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Eucalipto moçambicano em Portugal vem de terras usurpadas?

15 de junho de 2025

Companhia portuguesa líder mundial na produção de pasta de eucalipto explora concessão em Moçambique contestada por ambientalistas. Projeto florestal é acusado de usurpar terras, água e meios de subsistência.

Eucalipto moçambicano em aveiro, Portugal
Carregamaento de eucaliptos em Aveiro, PortugalFoto: João Carlos/DW

Um novo carregamento de madeira de eucalipto proveniente de Moçambique, de cerca de 100 mil metros cúbicos, segundo a organização não-governamental (ONG) Quercus, deve chegar possivelmente este ano à fábrica de pasta de papel do grupo Navigator, em Aveiro, norte de Portugal. 

A companhia portuguesa, líder mundial na produção de pasta de eucalipto, explora uma concessão no centro daquele país africano, contestada por organizações ambientalistas, que alegam que o projeto florestal está a usurpar terras, água e meios de subsistência a várias famílias camponesas.

Além do impacto na vida das comunidades, a Quercus quer garantias de proteção ambiental nas referidas terras de modo a se evitar a alteração dos ecossistemas locais, e ponderar erros cometidos em Portugal.

Em 2021, as fábricas de pasta e papel de Aveiro, em Cacia, a norte de Portugal, dirigida por António Oliveira, receberam o primeiro carregamento de madeira de eucalipto proveniente de plantações exploradas em Moçambique por uma subsidiária do grupo Navigator.

Novos carregamentos

Novos carregamentos, cujo volume não é revelado pela empresa, estão previstos para este ano, de acordo com informações confirmadas pela DW junto a responsáveis da companhia portuguesa, que implementa um projeto florestal no país africano.

A empresa tem um projeto florestal em Moçambique, a rondar os 15 mil hectares, mas a importação deste eucalipto ainda é residual, segundo João Melo Bandeira, responsável pelo Departamento de Produção e Exploração Florestal da Navigator.

"Ainda não tem [escala]. Nós estamos a trabalhar e a pensar em ter lá uma fábrica para estilhar a madeira e, naturalmente, a partir daí podemos pensar em [tornar] mais importante a importação de madeira vinda de Moçambique. Nós importamos infelizmente alguma madeira extra ibérica, e Moçambique também. Enfim, como compreenderá nós precisamos de mais madeira em Portugal."

O maior volume de eucalipto vem da Galiza, na Espanha, informa João Melo Bandeira. Em Portugal, a Navigator gere 70 mil hectares de eucalipto, entre os 109 mil hectares da floresta portuguesa.

A empresa Navitgot tem um projeto florestal em Moçambique, a rondar os 15 mil hectares, mas a importação deste eucalipto ainda é residual, Foto: João Carlos/DW

Preocupação

Entretanto, em Moçambique, o que preocupa a organização não-governamental portuguesa Quercus é a conversão da terra em sistema de exploração intensiva para as novas plantações de eucalipto, numa concessão de 356 mil hectares de terrenos nas províncias de Manica e Zambézia.

A exploração absorve muita água e tem impactos negativos, explica Domingos Patacho, técnico florestal daquela associação de defesa do ambiente.

"O problema é ter concessões de 356 mil hectares. Mesmo num país grande como Moçambique, vai ser feita a tal conversão [nessas áreas]. Os ecossistemas que existem vão ser alterados e isso tem sempre grandes impactos ao nível do que lá existia, não só das plantas mas também de toda a fauna selvagem e a redução da área agrícola para as pessoas que vivem nessa zona."

Segundo João Melo Bandeira, a gestão ativa dos territórios, no plano económico, social e ambiental, é feita com a participação dos atores locais.

"É isso que estamos a fazer com o esforço enormíssimo de uma equipa muito maior até do que aquela que temos aqui em Portugal no âmbito da floresta. O que permite, quer com a comunidade local quer também com algumas ligações diretas a entidades não governamentais para que, na verdade, consigamos construir um futuro melhor para as populações. Temos feito um trabalho muito meritório com a nossa equipa de Moçambique."

Instalações da Navigator em Aveiro, PortugalFoto: João Carlos/DW

"Erros cometidos em Portugal"

Este esforço, adianta, visa também evitar "alguns erros cometidos em Portugal" na área da plantação de eucalíptos, de modo a fazer de Moçambique uma potência também nesta área.

Carlos de Pascoal Neto, diretor geral do Instituto de Investigação da Floresta e Papel (RAIZ), detido maioritariamente pela Navigator Company, assegura que o que está a ser feito em Moçambique é um trabalho de melhoramento florestal.

"Apoiamos, com conhecimento gerado no RAIZ, todo o trabalho que está a ser feito em Moçambique. Temos até elementos do RAIZ que foram destacados para Moçambique. Portanto, as práticas de silvicultura, de seleção de materiais genéticos, de plantas que estão a ser implementadas no terreno seguem exatamente os mesmos protocolos do RAIZ."

Apesar de ter sido feito estudo de impacto ambiental e das cautelas da Portucel Moçambique, subsidiária da Navigator, a Quercus receia que, em zonas afastadas das cidades, seja impossível acompanhar no terreno o que está a ser feito. 

"Por muito que possam dizer que podem apoiar com uma escola numa comunidade local em Moçambique, eles querem é ter água para beber e para a sua agricultura. Nesse sentido, por muitas cautelas que tenham, é sempre muito difícil. Por isso é que os locais devem ser bem planeados, zonas em que não tivesse floresta de miombo, que não tivesse grandes impactos ambientais, isso é difícil muitas vezes de fazer", alerta o ambientalista Domingos Patacho. 

Apesar das críticas, o empresário Pascoal Neto assegura que o tema da sustentabilidade ambiental é parte das ações das empresas do grupo, seja em Portugal seja em Moçambique.

"Tudo o que fazemos não é apenas só para cumprir os critérios ISG [Environmental, Social, and Governance]. É, de facto, uma questão de estratégia de negócios, porque temos essa consciência. É verdadeiramente aquilo que sentimos aqui na empresa e essa preocupação é transversal", concluiu.

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