sociais e económicas na base da criminalidade juvenil
Quanto às causas do conflito das crianças com a lei, o estudo aponta razões meramente sociais e económicas.
"São crianças que são deixadas muitas vezes sem acesso a serviços básicos, sem acesso a direitos básicos e são empurradas para a situação de conflito com a lei", refere a especialista da área de proteção da criança da UNICEF, Carla Mendonça.
Carla Mendonça explica que estas crianças deambulam pelas ruas, não frequentam a escola, muitas vezes sofrem de maus tratos nas suas famílias e acabam encontrando nas más companhias o único consolo e a única forma de fazerem face à vida.
Noutros casos, são crianças que trabalham de forma precária e depois são aliciadas e convencidas por outras pessoas a enveredarem pela criminalidade.
Programas específicos para evitar criminalidade
Carla Mendonça defende a adoção de programas específicos para que as crianças vulneráveis não sejam tentadas a enveredar pela criminalidade e de medidas alternativas a detenção para este grupo alvo.
"A prestação de serviços à comunidade é uma delas. Existem também medidas como a obrigação de frequentar a escola, medidas de responsabilização dos pais e das comunidades, medidas de ingresso ou inserção num centro educacional", exemplifica Carla Mendonça.
Estudo sobre jovens em conflito com a lei alerta para falta de serviços específicos
Na mesma linha, o gestor de advocacia, formação e capacitação em direitos da criança na ONG Rede Criança, Narciso Cumbe, considera que a situação é grave e sublinhou que os programas de proteção dos adolescentes que entram em conflito com a lei devem ter em consideração características comportamentais próprias daquela fase da vida.
"Eles estão na fase de descobrir, estão na fase de testar tudo o que é a vida deles e com muita facilidade podem ser aliciadas por malfeitores".
Maior especialização de órgãos públicos
O estudo apresenta várias sugestões, como a criação de tribunais de competência especializada, que seriam, em simultâneo, tribunais de família e de menores.
"Com base no estudo nós nos apercebemos que há que capacitar os nossos magistrados que trabalham nesta jurisdição de menores, há que aconselhar também o Governo a abraçar aquilo que são as necessidades que surgem desta questão que preocupa a sociedade", comentou o Procurador Geral Adjunto, Januário Necas.
Narciso Cumbe, da Rede Criança, que agrupa 163 organizações, considera importante este estudo ao pôr no papel as situações que já tinham sido identificadas por organizações como a Rede Criança.
"É um estudo que vem ajudar sistematizar aquilo que nós já vivíamos mas como não estava colocado num documento sistematizado tornava-se difícil usar isso como argumento para propor soluções", afima.
Centro Aberto ajuda órfãos a desenvolver competências laborais
Em Manica, centro de Moçambique, crianças e jovens órfãos podem aprender várias competências laborais num centro aberto para jovens e idosos. É uma forma de tirar os jovens das ruas e de lhes dar perspetivas de emprego.
Foto: DW/B. Jequete
Aprender para o futuro
Pita Tobias tem 17 anos. É órfão de pai e mãe e aprende carpintaria num centro para jovens. À DW África conta: "Estou a aprender carpintaria desde o início de 2015. Faço biscates, a concertar portas, janelas, cadeiras, fechaduras de portas, com os quais tenho ganhado dinheiro, para ajudar a minha avó em casa". O seu sonho é concluir, pelo menos, o nível médio de ensino e procurar emprego digno.
Foto: DW/B. Jequete
Novas oportunidades para jovens
Em Manica, o Governo moçambicano, através do Instituto Nacional de Ação Social (INAS), construiu um Centro Aberto para o Atendimento de Crianças Órfãs e Pessoas Idosas. O centro oferece cursos profissionalizantes para promover o auto-emprego e, consequentemente, tirar os mais jovens da rua e reduzir a mendicidade e criminalidade. Carpintaria, costura e agricultura são algumas das áreas ensinadas.
