Mayra Andrade diz que a sua arte reflete a sua trajetória como uma cabo-verdiana do mundo. A cantora saúda os esforços de Cabo Verde para promover a cultura do país, embora refira que há outras prioridades.
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Mayra Andrade é um sucesso mundial, admirada até mesmo por artistas de grande fama, como a cantora Madonna, que partilhou nas redes sociais um vídeo de uma das apresentações da cabo-verdiana. Alcançar o público no além-mar não foi fácil. Foi tudo fruto de uma boa dose de sorte, mas, sobretudo, de muito trabalho, afirma a cantora.
"Há uma verdade na música que eu faço. Eu não minto na minha música. Eu só canto o que me toca realmente e tento encontrar a linguagem mais genuína possível", disse em entrevista à DW África, em Berlim.
"Eu não minto na minha música", afirma Mayra Andrade
"Eu sou muito cabo-verdiana e eu sou muito do mundo, então a minha música traduz muito bem o que eu sou. E também o trabalho de muitas pessoas que acreditaram em mim, que juntaram os esforços para que as coisas acontecessem. E é um trabalho de formiga, que vem sendo feito há 18 anos. Não foi uma coisa que aconteceu do dia para a noite", acrescenta.
Promoção da cultura cabo-verdiana
Mayra Andrade anda em digressão pela Europa, ao lado do brasileiro Gilberto Gil, que a convidou para participar no espetáculo "Gilberto Gil & Amigos: Refavela 40". A cantora apresentou-se na capital alemã esta quinta-feira (19.07).
Mayra Andrade saúda o esforço do Governo de Cabo Verde na promoção da música e cultura do país, mas frisa que o foco deve estar noutras prioridades, como o combate à pobreza, educação e saneamento básico.
"Até agora, os artistas cabo-verdianos têm se defendido muito sozinhos. Eu espero que essa estratégia política seja de muito êxito e que nos ajude a nós, mas também muitos daqueles que ainda precisam mais do que nós dessa ajuda, para poderem se projetar em termos nacionais e internacionais", afirma.
"A gente é um país muito pobre. É independente há 43 anos. Então, as prioridades existem realmente - as infraestruturas, a saúde, o ensino básico, as universidades. Como artista, a gente acaba tendo este entendimento de que a cultura não é a prioridade, quando você ainda tem que botar água na casa das pessoas, saneamento, educação..."
Caminho para o sucesso
Aos artistas que estão no começo e em busca do caminho para a internacionalização, e respondendo à pergunta deixada pelo internauta Júlio Jorge Mutapata no Facebook da DW África, Mayra Andrade deixa conselhos.
"O melhor conselho é você não se travestir no que você não é - cantar com alma, sempre com mais alma. E alguma pessoa, em algum momento, vai te estender a mão, algum palco vai se iluminar para você. Não se trair, não mentir a si próprio e nem ao público", sublinha.
Para os fãs que querem saber quais são os projetos atuais e futuros da cantora, como os internautas Adulai Candé e Desimar Kaylano Gonçalves, Mayra Andrade diz o que vem por aí.
"Eu estou terminando o disco novo, que vai ser lançado em outubro. A partir daí, a gente vai iniciar uma tourné. A gente ainda está montando a tourné, a banda será nova. O disco novo se chama 'Manga'. Estou muito feliz com este disco e acho que vai ser uma surpresa para muitas pessoas", adianta.
O último concerto da cantora cabo-verdiana ao lado de Gilberto Gil nesta digressão pela Europa será neste sábado (21.07), em Espanha.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.