EUA e Ruanda em guerra comercial por causa de roupas usadas
Sarah Steffen | cvt
6 de junho de 2018
Países da África Oriental anunciaram proibição da importação de roupas usadas para alavancar as indústrias têxteis locais. Mas isso irritou o Presidente dos EUA, Donald Trump, e todos recuaram - excepto o Ruanda. Porquê?
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É uma disputa que não costuma fazer títulos nos jornais: a guerra comercial do Presidente norte-americano, Donald Trump, por causa de roupas em segunda mão.
Em 2016, os Estados-membros da Comunidade da África Oriental (CAO) elaboraram um plano para proibir a importação de roupas e sapatos usados até 2019. A CAO duplicou a tarifa externa comum para roupas usadas (para $0,40 por quilo). E o Ruanda aumentou o imposto sobre as importações para $2,50.
Trump ameaçou retaliar, sublinhando que o imposto desrespeitava a Lei de Crescimento e Oportunidades para África (AGOA, na sigla em inglês). No final de março, o Presidente norte-americano anunciou que, no prazo de 60 dias, suspenderia a isenção de impostos a todos os artigos de vestuário e sapatos abrangidos pela AGOA produzidos no Ruanda.
Mas o Ruanda não vacilou e deixou o prazo findar, na semana passada. Isso significa que os Estados Unidos deverão agora impor tarifas sobre calçado e produtos têxteis ruandeses.
"Legalmente falando, é um direito dos EUA, porque, no âmbito da AGOA, o Ruanda tem de remover todas as barreiras a produtos norte-americanos", diz Christopher Kayumba, analista e professor da Universidade do Ruanda.
"Mas o espírito da AGOA é ajudar os países pobres a evoluir", acrescenta. Kayumba diz ter ficado surpreendido por um país tão grande e rico como os EUA insistir em exportar as suas roupas em segunda mão para um país pobre como o Ruanda.
EUA e Ruanda em guerra comercial por causa de roupas usadas
Obstáculo ao desenvolvimento
"As roupas em segunda mão estão a prejudicar a indústria têxtil ruandesa. Por isso, é surpreendente que a administração Trump queira sancionar o Ruanda, quando o país está a implementar uma política que ajudará no seu desenvolvimento a longo prazo", afirma Kayumba.
A disputa começou em março do ano passado, quando a organização comercial norte-americana "SMART" - Associação de Materiais Secundários e Têxteis Reciclados – apresentou uma reclamação junto do Representante do Comércio dos EUA, alegando que a proibição de importações de roupa e calçado importados prejudicou a indústria norte-americana. Segundo a "SMART", pelo menos 40.000 empregos estavam em risco nos EUA.
Face à reclamação, o Governo norte-americano colocou o Ruanda, a Tanzânia e o Uganda sob avaliação. O Quénia ficou de fora.
"A avaliação constatou que essa proibição de importações prejudica a indústria de roupas em segunda mão dos EUA e é inconsistente com os critérios da AGOA de que os países eliminem as barreiras ao comércio e ao investimento dos EUA", concluiu o Representante do Comércio dos EUA em comunicado.
A Tanzânia e Uganda prometeram, então, reduzir ou eliminar as barreiras à importação de roupas usadas. No entanto, o Ruanda não estava disposto a mudar a sua postura, explica Ben Shepherd, consultor do Programa de África da Chatham House.
"Na verdade, o Ruanda não exporta muito. Eles não têm grandes fabricantes nacionais. Têm grandes despesas para exportar produtos, porque estão longe dos portos. Já o Quénia tem uma indústria manufactureira significativa, como, em certa medida, a Tanzânia e o Uganda."
Ruandeses "podem dar-se ao luxo"
Ou seja, o medo de uma guerra comercial com os EUA teria afetado mais diretamente a Tanzânia e o Uganda. Para o Ruanda, a situação seria diferente.
"Os ruandeses podem dar-se ao luxo de entrar num conflito comercial, porque há menos a perder para eles. Eles não gostam de ser pressionados e estão a emergir como líderes em África ao repelirem as imposições do mundo exterior", comenta Shepherd.
