Etiópia: Oposição acusa Governo de querer continuar no poder
Martina Schwikowski | bd
17 de junho de 2020
A Etiópia caminha para uma grave crise política com o adiamento das eleições gerais, inicialmente previstas para 29 de agosto, entendem analistas políticos.
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De acordo com o cronograma eleitoral, a campanha eleitoral deveria ter começado em maio último, a votação em agosto e a publicação dos resultados deveria ter lugar antes de 8 de setembro.
Contudo, o Governo etíope fez saber que as eleições foram adiadas devido à pandemia da Covid-19. No entanto, a Comissão Eleitoral não deu uma nova data para a realização do pleito, acrescentando apenas que um novo agendamento será proposto quando a pandemia acabar.
A Covid-19 alegadamente não permite a conclusão atempada de recenseamento eleitoral e o recrutamento e formação de observadores, disse a Comissão Eleitoral.
Essas eleições são vistas como um passo crucial na transição política que o primeiro-ministro, Abiy Ahmed, vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2019, está a tentar implementar contra um cenário de elevado nível de violência comunitária. Só que, agora, a Etiópia está mais dividida do que nunca, entende William Davison, analista-chefe parano International Crisis Group.
"As eleições, que só poderão realizar-se em 2021, deverão constituir um marco no plano de mudança democrática para a Etiópia. A ideia era realizar eleições ainda mais livres e justas, com a participação dos partidos políticos, a fim de colocar o país na via de uma democracia multipartidária", explica Davison.
Governo evita eleições para continuar no poder?
A frustração dos opositores aumentou nos últimos dias, quando o Parlamento aprovou, na semana passada, o adiamento das eleições gerais, em que seria eleito um novo Parlamento, para posteriormente nomear um primeiro-ministro. Mas a decisão vai permitir a permanência do atual Parlamento e Governo até acabar a pandemia do novo coronavírus.
Os partidos da oposição acusam o Governo de evitar eleições para continuar no poder, já que o primeiro-ministro, Abiy Ahmed, continua com o seu ambicioso plano de reflorestação da grande parte do país. Apesar da pandemia, Ahmed quer que 5 biliões de arvores sejam plantadas até o final de julho.
William Davison teme que os sinais contraditórios enviados pelo Governo não só levem a mais protestos e violência, mas também a um boicote da oposição às eleições no próximo ano.
Para o analista da International Crisis Group, "o facto de a oposição rejeitar o adiamento das eleições e a prorrogação do mandato do Governo comporta o risco de os protestos se propagarem e de a oposição rejeitar também o tratamento de todo o período pré-eleitoral e boicotar as eleições. Isto constituiria um grande revés para o processo de democratização ".
No entanto, esta mudança controversa do Governo foi rejeitada por uma das quatro forças da EPRDF, a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF), que até 2018 dominou a coligação e foi muito marginalizada por Abiy, que é da etnia Oromo, uma das duas maiores do país.
Violência nos próximos meses?
Além disso, a abertura política do primeiro ministro suscitou velhos ressentimentos étnicos. Em outubro, os confrontos em Oromia resultaram na morte de 86 pessoas.
Befekadu Hailu é especialista do centro de estudos para democracia e direitos humanos e prevê o seguinte: "Espero violência nos próximos meses. Não devido à recente decisão do Governo sobre o adiamento das eleições. Trata-se mais de amarguras étnicas do que de práticas antidemocráticas. Especialmente os nacionalistas em Oromia e Tigray e, em parte, em Amhara, estão a mobilizar os seus apoiantes".
Segundo especialistas, muitos dos apoiantes de Abiy também estão decepcionados com a sua governação. Quando o jovem político, 43 anos, chegou ao poder inesperadamente dois anos atrás, Abiy imediatamente começou mudou o rumo dos acontecimentos na Etiópia. A antiga elite do poder foi forçada a recuar.
De repente, houve liberdade de expressão. Grupos rebeldes foram autorizados a regressar ao país para participar no processo do desenvolvimento. Acima de tudo, o primeiro ministro prometeu eleições livres. A sua coragem foi recompensada em 2019 com o Premio Nobel da Paz. Mas, agora há quem diga que, a esperança já havia dado lugar à desilusão que prevalece até hoje.
