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PolíticaEtiópia

Etiópia: Segunda volta das eleições no meio da guerra

Maria Gerth-Niculescu
30 de setembro de 2021

Os etíopes vão às urnas nesta quinta-feira (30/09) na segunda volta das eleições legislativas. Seis milhões de eleitores na região do Tigray, assolada por um conflito armado, voltam a ser excluídos do pleito.

Foto: Shewangizaw Wegayehu/DW

O mandato do Parlamento etíope expirou há um ano, a 5 de outubro de 2020. Na altura, o Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed adiou as eleições legislativas, oficialmente devido à pandemia da Covid-19. A decisão suscitou críticas dos partidos da oposição, que viram nela uma tentativa de Abiy se manter no poder.

Os líderes da Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF), no governo da região norte do Tigray e antigo aliado de Abiy, declararam no mesmo dia que deixavam de reconhecer a autoridade do primeiro-ministro ou do Governo federal. Tratou-se do primeiro de uma série de eventos que culminaram no atual conflito armado.

As eleições adiadas para junho deste ano deram ao Partido da Prosperidade de Abiy uma maioria suficiente para formar um novo Governo. Mas a região do Tigray e a TPLF foram excluídas do escrutínio, impedindo seis milhões de eleitores etíopes de votar. Destes, cinco milhões estão agora dependentes de assistência externa e meio milhão corre o risco de passar fome, segundo estimativas das Nações Unidas.

No ano que passou, o conflito entre o Governo central e a TPLF alastrou-se a outras regiões do país. Adis Abeba acusa o movimento tigrino de apoiar o Exército de Libertação de Oromo (OLA), alegadamente o autor de ataques esporádicos na região de Oromia. Questões fronteiriças na região Somali agravaram o clima de ressentimento, medo e instabilidade económica.

Meio milhão de pessoas no Tigray está em risco de morrer de fomeFoto: Ben Curtis/AP Photo/picture alliance

Eleições marcadas por insegurança e boicote da oposição

Apesar do Partido da Prosperidade ter conseguido assegurar uma maioria na primeira volta das legislativas, o Governo avançou com a realização da segunda volta esta quinta-feira (30.09). Questões de segurança em todo o país, agravadas por atrasos logísticos, levaram a Comissão Nacional de Eleições (NEBE) a adiar as votações em 64 círculos eleitorais para além do Tigray.

Quase quatro milhões de eleitores registaram-se para votar na região Somali. Mas os partidos da oposição na região decidiram agora boicotar o pleito, alegando que foram sujeitos a procedimentos injustos durante o processo de recenseamento dos candidatos e eleitores.

"Pessoas que queriam votar foram bloqueadas", disse à DW o presidente do principal partido da oposição da região, a Frente de Libertação Nacional Ogaden (ONLF), Abdirahman Mahdi. "Queixámo-nos à NEBE, mas ao fim de três meses disseram que estava tudo bem. Como vão continuar este procedimento fraudulento, decidimos que não vale o nosso esforço".

A NEBE afirma que o boicote chegou demasiado tarde para ser eficaz.

"Já divulgámos os boletins de voto e finalizámos a sensibilização dos eleitores e outros preparativos para realizar as eleições", explicou à DW Soleyana Shimeles, porta-voz da comissão. "Estes partidos estão no escrutínio e, por conseguinte, concorrem".

O conflito na região prolonga-se e alastra-se a novas regiõesFoto: YASUYOSHI CHIBA/AFP

Impacientes pelo recomeço

Apesar das queixas e alegações, muitos etíopes acreditam que estas são as primeiras eleições livre e justas, prometidas por Abiy. As eleições de 2015 resultaram numa repressão brutal. Quando Abiy chegou ao poder em 2018, prometeu ao país uma democratização transparente e pacífica.

Entre a população etíope cresce a impaciência por soluções para os muitos problemas do país. A taxa de inflação acima dos 30% dificulta a vida também dos etíopes que não vivem em zonas de conflito. Os preços de produtos básicos como cebolas, arroz e petróleo dispararam.

População apoia a guerra

Enquanto no Tigray as armas não se calam, Abiy continua a gozar de apoio popular na batalha contra a TPLF. Na capital da região de Amhara, Bahir Dar, as autoridades regionais dizem-se confiantes. "Somos os vencedores, estamos a alcançar o objetivo da guerra", disse à DW Gizachew Muluneh, porta-voz do Governo regional. "Vamos no bom caminho”, acrescentou.

Este otimismo pode fomentar ainda mais o entusiasmo pela guerra de alguns etíopes, já que antecipam o fim do conflito. "Recentemente as forças etíopes conseguiram travar o avanço do exército do Tigray, o que parece ter convencido algumas pessoas de que podem voltar a empurrar a TPLF para dentro do Tigray, ou ganhar vantagens, para que o Governo federal possa negociar a partir de uma posição de força", disse à DW William Davison, do instituto de pesquisa International Crisis Group (ICG).

Ao assumir o poder, em 2018, o primeiro-ministro Abiy Ahmed prometeu aos etíopes democracia e pazFoto: Tiksa Negeri/REUTERS

No entanto, a TPLF ocupou várias partes da região de Amhara, pelo que se torna improvável que os combates cessem sem uma vitória decisiva de um dos lados.

Figuras centrais excluídas das conversações de paz

As autoridades etíopes discutem, atualmente, planos para um eventual diálogo de reconciliação nacional, numa tentativa de facilitar a resolução pacífica dos conflitos tanto na região de Tigray como em Oromia.

Mas nem a TPLF, nem a OLA, designados como grupos terroristas por Adis Abeba em maio deste ano, participam nas conversações.

"O diálogo nacional não parece ser um processo suficientemente inclusivo para abordar com eficácia os desacordos políticos na base da violência na Etiópia", afirma Davison. "Seria necessário amnistiar todos os Oromo e outros líderes da oposição presos e incluir nas conversações representantes dos principais grupos armados".

Pelo menos a ONLF, que procura uma solução individual para colocar fim ao conflito, não excluiu a possibilidade de participar no diálogo com o Governo federal. "Colocamos alguma esperança no diálogo nacional", diz cautelosamente o presidente da ONLF, Abdirahman Mahdi. "Depois de Abiy ganhar, talvez ele abra as portas e possamos conversar e talvez encontrar um caminho. Essa é a nossa única esperança agora".

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