Anabela Rodrigues integra a candidatura do Bloco de Esquerda às eleições europeias de maio. A portuguesa de descendência cabo-verdiana critica a Europa por não prestar mais atenção à imigração e ao racismo.
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É natural de Lisboa, tem 42 anos e é filha de pais cabo-verdianos. Anabela Rodrigues, conhecida por Belinha no seio do movimento associativo, assume-se como uma a(r)tivista. A mediadora social e cultural está na quarta posição, em lugar não elegível, na lista do Bloco de Esquerda (BE), encabeçada por Marisa Matias, às eleições europeias que têm lugar entre 23 e 26 de maio.
A dirigente da SOLIM - Solidariedade Imigrante, associação para a defesa dos direitos dos imigrantes, aceitou o desafio porque defende que tem de ser dada voz aos próprios, para que deixem de ser invisíveis.
"Acho que esta oportunidade, esta janela também abre para os próprios falarem daquilo que sentem e daquilo que escutam", diz em entrevista à DW África. "Principalmente as mulheres, que trabalham das 6 às 9, antes do escritório abrir ou no final do dia. E essa sua invisivilidade acaba por nunca ser falada, mas na realidade elas estão lá todos os dias."
Insiste que a sua bandeira estará sempre centrada na questão transversal da imigração e do racismo. "Quando chegam as eleições europeias, é muito interessante como a imigração é quase sempre um tema muito marcante e muito forte", lembra Anabela Rodrigues. Mas depois, em termos de políticas de imigração, "não quer ter uma política comum, a não ser como Europa fortaleza ", sublinha.
É isso que a candidata considera importante, porque há uma preocupação constante com os partidos de extrema direita que estão a crescer. "Mas ao mesmo tempo também não há dentro dos discursos quais são as razões, porque crescem? Dentro do nosso partido quem é que são os candidatos que poderiam combater isto?"
"Europa tem feito muito pouco"
Anabela Rodrigues foi uma das dinamizadoras da campanha pela alteração da lei da nacionalidade em Portugal. A afrodescendente já foi candidata às europeias pelo Movimento Esperança Portugal (MEP), uma alternativa diferente que abraçou por, na altura, não estar vinculada a nenhum partido.
Lembra que, depois da Década dos Afrodescendentes declarada pelas Nações Unidas (2015-2015), a Europa tem responsabilidade para com os seus objetivos. "A Europa tem feito muito pouco. Os partidos que sentem esta responsabilidade e que sentem que realmente os seus valores devem cumprir esta igualdade de oportunidade.
Afrodescendente quer que imigrantes deixem de ser invisíveis
"Parece-me que resolveram ir por aí e colocar também nas eleições europeias o espelho do que é esta questão dos afrodescendentes. Mas eu espero que lance realmente o debate. No entanto, a curiosidade tem sido ainda muito pouca. Vamos ver ao longo do tempo."
"Há que refletir sobre estas questões", sublinha, tocando noutra ferida como é o racismo. "Raramente o país quer debater este tema. E Portugal tem essa responsabilidade", adverte Anabela Rodrigues."Estamos a falar de um país que tem como período áureo um período em que provocou uma escravatura durante muitos séculos. E teve colónias até 1974. Muitas destas colónias estão aqui presentes. Não é possível falar em Cabo Verde ou de Angola ou da Guiné-Bissau como se fosse falar de arroz, batata e feijão", critica.
Recorre ao exemplo alemão, lembrando que quando se entra em Berlim, "a questão da presença do Holocausto é visível. Não se apaga a História. Ela também serve para nos ensinar."
Objetivo: tornar-se visível
Anabela Rodrigues está numa posição não elegível. Apesar disso, acredita numa possibilidade. Mas o seu principal objetivo é tornar-se visível. "Como se costuma dizer, até ao número cinco as pessoas ainda se lembram e depois do número cinco ninguém se lembra. O número quatro é de alguma maneira possível. As projeções, às vezes, falham ou não. O mais importante é a luta e manter esta presença", diz.
Na década de 90, a luso-caboverdiana Helena Lopes da Silva, pelo PSR, e o General D, pela Política XXI, foram os primeiros candidatos às europeias em lugares de destaque em Portugal. Em 2009, o MEP pôs Anabela Rodrigues em sexto lugar.
O Bloco de Esquerda escolheu outra afrodescendente, Beatriz Gomes Dias, para o oitavo lugar nas legislativas e no décimo sétimo lugar para as europeias. Em 2011, Beatriz Gomes Dias ocupou o oitavo lugar nas legislativas pelo Bloco. Em 2014, outra vez para as europeias, o BE colocou o luso-angolano Jorge Silv, no décimo sétimo lugar e no sétimo lugar para as legislativas de 2015.
Segundo Mamadou Ba, da SOS Racismo, a presença de Joacine Moreira (Livre) e de Anabela Rodrigues (BE) pode ser o início de um novo ciclo para uma maior visibilidade e afirmação na política dos afrodescendentes.
Bairro da Jamaica na margem sul de Lisboa: A prolongada esperança
A Urbanização do Vale de Chícharos no Seixal, concelho do distrito de Setúbal (Grande Lisboa), acolhe, na sua maioria, imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Há quem viva no bairro há mais de 20 anos.