Desalojados: Crise negligenciada na Etiópia
A Etiópia enfrenta uma das piores crises de desalojados do mundo - cerca de três milhões de pessoas no país fugiram das suas casas nos últimos anos.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Recomeçar
As autoridades começaram a fazer retornar à casa algumas das centenas de milhares de membros do grupo étnico Gedeo que fugiram dos ataques na região de Oromia, sul da Etiópia. Mas organizações humanitárias acusam o Governo de forçar os Gedeos a regressarem às aldeias onde perderam tudo e continuam a não sentir-se seguros.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Escassez de terra
Há cerca de dois meses, as estradas de Hinche - junto das colinas verdes da zona de Guji Ocidental - estavam vazias. Agora, quase todos da etnia Gedeo que viviam aqui regressaram, depois de fugir da violência étnica no ano passado. Guji Ocidental é parte da região de Oromia, e casa para a maior parte da etnia Oromo. O longo conflito etnico é principalmente por causa da posse de terra.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Acusações de retorno forçado
Os residentes de Hinche, bem como outros Gedeos, não tiveram outra escolha se não regressar às suas aldeias, depois de o Governo ter destruído os campos de desalojados e limitado a ajuda humanitária na zona Gedeo. Observadores acusam as autoridades de organizar retornos forçados, que entendem que irão agravar a já tensa situação.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Casas saqueadas e destruídas
Zele está contente por regressar a casa com a sua esposa e os seus seis filhos. Contudo, a vida aqui em Hinche é muito difícil, especialmente quando começa a época chuvosa. A casa de Zele foi destruída e os seus bens roubados durante a violência, então ele construiu o seu abrigo. A família vive de ajuda mensal de cerca de 40kg de grãos e dois litros de óleo.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Medo de mais ataques
Muitos dos retornados são agricultores, mas não conseguiram cultivar as suas terras desde que regressaram. Dingete agora trabalha como diarista em outra propriedade para alimentar os seus filhos. "A nossa quinta é longe daqui e estou com medo de lá ir, porque algumas pessoas disseram que viram grupos armados Oromo na região", disse ela.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Esforços de reconciliação
As autoridades locais dizem que a segurança não é problema. Dizem que as milícias e as comunidades estão a trabalhar em conjunto para identificar os malfeitores. "Gedeos e Oromos acreditam que somos irmãos e que vivemos juntos. Eles têm os mesmos valores, o mesmo mercado, casam entre eles", diz Aberra Buno, o administrador da zona Ocidental de Guji.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Fraqueza da Justiça
Vários Gedeos estão frustrados com o que entedem ser a fraca atuação da Justça. Em Cherqo, mais de mil pessoas fugiram e quase todas as casas foram destruídas. "Aqueles que cometeram essas coisas não foram presos ou enfrentaram a Justiça - nem uma única pessoa foi capturada", diz Abebe, administrador de Cherqo. A Polícia de Guji diz que já deteve mais de 200 pessoas no contexto da violência.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Esquecimento
As autoridades dizem ter trazido de volta quase 100% dos desalojados resultantes dos conflitos entre Gedeos e Gujis, grupo pertencente à etnia Oromo. Contudo, milhares de pessoas originárias de Guji Oriental continuam a viver na zona Gedeo, aparentemente esquecida. A ajuda alimentar parou de chegar há cerca de dois meses. Centenas de crianças vivem em condições alarmantes e não vão a escola.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Doenças e má nutrição
"Estamos a morrer a fome, as pessoas morrem de diarreia, as nossas crianças têm de sair a rua para apanhar comida no lixo e trazer para as suas famílias", diz Almaz, que vive neste campo em Dilla na zona Gedeo há mais de um ano.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
A ajuda alimentar parou
As autoridades da zona Gedeo dizem que solicitaram comida ao Governo Federal e então poderão enviar as famílias para Guji Oriental. Mas vários Gedeos não se sentem seguros para voltar. Houve diversos relatos de assassinatos étnicos de Gedeos em Guji Oriental em finais de maio.
Foto: DW/M. Gerth-Niculescu
Estatísticas incompletas
Organizações humanitárias dizem que os Gedeos que fugiram das suas casas em Guji Ocidental estão a viver em assentamentos informais ou a alugar casas. Esnfrentam dificuldades em monitorá-los e o grupo não aparece nas estatísticas oficiais. Os Gedeos também não recebem nenhuma ajuda.