Por outro lado, há pessoas no Ruanda que ganham a vida a vender roupas usadas - ou aquelas que simplesmente não podem pagar por produtos mais caros, lembra o professor Christopher Kayumba.
"Mas, a longo prazo, acredito que, se esses produtos forem banidos - roupas em segunda mão e produtos de couro dos EUA e de todos os outros países, inclusive da Ásia -, isso ajudará a indústria de couro e a indústria têxtil a crescer no Ruanda."
Uganda: Proibição de roupas usadas preocupa comerciantes
03:07
A América primeiro, depois os outros?
De acordo com um estudo da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o país fornece quase 20% do total de exportações diretas de roupas usadas para a Comunidade da África Oriental.
A quantidade é significativamente maior se se adicionar as exportações indiretas - como quando os navios dos EUA transportam roupas para os Emirados Árabes Unidos, China, Paquistão, Índia e outros países onde elas são classificadas, limpas e empacotadas para reexportação para países africanos.
Mas as exportações de roupas usadas para a CAO são uma percentagem muito pequena do comércio norte-americano, diz Garth Frazer, professor associado de Economia Empresarial e Políticas Públicas da Universidade de Toronto, que atuou como consultor para os Governos do Uganda e do Ruanda.
"Em conjunto, as exportações de roupas usadas dos EUA para todos os países da CAO tiveram um pico de 43 milhões de dólares em 2012, o que representa 0,003% das exportações norte-americanas. Esta é uma indústria realmente insignificante do ponto de vista dos EUA", escreveu Frazer. Isso "não é surpreendente, já que esta indústria envia para África essencialmente bens que iriam para o lixo."
Frazer acrescenta que os EUA parecem mais interessados em "proteger pequenas indústrias marginais norte-americanas” do que em serem "líderes na ajuda ao desenvolvimento".
De roupa a peças de carro: Os mercados de Maputo
São muitos os mercados na capital moçambicana. Maior ainda é a variedade de produtos à disposição dos consumidores. Mas nem todos os mercados têm as infraestruturas necessárias para os comerciantes.
Foto: DW/R. da Silva
Mercado de Xikhelene
Oficialmente mercado da Praça dos Combatentes, é um dos maiores de Maputo e vende desde materiais de construção e peças de automóveis a refeições. Também serve de terminal para os semicoletivos (chapas). Devido à falta de espaço, muitos comerciantes recorrem aos passeios ou mesmo às estradas para vender os seus produtos. A polícia tem estado a travar uma guerra para os retirar de lá.
Foto: DW/R. da Silva
Negócio de lenha
A venda de lenha não é comum noutros mercados. Mas em Xikhelene, Carlota Tembe, de 57 anos, que não quis ser fotografada, disse que trabalha neste negócio desde os seus 28 anos e que foi assim que educou e alimentou os seus filhos. O espaço que ocupava no mercado era pequeno, mas com o passar do tempo foi alargando o seu negócio.
Foto: DW/R. da Silva
Esquina de tambores
No mercado de Xikhelene, todas as esquinas estão identificadas com uma marca. Neste local são vendidos estes tambores, cuja capacidade ronda entre os cinco a 200 litros. São maioritariamente senhoras que se dedicam a este comércio. A taxa diária paga por cada um dos vendedores é de 37 cêntimos de euro em todos os mercados.
Foto: DW/R. da Silva
Mercado de construção
Localizado na parte mais a norte de Maputo, e também conhecido como Praça da Juventude, o mercado de Magoanine especializa-se na venda de areia grossa e fina, pedra, cimento e blocos para a construção. No local é possível ver camionetas carregando ou descarregando esses produtos.
Foto: DW/R. da Silva
Os trabalhadores do estaleiro
No mercado de Magoanine, os trabalhadores destes estaleiros são maioritariamente jovens com idades entre os 17 e os 30 anos. Com este trabalho muitos deles alimentam as suas famílias, alguns pagam propinas e outros constroem as suas próprias casas. Além de blocos, este mercado oferece igualmente tanques para lavar a roupa.
