Etiópia aguarda resultado de referendo sobre região autónoma
Maria Gerth-Niculescu | Lusa | nn
21 de novembro de 2019
Na Etiópia, os membros do grupo étnico Sidama votaram num referendo para criar uma região autónoma. O resultado da votação - esperado com expetativa - deve ser divulgado dentro de uma semana.
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As tentativas de determinação de autonomia do povo Sidama ao estado das Nações, Nacionalidades e Povos do Sul da Etiópia têm sido manchadas por violência e morte. Mas nesta quarta-feira (20.11), os membros deste grupo étnico votaram num referendo para decidir sobre a criação de uma região autónoma na federação etíope.
Desalegn Mesa é porta-voz do Movimento de Libertação Sidama e explica o motivo deste referendo: "A descentralização não é a causa da instabilidade política. A causa da instabilidade são as lágrimas, a subjugação da comunidade, o controlo de todos os recursos desta comunidade, tratando-a como periferia. Essa é a questão central, o problema na origem de toda a crise na Etiópia".
A Etiópia é o segundo país mais populoso de África e tem mais de 100 milhões de habitantes. Está atualmente dividido em nove regiões semi-autónomas. A Constituição exige que o Governo realize um referendo sempre que qualquer grupo étnico formalize o desejo de constituir uma entidade administrativa autónoma.
A chegada da votação desta quarta-feira foi um momento vivido com apoteose, como relata o ativista Sidama Ermias Tesfaye, que diz que mal consegue expressar o que sente com este momento. "Houve muita destruição material. Registaram-se muitos casos de tratamento desumano em várias detenções dos nossos amigos, pais e antepassados".
Grupos étnicos
O referendo tem todos os ingredientes para encorajar outros grupos étnicos - há mais de 80 na Etiópia - a seguirem o mesmo caminho. Ao criar uma região autónoma, os Sidamas pretendem recuperar o controlo dos recursos naturais, a representação política e a identidade cultural.
O ativista Tesfatsion Legesse diz que este é um "momento feliz" para os Sidama. "Costumávamos ser oprimidos e, por isso, perdemos a nossa identidade, perdemos a nossa cultura e perdemos a nossa própria administração. Agora os Sidama estão a lutar para recuperar a autonomia perdida", afirma.
Etiópia aguarda resultado de referendo sobre região autónoma
A chegada ao poder de Abiy Ahmed trouxe novo ânimo ao povo Sidama, sobretudo depois da atribuição do Prémio Nobel da Paz este ano. O primeiro-ministro tem-se desdobrado nos últimos meses em esforços para acalmar o ardor independentista de outros grupos étnicos.
Pelo menos 10 grupos étnicos no sul do país já lançaram processos de autonomia semelhantes ao do povo Sidama – etnia que totaliza três a quatro milhões de pessoas. Como as eleições nacionais estão programadas para 2020, um resultado pacífico para o referendo de ontem seria crucial para evitar mais instabilidade.
Desalojados: Crise negligenciada na Etiópia
A Etiópia enfrenta uma das piores crises de desalojados do mundo - cerca de três milhões de pessoas no país fugiram das suas casas nos últimos anos.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Recomeçar
As autoridades começaram a fazer retornar à casa algumas das centenas de milhares de membros do grupo étnico Gedeo que fugiram dos ataques na região de Oromia, sul da Etiópia. Mas organizações humanitárias acusam o Governo de forçar os Gedeos a regressarem às aldeias onde perderam tudo e continuam a não sentir-se seguros.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Escassez de terra
Há cerca de dois meses, as estradas de Hinche - junto das colinas verdes da zona de Guji Ocidental - estavam vazias. Agora, quase todos da etnia Gedeo que viviam aqui regressaram, depois de fugir da violência étnica no ano passado. Guji Ocidental é parte da região de Oromia, e casa para a maior parte da etnia Oromo. O longo conflito etnico é principalmente por causa da posse de terra.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Acusações de retorno forçado
Os residentes de Hinche, bem como outros Gedeos, não tiveram outra escolha se não regressar às suas aldeias, depois de o Governo ter destruído os campos de desalojados e limitado a ajuda humanitária na zona Gedeo. Observadores acusam as autoridades de organizar retornos forçados, que entendem que irão agravar a já tensa situação.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Casas saqueadas e destruídas
Zele está contente por regressar a casa com a sua esposa e os seus seis filhos. Contudo, a vida aqui em Hinche é muito difícil, especialmente quando começa a época chuvosa. A casa de Zele foi destruída e os seus bens roubados durante a violência, então ele construiu o seu abrigo. A família vive de ajuda mensal de cerca de 40kg de grãos e dois litros de óleo.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Medo de mais ataques
Muitos dos retornados são agricultores, mas não conseguiram cultivar as suas terras desde que regressaram. Dingete agora trabalha como diarista em outra propriedade para alimentar os seus filhos. "A nossa quinta é longe daqui e estou com medo de lá ir, porque algumas pessoas disseram que viram grupos armados Oromo na região", disse ela.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Esforços de reconciliação
As autoridades locais dizem que a segurança não é problema. Dizem que as milícias e as comunidades estão a trabalhar em conjunto para identificar os malfeitores. "Gedeos e Oromos acreditam que somos irmãos e que vivemos juntos. Eles têm os mesmos valores, o mesmo mercado, casam entre eles", diz Aberra Buno, o administrador da zona Ocidental de Guji.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Fraqueza da Justiça
Vários Gedeos estão frustrados com o que entedem ser a fraca atuação da Justça. Em Cherqo, mais de mil pessoas fugiram e quase todas as casas foram destruídas. "Aqueles que cometeram essas coisas não foram presos ou enfrentaram a Justiça - nem uma única pessoa foi capturada", diz Abebe, administrador de Cherqo. A Polícia de Guji diz que já deteve mais de 200 pessoas no contexto da violência.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Esquecimento
As autoridades dizem ter trazido de volta quase 100% dos desalojados resultantes dos conflitos entre Gedeos e Gujis, grupo pertencente à etnia Oromo. Contudo, milhares de pessoas originárias de Guji Oriental continuam a viver na zona Gedeo, aparentemente esquecida. A ajuda alimentar parou de chegar há cerca de dois meses. Centenas de crianças vivem em condições alarmantes e não vão a escola.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Doenças e má nutrição
"Estamos a morrer a fome, as pessoas morrem de diarreia, as nossas crianças têm de sair a rua para apanhar comida no lixo e trazer para as suas famílias", diz Almaz, que vive neste campo em Dilla na zona Gedeo há mais de um ano.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
A ajuda alimentar parou
As autoridades da zona Gedeo dizem que solicitaram comida ao Governo Federal e então poderão enviar as famílias para Guji Oriental. Mas vários Gedeos não se sentem seguros para voltar. Houve diversos relatos de assassinatos étnicos de Gedeos em Guji Oriental em finais de maio.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Estatísticas incompletas
Organizações humanitárias dizem que os Gedeos que fugiram das suas casas em Guji Ocidental estão a viver em assentamentos informais ou a alugar casas. Esnfrentam dificuldades em monitorá-los e o grupo não aparece nas estatísticas oficiais. Os Gedeos também não recebem nenhuma ajuda.