Foto: DW/B. Jequete
Futuros empreendedores
Este alpendre construído de pau a pique e coberto de plástico e capim é a "carpintaria". A carpintaria é um dos ofícios mais ensinados no centro. Alguns dos formandos mais crescidos dizem já ter conhecimentos suficientes para abrir o seu negócio, mas, como ainda não conseguem ter o próprio material, continuam a frequentar o centro.
Foto: DW/B. Jequete
Deixar a pobreza para trás
João Lucas, adolescente de 15 anos, decidiu abraçar o curso de costura. Já sabe coser uniformes, fatos de capulana, túnicas, entre outros modelos de roupa. "Esta peça que tenho nas mãos, fui eu que confecionei. Quero agradecer aos gestores e organizadores deste projeto porque nós, mesmo que não tenhamos emprego, sabemos fazer algo que nos dará dinheiro. A pobreza ficou para trás."
Foto: DW/B. Jequete
Trabalhar na indústria para depois abrir o próprio negócio
Abel Francisco, de 18 anos e órfão de pai e mãe, agradece ao Governo a oportunidade. Está perto de obter um certificado que lhe permitirá encontrar emprego mais facilmente. "Para alguns colegas foi difícil enquadrarem-se numa carpintaria industrial, por falta de certificado. Com o papel nas mãos, é fácil encontrar emprego. Gostava de trabalhar para conseguir o meu material e ter o meu negócio."
Foto: DW/B. Jequete
Aprendizagem a passo-e-passo
Isabel Caetano, adolescente de 14 anos, já aprende a costurar há 14 meses e conta que já sabe, pelo menos, fazer botinhas e chapéus para recém-nascidos. "Outro tipo de peça de roupa, poderei aprender com o tempo. Por agora tenho de saber costurar roupa para recém-nascidos com perfeição."
Foto: DW/B. Jequete
Boa estratégia governamental
Saene Francisco Sabonete, de 48 anos, é formado na área da carpintaria e tem mais de duas décadas de experiência. É o instrutor dos órfãos no centro. "O Governo pensou numa boa estratégia, ao dar ferramentas básicas para o auto-emprego, visando acabar com mendigos e vulnerabilidade. O que nos inquieta é a falta de material. O que existe é insignificante para o número de crianças."
Foto: DW/B. Jequete
Criar emprego
Com o valor que consegue na venda de produtos feitos por ele e biscates, Alberto Francisco investe na compra de material de carpintaria. Segundo o próprio, "chegou o tempo do desmame e de dar oportunidades a outros" que também podem beneficar da formação. "A minha ideia é abrir a minha carpintaria e contratar alguns aqui do centro. Será uma valia para mim e para eles."
Foto: DW/B. Jequete
É necessário mais material
De visita ao centro, Maria Glória Siaca, diretora-geral do Instituto Nacional de Ação Social (INAS), foi recebida com inúmeros pedidos de material para aumentar o número de cursos profissionalizantes. "Estamos a encetar contatos com parceiros visando a compra de mais materiais", respondeu a dirigente.
Foto: DW/B. Jequete
Exploração infantil ainda existe
Enquanto algumas crianças aprendem vários ofícios, outras realizam trabalhos que não são adequados à sua idade. Há crianças em Manica que ainda são usadas em trabalhos forçosos, o que viola os seus direitos. Por desconhecimento ou receio, as crianças não agem em sua defesa e cingem-se a cumprir ordens. O trabalho infantil é punível por lei.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de formação pode levar ao mundo do crime
Infelizmente, a formação promovida pelo centro não chega a todos. Há crianças de rua em Manica que, para além de mendigar, por vezes seguem o caminho do crime. Algumas praticam pequenos furtos, outras são enganadas por bandidos perigosos e levadas a assaltar residências. O Governo prometeu acabar com este cenário, mas é um processo lento.
Foto: DW/B. Jequete
Crianças de rua
Os rapazes desta imagem dizem não sair da rua. Alguns têm famílias mas preferem viver naquelas condições. Dormem em passeios, cobertos com caixas, sacos e cobertores apanhados em lixeiras. Dizem ter fugido de casa porque a comida não chegava para todos ou por vingança aos pais. De dia, fazem biscates, como lavar viaturas, para ganhar dinheiro para se alimentarem.