Foto: DW/R. da Silva
Mercado George Dimitrov ou Benfica
É outro grande mercado de Maputo. A foto mostra vendedores a fazer comércio nas bermas da Estrada Nacional 1 (EN1), devido à falta de espaço. O local é ainda um dos terminais rodoviários mais movimentados da capital e é alvo da ação de bandidos nas horas de ponta. Já houve várias operações policiais no sentido de retirar os vendedores dos passeios, sem sucesso.
Foto: DW/R. da Silva
Madeira do centro do país
Muita madeira vinda do centro de Moçambique chega ao mercado George Dimitrov, onde trabalha muita gente especializada na arte de fazer portas, aros para portas e janelas e mobiliário. Os camiões que estacionam no local para o descarregamento da madeira muitas vezes dificultam o tráfego, criando enormes filas de carros nas primeiras horas da manhã.
Foto: DW/R. da Silva
Monumental: O mercado da mecânica
Com o piso negro e escorregadio, por causa de lubrificantes que frequentemente são despejados no local, este é o maior mercado de peças de viaturas. Por causa do serviço realizado ali, diariamente uma quantidade de óleo queimado é drenada para o solo - um perigo para a saúde pública. O espaço circular ocupado pelos vendedores e mecânicos era utilizado para as touradas na era colonial.
Foto: DW/R. da Silva
Arranjos e artigos de automóvel
Augusto Sitoe, de 27 anos, é mecânico no mercado Monumental há sete anos. Ele conta que muitas viaturas aparecem para ser reparadas. De facto, quando um carro chega ao local já é rodeado por mecânicos para os primeiros diagnósticos. E não só: também aparecem jovens que vendem alguns artigos para enfeitar o veículo, bem como outros especializados em bate-chapa e pintura.
Foto: DW/R. da Silva
Vestuário
O mercado Compone está situado no fim da cidade de cimento e no início do bairro Polana Caniço. É especializado na venda de roupa e calçado em segunda mão. Antes da expansão de outros mercados, foi uma grande referência. Mas dada a exiguidade do espaço para o exercício da atividade, muitos preferiram instalar-se no vizinho mercado de Xikhelene.
Foto: DW/R. da Silva
"Estrela Vermelha"
O Estrela Vermelha é o mercado informal do centro de Maputo. Há aqui muitos produtos são de origem duvidosa - eletrodomésticos, telefones, máquinas fotográficas, além de bebidas alcoólicas contrabandeadas. Os cidadãos que são vítimas de roubo costumam ir a este mercado para procurar os seus pertences. Além disto, a falta de higiene também preocupa as autoridades.
Foto: DW/R. da Silva
De tudo um pouco
O mercado CMC é o mais novo dos mercados aqui mencionados e ganhou em pouco tempo o estatuto de um dos maiores de Maputo. Localiza-se mais a norte da cidade. Tal como outros mercados, exceto o Estrela Vermelha e a Praça da Paz, é também um terminal rodoviário dos chapas. Aqui há quase todos os produtos, destacando-se boutiques que vendem roupa nova a preços baixos, que variam de cinco a 15 euros.
Foto: DW/R. da Silva
Mercado da Junta
É um dos mais antigos mercados, localizado no maior terminal rodoviário de Maputo e no histórico bairro de Chamanculo, na parte ocidental da capital. Ao longo da avenida Gago Coutinho pode-se ver gente a vender madeira, que é a bandeira deste mercado. São madeiras adaptadas para ser base para assentar congeladores, geleiras ou fogões. A ideia é não danificar a estrutura dos aparelhos.
Foto: DW/R. da Silva
Bases de madeira
Jordão Macuvele tem 27 anos e trabalha neste negócio desde os seus 16 anos. Diz ele que, em média, consegue 15 euros por dia. O vendedor sustenta, assim, a sua família composta por sete pessoas. Segundo Macuvele, as bases de madeira também são adaptadas por artistas para servirem de sofás, mesinhas de centro e outro tipo de mobiliário.