Europa coopera com países autoritários para travar migração
Fréjus Quénum | mjp
23 de abril de 2018
Políticas de migração e cooperação com África não têm produzido resultados satisfatórios, conclui estudo. Velho Continente coopera cada vez mais com líderes africanos de caráter duvidoso para travar chegada de migrantes.
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Segundo os especialistas do Instituto Alemão de Política Internacional e de Segurança (SWP, na sigla em alemão), os parceiros europeus e africanos têm objetivos diferentes: os europeus estão mais focados na redução dos fluxos migratórios, enquanto alguns líderes africanos aproveitam para consolidar o seu poder.
O estudo centra-se em seis países africanos governados por regimes autoritários, ainda que em diferentes graus: Argélia, Marrocos, Níger, Sudão, Eritreia e Egipto.
No Níger, por exemplo, o número de saídas de migrantes diminuiu 75% entre 2016 e 2017, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM) - um resultado direto da cooperação com a Europa. Em troca, o financiamento europeu permitiu o reforço do poder do Presidente Mahamadou Issoufou e do aparato de segurança do país.
Europa coopera com países autoritários para travar migração
"O Níger é um exemplo interessante porque, ao contrário de Marrocos, é um recém-chegado à cooperação de migração entre a Europa e África", diz David Kipp, investigador do SWP e co-autor do estudo. "O Governo do Níger garante benefícios financeiros, numa altura em que os europeus fazem pressão sobre os movimentos migratórios para a Europa via Líbia", explica.
No caso do Níger, há muito investimento no setor de segurança. O Presidente do Níger, diz o investigador, está igualmente a colher benefícios pessoais, apresentando-se como um interlocutor estratégico na frente antiterrorista.
"Empurrar" fronteiras
O estudo centra-se também em Marrocos, um país privilegiado na cooperação ao nível da migração, dada a sua posição geográfica em relação à Europa. Uma útil alavanca diplomática e financeira para o rei Mohammed VI, na sua ofensiva na África subsaariana, nomeadamente na questão do Saara Ocidental, território reivindicado por Rabat.
Migrantes arriscam a vida a atravessar os Alpes a pé
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A cooperação com Marrocos e outros países do Magrebe permite à Europa "empurrar" as suas fronteiras para os países de onde partem os migrantes, lamenta o diretor do Centro Marroquino de Estudos Estratégicos, Mohammed Benhamou."Não podemos travar os fluxos migratórios com muros, não podemos pedir aos países do sul que sejam apenas polícias da Europa", afirma.
Por isso, defende que a Europa deve assumir a sua responsabilidade no desenvolvimento destes países. "E a melhor resposta é criar riqueza e desenvolvimento sustentável nos países de origem dos migrantes. Se os Estados africanos lucrassem verdadeiramente com as suas riquezas, penso que a situação seria completamente diferente, diz Mohammed Benhamou.
Também os investigadores alemães recomendam que a União Europeia se foque no combate às causas da migração em vez de se preocupar apenas com a redução do número de migrantes.
David Kipp apela a soluções a longo prazo, incluindo parcerias em que os países africanos possam ver benefícios reais. O estudo apela não só à regulação da migração, mas também à melhoria da livre circulação de pessoas, especialmente no contexto africano.
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.