O Parlamento etíope aprovou um projeto de lei para criar uma comissão de diálogo nacional, face à pressão internacional por negociações que ponham fim ao conflito que se prolonga há já 13 meses em Tigray.
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Na quarta-feira (29.12), os legisladores etíopes aprovaram por esmagadora maioria a criação da comissão, com 287 votos a favor, 13 contra e uma abstenção. "O estabelecimento da comissão abrirá caminho para o consenso nacional e manterá a integridade do país", lê-se no projeto de lei.
A comissão, cuja criação foi prometida pelo governo do primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, destina-se a estabelecer consensos sobre questões controversas.
Porém, a comissão não contactará para já a Frente Popular de Libertação do Povo Tigray (TPLF) ou o Exército de Libertação Oromo, com os quais o Exército governamental se confronta há 13 meses, organizações que foram declaradas como terroristas pelo Governo etíope.
A exclusão das fações que têm combatido o exército federal tem sido criticada por especialistas.
Pressão internacional
A criação da comissão significa um esforço de Adis Abeba para responder aos apelos persistentes da comunidade internacional para um cessar-fogo e diálogo inclusivo para resolver o conflito, considera Tsedale Lemma, presidente do conselho de administração da Jakenn Publishing, que edita o Addis Standard.
"Quando a comunidade internacional requer a realização de um diálogo inclusivo para lidar com o agravamento da crise da Etiópia, não há ambiguidade sobre a necessidade de tal diálogo ser verdadeiramente inclusivo, tendo várias partes interessadas, incluindo grupos armados, como parte do processo", acrescentou Tsedale, citado pela agência noticiosa Associated Press.
Crise humanitária intensifica-se no norte da Etiópia
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Até agora, o Governo de Abiy Ahmed tem-se mostrado inflexível quanto a não negociar com grupos armados, acrescentou.
A embaixada dos Estados Unidos da América (EUA) em Adis Abeba continua a instar os seus cidadãos que desejam deixar o país a fazê-lo em voos comerciais.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, falou com o Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, sobre a situação na Etiópia. "Eles concordaram com a necessidade urgente do fim das hostilidades, garantia de acesso humanitário, fim dos abusos e violações dos direitos humanos e uma solução negociada para o conflito", disse hoje o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price.
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Interferência do Ocidente
As autoridades etíopes continuam a protestar que os EUA e outros países ocidentais estão a interferir nos assuntos internos do país. "Esses países, especialmente os EUA, apoiam a TPLF, além de pressionarem a Etiópia", considerou hoje Zadig Abrha, funcionário do gabinete do primeiro-ministro etíope.
A guerra eclodiu em 4 de novembro de 2020, quando Abiy Ahmed - laureado com o prémio Nobel da Paz em 2019 -, enviou o Exército federal para Tigray com a missão de retirar pela força as autoridades da província, governada pelas TPLF, que vinham a desafiar a autoridade de Adis Abeba há muitos meses.
O pretexto específico da invasão foi um alegado ataque das TPLF a uma base militar federal no Tigray, e a operação foi inicialmente caracterizada por Adis Abeba como uma missão de polícia, que tinha como objetivo restabelecer a ordem constitucional e conduzir perante a justiça os responsáveis pela sua perturbação continuada.
Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o Exército federal capturou Mekele. Em junho deste ano, porém, as forças afetas às TPLF já tinham retomado a maior parte do Tigray, e continuaram a ofensiva nas províncias de Amhara e Afar.
O conflito na Etiópia provocou a morte de vários milhares de pessoas e fez mais de dois milhões de deslocados, deixando ainda centenas de milhares de etíopes em condições de quase fome, de acordo com a ONU.
África em 2021
África teve a sua dose de crises em 2021, como em Cabo Delgado, Moçambique, e na Etiópia. Mas também há histórias positivas para contar. Uma Presidente fez frente à Covid-19 e a literatura africana triunfou.
Foto: Moses Sawasawa/AFP/Getty Images
Reviravolta na Tanzânia
O Presidente da Tanzânia, John Magufuli, nunca admitiu que o país estava a ser afetado pela Covid-19. Até que morreu inesperadamente, em março, de insuficiência cardíaca, segundo fontes oficiais. Foi sucedido pela primeira mulher na chefia do Estado tanzaniano, Samia Suluhu Hassan. A Presidente não só reconheceu o perigo representado pelo coronavírus, como deu um bom exemplo deixando-se vacinar.
Foto: Ericky Boniphase/DW
Na liderança do comércio internacional
A economista Ngozi Okonjo-Iweala dirige a Organização Mundial do Comércio (OMC) desde março. As prioridades da antiga ministra das Finanças e dos Negócios Estrangeiros da Nigéria e ex-presidente da Aliança Global para Vacinas e Imunização (GAVI) são a equidade na imunização e uma maior participação dos chamados países em vias de desenvolvimento.
