Com um novo foco militar na China e na Rússia, os EUA planeiam reduzir o número de tropas norte-americanas em África. Analistas não estão surpreendidos com a medida, mas alertam para eventuais novos cortes.
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Quando o número um do exército norte-americano para África falou ao Congresso, em março deste ano, quase suplicou aos membros do Capitólio para que o país mantivesse o compromisso com o continente.
"A longo prazo, os interesses dos EUA em África beneficiarão de nações estáveis e eficazes, Governos responsáveis, exércitos bem treinados e disciplinados e economias em crescimento", disse o General Thomas Waldhauser. "Os EUA têm de continuar em África".
Mas o Governo norte-americano parece estar a ir por um caminho diferente, pelo menos em parte. Na semana passada, o Pentágono anunciou que vai reduzir a sua presença militar em África em cerca de 10% nos próximos anos. Atualmente, os EUA têm cerca de 7 mil e 200 soldados e funcionários do exército no continente.
Novas prioridades
"A estratégia de defesa nacional foi reescrita em 2017 e com ela surge a mudança do foco militar para países como a China, a Rússia e outros", disse Candice Tresch, porta-voz do Pentágono, em entrevista à DW. "Neste sentido, o secretário da defesa ordenou uma revisão do número de unidades que combatem, atualmente, organizações terroristas em África", explicou.
No novo documento sobre a defesa norte-americana, publicado em janeiro, o combate ao terrorismo, que é o foco da maioria das missões militares norte-americanas em África, continua a ser considerado importante. Mas não é a prioridade. Com a nova estratégia, todos os comandos regionais dos EUA vão pesar a possibilidade de cortes.
O Pentágono tenta desvalorizar os efeitos das reduções propostas no continente africano: "Continuaremos a trabalhar para combater organizações extremistas violentas. Trata-se apenas de mudar o foco", garantiu Tresch.
A porta-voz do Pentágono recusou adiantar onde é que terão lugar as reduções. Os Estados Unidos mantêm uma base militar no Djibuti, mas têm forças a operar em vários países, incluindo a Somália, a Nigéria e o Níger.
Segundo a agência de notícias Reuters, a redução será feira nos próximos três anos e deverá incluir países como o Quénia, Camarões e Mali.
Mas além da redução do número de soldados em África, os EUA aparentam estar também a mudar de tática. Em setembro, o New York Times avançou que o país estava a considerar retirar todas as suas unidades anti-terrorismo do continente. Na sua comunicação ao Congresso norte-americano, o General Waldhauser sublinhou também que o papel principal das tropas norte-americanas em África é de formação e apoio.
Mudança além dos números
"Esta é uma abordagem estratégica que enfatiza as capacidades militares dos EUA aplicadas a um papel secundário, não como personagens principais do conflito. As operações de segurança pertencem quase exclusivamente às forças de segurança parceiras", explicou o general.
À DW, Candace Tresch adiantou que as forças no terreno passariam de "assessoria tática para uma estratégia abrangente onde partilhamos inteligência ou fornecemos treino".
As forças norte-americanas sofreram perdas em África, incluindo no Níger, em outubro de 2017, quando quatro soldados dos EUA foram mortos numa emboscada. O ataque lançou o envolvimento militar norte-americano para o centro do debate e da polémica nos Estados Unidos.
Os planos da administração Trump não são uma surpresa para analistas de segurança no continente. "Dada a estratégia ‘América primeiro', claro que os EUA iriam tomar a posição de mover as suas tropas para se focarem em ameaças que consideram mais importantes", considera Fonteh Akum, investigador do Instuto de Estudos de Segurança em Dakar.
Eficácia limitada
EUA reduzem presença militar em África
O envolvimento norte-americano em África tem tido uma eficácia irregular, diz Akum: "Se ouvirmos as autoridades de defesa norte-americanas, elas dizem que não tiveram sucesso, em alguns países, no treino de tropas para um nível em que poderiam avançar sozinhas para o campo de batalha. Apontam igualmente para o seu papel na Somália. Levaram a cabo ações contra a Al-Shabaab, mas a Al-Shabaab continua viva". Fonteh Akum considera que ainda é muito cedo para julgar os efeitos do plano dos EUA para reduzir as suas tropas, mas alerta para eventuais novas medidas. "Se pegarmos em 10% do pessoal norte-americano em África, cerca de 720 pessoas, e as realinharmos para a Rússia, a China, o Irão ou a Coreia do Norte, temos que nos questionar: será este número capaz de dar resposta ao tipo de ameaça que estes países podem significar? Não tenho a certeza. Portanto, se me perguntar, acho que nos podemos preparar para mais cortes no futuro".
Missões de paz da ONU em África
Os capacetes azuis da Organização das Nações Unidas têm intervido em vários países africanos. A MONUSCO, missão de paz da ONU na República Democrática do Congo, é a maior e mais cara de todas. Mas há várias.
