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ConflitosEtiópia

Etiópia: Novos confrontos em Tigray após breve pausa

Henry-Laur Allik
31 de agosto de 2022

A retomada do conflito armado na região de Tigray, norte da Etiópia, frustra as esperanças para a negociação de paz. Ambos os lados parecem apostar numa solução militar, com consequências desastrosas para os civis.

O conflito em Tigray está agora no seu segundo ano, sem sinais de abrandamentoFoto: Eduardo Soteras/AFP

Na segunda-feira (29.08), foram noticiados combates no norte da Etiópia apesar dos apelos internacionais para a suspensão das novas hostilidades entre as forças governamentais e a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF).

Os combates tiveram lugar em Kobo, uma cidade na região de Amhara, a sul de Tigray, que caiu nas mãos da TPLF no fim de semana. Acabou, assim, uma trégua de cinco meses, que suscitou esperanças de uma solução negociada.

Um mundo distraído pela guerra na Ucrânia

Na semana passada, a morte de pelo menos quatro pessoas, incluindo duas crianças, num ataque aéreo a um infantário em Mekele, a capital de Tigray, voltou a chamar a atenção do mundo inteiro para um conflito que dura há quase dois anos.

Os dois lados em conflito acusaram-se mutuamente de violarem o cessar-fogo. Devido à falta de acesso à região, os peritos têm dificuldade em determinar quem foi o culpado.

Ambas as partes podem beneficiar com os novos combates, diz Hassan Khannenje, diretor do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (HORN, na sigla em inglês), sediado em Nairobi, no Quénia. A TPLF pode estar a tentar virar de novo a atenção internacional para o conflito ou a tentar obter vantagens para reforçar a sua posição nas negociações.

"Mas é mais provável que o Governo, que se sente mais encorajado e numa posição de domínio neste momento, possa querer levar isto adiante enquanto a comunidade internacional está focada na Ucrânia", afirma Khannenje à DW.

Etiópia vive a sua pior seca das últimas décadasFoto: Maria Gerth/DW

A seca no país, uma das mais graves que atingiu a Etiópia em 40 anos, segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM), torna a paz ainda mais urgente. Só em Tigray, 2,4 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar grave, enquanto 20 milhões em toda a Etiópia estão em risco de fome.

Há alguns meses, a comunidade internacional aumentou a pressão sobre o Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed e a TPLF para permitir o envio de alguma ajuda à população.

Aumento das hostilidades "não é surpresa"

Depois de várias reuniões de alto nível, as negociações de paz pareciam estar ao alcance das mãos. Os acordos alcançados em março incluíam a libertação de prisioneiros e o afrouxamento do cerco das tropas governamentais, para fazer chegar ajuda aos populares.

TPLF libertou 4.000 soldados etíopes, mas Addis Abeba não seguiu o exemplo. O Governo central também não facilitou o acesso à população faminta em Tigray na medida esperada.

Vários membros da comunidade internacional reagiram com surpresa aos novos combates. Mas "não deveria ter sido uma surpresa para ninguém. Eles não queriam saber, caso contrário teriam sido obrigados a agir", afirma Kjetil Tronvoll, vice-reitor para Investigação na Oslo New University College e diretor da Oslo Analytic.

População de Tigray quase não tem acesso a ajuda internacionalFoto: Eduardo Soteras/AFP/Getty Images

Falta vontade para a paz

As lideranças política e militar em Addis Abeba indicaram nos últimos meses que Abiy Ahmed estava empenhado numa solução militar. Ao mesmo tempo, "o Governo de Tigray continuou a recrutar e a treinar o seu Exército para se tornar mais profissionalizado", diz Tronvoll à DW.

Na terça-feira (30.08), os rebeldes de Tigray disseram que tencionavam avançar mais para as regiões vizinhas do norte da Etiópia, mas que ainda estavam abertos a negociações de paz.

Muitos observadores consideram que as conversações serviram em grande parte de paliativo para a comunidade internacional e como uma forma de ambos os lados ganharem algum tempo para fortalecerem as suas posições. Além disso, o Governo e a TPLF acreditam que aceitar as concessões necessárias para assegurar a paz colocará em risco a sua sobrevivência.

Em caso de paz, estariam também sob escrutínio severo no que diz respeito a relatos de atrocidades contra civis.

Outro problema, avança o analista Khannenje, foi a falta de uma "terceira parte poderosa que possa garantir que o acordo se mantenha".

O fracasso do Ocidente em agir de forma mais decisiva deve-se à perceção de que não faltam alternativas ao Governo de Abiy Ahmed, diz o investigador Tronvoll.

Kjetil Tronvoll destaca a Alemanha como um dos países que têm sido excessivamente "protetores" de Addis Abeba: "A Alemanha não exerceu sequer 10% da pressão que deveria exercer sobre o Governo de Ahmed".

Mekele foi alvo de vários ataques aéreos por parte das Forças de Defesa Nacional da EtiópiaFoto: UGC/AP/picture alliance

Um cenário assustador

A implosão de um país com de mais de 100 milhões de pessoas terá um impacto muito além da região, adverte Khannenje: "Haverá literalmente milhões de refugiados não só a inundar os países do Corno de África, mas também a atravessar para a Europa".

O Ocidente aposta em Abiy Ahmed para manter o país unido e evitar um desastre político e humanitário.

A União Africana (UA), que tem repetidamente dito ao mundo para se manter fora dos assuntos africanos, parece ser o órgão ideal para mediar o conflito. 

Mas todos os esforços da UA fracassaram quando a TPLF deixou claro que considerava a organização continental favorável a Abiy Ahmed.

O investigador Tronvoll salienta que outras potências além do Ocidente são igualmente culpadas pela falta de iniciativa ou interesse no conflito etíope. Tendo em conta a situação atual, a visão de Tronvoll sobre a crise é sombria: "É mais ou menos irresolúvel", conclui.

Crise humanitária intensifica-se no norte da Etiópia

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