Foto: Luca Bruno/AP Photo/picture alliance
O príncipe herdeiro
Em 30 anos no poder, Idriss Déby Itno transformou o Chade num parceiro militar anti-islamista importante para a Europa no Sahel. Mas resistiu sempre à democratização. Horas após a sua reeleição em abril, as forças armadas anunciaram a morte do Presidente em visita às tropas. Seguiu-se a entrega imediata do poder ao seu filho Mahamat Idriss. Há quem considere ter-se tratado de um golpe de Estado.
Foto: MARCO LONGARI/AFP
A multiplicação dos golpes
Outros países também sofreram mudanças violentas de liderança. Em maio, os militares no Mali encenaram um golpe de Estado pela segunda vez em nove meses. Em setembro, Mamady Doumbouya (na foto a acenar) pôs fim ao regime de Alpha Condé na Guiné. E, em outubro, foi deposto o Governo de transição no Sudão. Desde então, o povo do Sudão tem saído às ruas para protestar contra o atentado à democracia.
Foto: CELLOU BINANI/AFP/ Getty Images
O alerta que falhou
Existe um sistema de alerta precoce em Goma para o caso de erupções vulcânicas. Mas o observatório foi encerrado por suspeitas de emprego fictício e corrupção. Tal como em 2002, a erupção do Nyiragongo em maio apanhou desprevenida a cidade no leste da República Democrática do Congo. Dezenas de pessoas morreram, centenas de milhares tiveram de fugir.
Foto: Moses Sawasawa/AFP/Getty Images
A união faz a força?
Para o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, a participação, desde julho, de 2000 soldados ruandeses na luta contra os islamistas na província de Cabo Delgado é uma "cooperação exemplar". O Presidente Paul Kagame (centro-esquerda), visitou Moçambique. As tropas da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), que também prestam apoio militar a Maputo, têm atraído menos atenção.
Foto: Estácio Valoi/DW
A guerra civil na Etiópia vitimiza os inocentes
O primeiro-ministro e Prémio Nobel da Paz da Etiópia, Abiy Ahmed, desiludiu as esperança de negociações no conflito na região do Tigray. Recentemente, as forças do Tigray manifestaram disposição para dialogar. A violência atinge os civis como esta jovem de 17 anos ferida. Conta que um combatente entrou na sua casa e abriu fogo. A retórica desumana faz com que os observadores temam um genocídio.
Foto: Maria Gerth-Niculescu/DW
Isolados do mundo
Desde 2020, o coronavírus matou 90.000 pessoas na África do Sul, num total de 3,3 milhões de infeções. Em novembro, investigadores sul-africanos descobriram a variante Ómicron. Em vez de agradecimentos, seguiu-se o isolamento internacional: viagens a partir deste e outros países africanos foram proibidas. O Presidente Cyril Ramaphosa acusou o norte global de "apartheid" na distribuição da vacina.
Foto: Jerome Delay/AP Photo/picture alliance
O regresso de bens roubados
2021 marcou um ponto de viragem nas décadas de disputa em torno do património cultural africano na Europa. A França, Alemanha, Bélgica e Grã-Bretanha reconheceram que objetos roubados nas antigas colónias pertencem ao continente africano - e que devem regressar o mais depressa possível. Em novembro, o Benim recebeu com honras militares o trono do rei Dahomey Guézo, anteriormente exposto em Paris.
Foto: Seraphin Zounyekpe/Presidence of Benin/Xinhua/picture alliance
A França retira-se, o Mali quer liderar
Após quase nove anos, em dezembro os militares franceses retiraram-se de Timbuktu, no norte do Mali, onde começou a ofensiva contra os islamistas em 2013. A França continua presente no sul do país. Em entrevista à DW, o ministro maliano dos Negócios Estrangeiros, Tiébilé Dramé, afirmou que o Mali está disposto a assumir a liderança nos combates, mas que deve ser equipado para o efeito.
Foto: Blondet Eliot/ABACA/picture alliance
Literatura global de origem africana
Autores ocidentais costumam dominar os prémios literários internacionais. No ano de 2021, foi diferente. Abdulrazak Gurnah, nascido em Zanzibar, ganhou o Prémio Nobel da Literatura. O prémio Booker foi para o sul-africano Damon Galgut. Tsitsi Dangarembga, do Zimbabué (foto), recebeu o Prémio da Paz da Associação dos Livreiros Alemães. E o Prémio Goncourt foi para o senegalês Mohamed Mbougar Sarr.
Foto: Thomas Lohnes/dpa/picture alliance
Vamos dançar
Toda a África dança a rumba congolesa. E nas duas repúblicas do Congo, não se trata apenas de música, é todo um modo de vida. "Sem a rumba há caos", diz um ouvinte da DW. Cinco anos após a morte da figura icónica do género, Papa Wemba, a rumba congolesa tornou-se um Património Mundial intangível da UNESCO. O que encheu o Presidente da RDC, Félix Tshisekedi, de "alegria e orgulho".