Foto: picture-alliance/AA/S. Mohamed
RD Congo: a maior missão da ONU
Desde 1999, que a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta pacificar a região oriental da República Democrática do Congo (RDC). A missão conhecida como MONUSCO conta com cerca de 20 mil soldados e um orçamento anual de 1,4 mil milhões de euros. Ainda que esta seja a maior e mais cara missão da ONU, a violência no país persiste.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Darfur: impotente contra a violência
A UNAMID é uma missão conjunta da União Africana e da ONU na região de Darfur, no Sudão, considerada por alguns observadores um fracasso. “O Conselho de Segurança da ONU deve trabalhar mais arduamente para encontrar soluções políticas, em vez de gastar dinheiro no desdobramento militar a longo prazo”, afirmou o especialista em segurança, Thierry Vircoulon.
Foto: picture-alliance/dpa/A. G. Farran
Sul do Sudão: fechar os olhos ao conflito?
A guerra civil no Sul do Sudão já fez com que, desde 2013, mais de quatro milhões de pessoas abandonassem as suas casas. Alguns estão abrigadas em campos de ajuda da ONU. Mas, quando os confrontos entre as forças do Governo e os rebeldes começaram na capital Juba, em julho de 2016, os capacetes azuis não foram bem sucedidos na intervenção.
Foto: Getty Images/A.G.Farran
Mali: mais perigosa missão da ONU no mundo
As forças de paz da ONU no Mali têm estado a monitorizar o cumprimento do acordo de paz realizado entre o Governo e a aliança dos rebeldes liderada pelos tuaregues. No entanto, grupos terroristas como o AQMI continuam a levar a cabo ataques terroristas que fazem com que a Missão da ONU no Mali (MINUSA) seja uma das mais perigosas do mundo. A Alemanha cedeu mais de 700 militares e helicópteros.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
RCA: abusos sexuais fazem manchetes
A missão da ONU na República Centro-Africana (MINUSCA) não ajudou a melhorar a imagem das Nações Unidas no continente africano. As tropas francesas foram acusadas de abusar sexualmente de crianças pela campanha Código Azul. Três anos depois, as vitimas não têm ajuda da ONU. Desde 2014, 10 mill soldados e 1800 polícias foram destacados para o país. A violência diminuiu, mas a tensão mantém-se.
Foto: Sia Kambou/AFP/Getty Images
Saara Ocidental: Esperança numa paz duradoura
A missão da ONU no Saara Ocidental, conhecida por MINURSO, está ativa desde 1991. Cabe à MINURSO controlar o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário que defende a independência do Saara Ocidental. Em 2016, Marrocos, que ocupa este território desde 1976, dispensou 84 funcionários da MINURSO após um discurso do secretário-geral da ONU que o país não aprovou.
Foto: Getty Images/AFP/A. Senna
Costa do Marfim: um final pacífico
A missão da ONU na Costa do Marfim cumpriu o seu objetivo a 30 de junho de 2016, após 14 anos. As tropas têm vindo a ser retiradas, gradualmente, o que, para o ex secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, significa “um ponto de viragem das Nações Unidas na Costa do Marfim”. No entanto, apenas depois da retirada total das forças e a longo prazo é que se saberá se a missão foi ou não bem sucedida.
Foto: Getty Images/AFP/I. Sanogo
Libéria: missão cumprida
A intervenção da ONU na Libéria chegou ao fim. Desde o fim da guerra civil, que durou 14 anos, que a Missão da ONU na Libéria (UNMIL) tem assegurado a estabilidade na Libéria e ajudado a construir um Estado funcional. O Governo do país quer agora garantir a segurança da Libéria. O país ainda está a lutar com as consequências de uma devastadora epidemia do Ébola que o assolou.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Sudão: Etiópia é promotora da paz?
Os soldados da Força de Segurança Interina da ONU para Abyei (UNISFA) patrulham esta região, rica em petróleo, e que, tanto o Sudão, como o Sudão do Sul, consideram ser sua. Mais de quatro mil capacetes azuis da Etiópia estão no terreno. A Etiópia é o segundo maior contribuinte para a manutenção da paz no mundo. No entanto, o seu exército é acusado de violações de direitos humanos no seu país.
Foto: Getty Images/AFP/A. G. Farran
Somália: Modelo futuro da União Africana?
As forças de paz da ONU na Somália estão a lutar sob a liderança da União Africana numa missão conhecida como AMISOM. Os soldados estão no país africano para combater os islamitas al-Shabaab e trazer estabilidade ao país devastado pela guerra. Etiópia, Burundi, Djibouti, Quénia, Uganda, Serra Leoa, Gana e Nigéria contribuem com as com suas tropas para a AMISOM.