"Não podemos continuar a ser a lavandaria de cleptocratas",
Lusa | ar
20 de junho de 2018
Eurodeputada Ana Gomes dirigiu carta ao Banco de Portugal a questionar se a instituição tenciona renovar avaliação de idoneidade da empresária angolana Isabel dos Santos.
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Em declarações esta quarta-feira (20.06) à agência de notícias Lusa, em Bruxelas, a deputada do PS ao Parlamento Europeu, Ana Gomes, indicou que dirigiu na terça-feira cartas ao BdP, com conhecimento para as autoridades bancárias europeias, relativamente à avaliação de idoneidade de Isabel dos Santos e também do empresário angolano Carlos Silva, lembrando que a primeira,filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, é uma das principais acionistas do EuroBic, e o segundo é presidente do Conselho de Administração do Banco Privado Europa.
"Eu estou a fazer perguntas óbvias que nem devia ser preciso eu perguntar, e que só pergunto porque aparentemente o Banco de Portugal não quer ser ele próprio a ser confrontado com essas questões. Mas tem que ser confrontado, porque o BdP tem tremendas responsabilidades", disse Ana Gomes, acrescentando que, depois do caso do Banco Espírito Santo (BES), "não é admissível que mais uma vez o BdP continue a fechar os olhos".No caso concreto de Isabel dos Santos, a eurodeputada apontou que, na carta dirigida ao governador e aos administradores do Banco de Portugal questiona justamente se vai ser renovada "a avaliação de idoneidade que precisa dar à senhora dona Isabel dos Santos para lhe permitir ser acionista qualificada de bancos em Portugal, sobretudo tendo em atenção declarações que prestou recentemente num tribunal em Paris (...) em que ela afirmou que as contas não eram o seu forte", disse.
Contencioso arbitral em Paris
Em causa está o depoimento deIsabel dos Santos num contencioso arbitral em Paris, "onde respondeu de forma evasiva e demonstradora de falta de conhecimento e competências de administração no que respeita à gestão da Unitel, empresa angolana de telecomunicações".A eurodeputada lembrou que já defendera, em 2016, que a ex-gestora da petrolífera angolana Sonangol não tinha idoneidade para ser acionista qualificada em instituições financeiras portuguesas, de acordo com o disposto nas leis europeias, tendo feito diligências para apurar "se os mecanismos de verificação da origem dos fundos investidos e património de Isabel dos Santos tinham sido acionados na aquisição, por parte da empresária angolana, de participações sociais em bancos portugueses e outras empresas de grande dimensão".
"Isto tem que ser travado e, portanto, se o Banco de Portugal não faz o trabalho de recolha das informações e avaliação das informações, então eu faço por ele", disse, lamentando que durante anos a instituição já tenha "atirado para baixo do tapete" aquilo que já sabia sobre o BES e que custou muito dinheiro aos contribuintes portugueses.
Para Ana Gomes, esta "é, de resto, uma questão que também interessa em particular ao Governo português, porque trata-se de garantir a integridade do sistema financeiro nacional".
"Não podemos continuar a ser a lavandaria de cleptocratas, sejam angolanos, da Guiné-Equatorial, do Brasil ou de onde quer que seja", concluiu.
Mesmo sem a Sonangol, Isabel dos Santos ainda tem um império empresarial
A mulher mais rica de África, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi exonerada da liderança da petrolífera estatal angolana. Mas continua a ter uma grande influência económica em Angola e Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Bilionária angolana diz adeus à Sonangol
A 15 de novembro, Isabel dos Santos teve de renunciar à presidência do conselho de administração da Sonangol. Em meados de 2016, o seu pai, o então Presidente José Eduardo dos Santos, nomeou-a para liderar a companhia petrolífera estatal. A nomeação era ilegal aos olhos da lei angolana. O novo Presidente angolano, João Lourenço, estava, por isso, sob pressão para demitir Isabel dos Santos.
Foto: picture-alliance/dpa
Carreira brilhante à sombra do pai
Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos e da sua primeira mulher, a jogadora de xadrez russa Tatiana Kunakova, nasceu em 1973, em Baku. Durante o regime do seu pai, no poder entre 1979 e 2017, Isabel dos Santos conseguiu construir um império empresarial. Em meados de 2016, a liderança da Sonangol, a maior empresa de Angola, entrou para o seu currículo.
Foto: picture-alliance/dpa
Conversão aos princípios "dos Santos"
Isabel dos Santos converteu o grupo Sonangol, sediado em Luanda (foto), às suas ideias. Nomeou cidadãos portugueses da sua confiança para importantes cargos de gestão e foi muito criticada pela ausência de angolanos em posições-chave na empresa.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Presença firme nas telecomunicações
Mesmo após o fim da sua carreira na Sonangol, Isabel dos Santos continua forte no meio empresarial: possui 25% da UNITEL desde o seu lançamento, em 2001, a empresa tornou-se a principal fornecedora de serviços móveis e de internet em Angola. Através da UNITEL, dos Santos conseguiu estabelecer vários contactos comerciais e parcerias com outras empresas internacionais, como a Portugal Telecom.
Foto: DW/P. Borralho
Redes móveis em Portugal e Cabo Verde
Isabel dos Santos detém a participação maioritária na ZON, a terceira maior empresa de telecomunicações de Portugal, através de uma sociedade com o grupo português Sonae. Também em Cabo Verde, dos Santos - com uma fortuna estimada em 3,1 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes - está presente nas telecomunicações com a subsidiária UNITEL T+.
Foto: DW/J. Carlos
Expansão com a televisão por satélite
Lançada em 2010 por Isabel dos Santos, a ZAP Angola apresenta-se como o maior fornecedor de televisão por satélite no país. Desde 2011, a ZAP está presente também em Moçambique, onde conquistou uma parcela importante do setor. Em Moçambique, a empresa compete com o antigo líder de mercado, a Multichoice (DSTV), da África do Sul.
Foto: DW/P. Borralho
Bancos: o segundo pilar do império
Atrás das telecomunicações, o setor financeiro é o segundo pilar do império empresarial de Isabel dos Santos. A empresária detém o banco BIC juntamente com o grupo português Américo Amorim - o empresário português conhecido como "o rei da cortiça" que morreu em julho de 2017. É um dos maiores bancos de Angola, com cerca de 200 agências. É também o único banco angolano com agências em Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Com a GALP no negócio do petróleo
Também no petróleo, dos Santos fez parceria com Américo Amorim. Através da empresa Esperanza Holding B.V., sedeada em Amesterdão, a empresária angolana está envolvida na Amorim Energia que, por sua vez, é a maior acionista da petrolífera portuguesa GALP. A GALP também administra os postos de gasolina em Moçambique (na foto) e em Angola onde, curiosamente, compete com a Sonangol.
Foto: DW/B.Jequete
Supermercado em Luanda
Em 2016, abriu em Luanda o Avennida Shopping, um dos maiores centros comerciais da capital angolana. Várias empresas do império dos Santos operam neste centro comercial, como o Banco BIC, a ZAP e a UNITEL. Assim, a empresária beneficia em várias frentes do crescente mercado de bens de consumo em Luanda.
Foto: DW/P. Borralho
350 milhões de dólares em supermercados
Uma das maiores lojas do Avennida Shopping é o hipermercado Candando. É operado pelo grupo Contidis, controlado por Isabel dos Santos. Nos próximos anos, deverão ser construídos em Angola vários Candando. No total, a Contidis quer investir mais de 350 milhões de dólares nas filiais.