Foto: J. Carlos
Décadas à espera de realojamento
Os prédios inacabados, propriedade da Urbangol, uma sociedade sedeada num paraíso fiscal com dívidas ao fisco, foram ocupados por pessoas de baixa renda que não tinham condições para comprar uma casa. Aguardam, ao longo destes anos, pela promessa de realojamento por parte da autarquia local.
Foto: J. Carlos
Arte e desabafo por um bairro melhor
Por uma das entradas do Jamaica, os visitantes são recebidos por estes murais pintados na parede que cerca a instalação de transformadores da EDP, Energias de Portugal. As pinturas expõem os sentimentos de mudança e a visão do mundo por parte dos artistas que aspiram viver em um bairro melhor.
Foto: J. Carlos
Os ídolos Bob Marley e Che Guevara
O lendário músico jamaicano Bob Marley ou o líder guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara são uma espécie de ídolos para os jovens artistas autores destas pinturas. Ao longo da parede, que funciona como uma tela, veem-se outros motivos, incluindo a reprodução de um bairro típico imaginário em África.
Foto: J. Carlos
Falta de água e de luz
Nos cafés ou em outro ponto de encontro e de convívio, os moradores acabam por falar e questionar sempre sobre os inúmeros problemas com que se deparam no dia-a-dia. A falta de água e de saneamento básico ou os cortes de luz pela empresa fornecedora quando não são pagas as faturas coletivas constituem uma dor de cabeça diária.
Foto: J. Carlos
Mas, na hora de matar a fome…
Enquanto não vem uma solução para o realojamento, a vida não para no Jamaica. Aos fins de semana, a música ajuda a acalentar os problemas. Os grelhados à moda dos países de origem, preparados neste caso pela são-tomense Vitória Silva, servem para matar a fome depois de um dia de trabalho árduo.
Foto: J. Carlos
… Pratos típicos juntam amigos
Percorrendo o território adjacente, encontram-se vários espaços anexados como este, adaptados para café e ou restaurantes, são uma das fontes de rendimento familiar. Os pratos típicos de África, sobretudo à base de peixe e banana, recheiam as mesas dos clientes provenientes de sítios diversos e servem de pretexto para reunir amigos.
Foto: J. Carlos
Cultivar para render
Em uma pequena parcela do terreno à volta, há moradores com alguma experiência agrícola que improvisaram hortas com variedades de hortaliças para consumo próprio. Plantam couves, alfaces, tomates, cebolas, alhos e batatas, entre outros produtos que ajudam a aliviar as despesas com a alimentação.
Foto: J. Carlos
Produzir para sobreviver
Também com o mesmo objetivo, a criação de galinhas reforça a dieta alimentar caseira. Para alguns dos moradores desempregados ou não, esta é uma das formas para suprir as muitas dificuldades de sobrevivência quando é baixo o rendimento familiar.
Foto: J. Carlos
Desemprego, droga e prostituição inquietam
O desemprego é um dos males que inquietam jovens mães como Vanusa e Aurora Coxi. Dizem que os habitantes são, de certo modo, discriminados quando procuram emprego pela fama desmerecida de aqui morarem. Isso leva muitos jovens a seguir por caminhos impróprios, do roubo, do tráfico de droga ou da prostituição. Ambas têm um sonho: acabar a universidade, interrompida por dificuldades diversas.
Foto: J. Carlos
Inundação e humidade
A estes problemas juntam-se as condições de habitabilidade nos prédios, que afetam a maioria das mais de 800 pessoas aqui residentes. Júlio Gomes, guineense que mora num anexo improvisado na parte traseira de um dos prédios, é afetado pela inundação quando chove ou quando rompe a canalização do sistema de esgotos do vizinho do andar de cima.
Foto: J. Carlos
Acesso à tarifa social de eletricidade
Os moradores estão em conflito com a empresa que fornece eletricidade (EDP), porque o critério de cobrança não é o mais adequado. É a associação do bairro que recebe o dinheiro dos consumos mensais e paga as faturas únicas por lote, consoante a leitura no contador colocado em cada prédio. Mas há quem não pague. Os clientes reclamam por não beneficiarem de tarifa social.
Foto: J. Carlos
Sede a precisar de reabilitação
Na sede da Associação para o Desenvolvimento Social da Urbanização de Vale de Chícharos, onde vive uma família, as inundações também constituem um incómodo quando chove. Aqui têm lugar as reuniões para discutir os problemas que afetam os residentes, entre os quais o realojamento. Reabilitar o espaço, onde também funcionam aulas de alfabetização, é uma solução em stand by por falta de recursos.
Foto: J. Carlos
Parque infantil inseguro
Ao lado da sede está um pequeno parque infantil, igualmente sem as condições mínimas de segurança para as crianças brincarem. Os poucos equipamentos nele existentes estão em mau estado de conservação e utilização. Este é, entretanto, um dos poucos espaços de lazer que dispõem para descarregar energia e preencher o tempo.
Foto: J. Carlos
Ação social imprescindível
A CRIAR-T – Associação de Solidariedade tem prestado serviço útil à comunidade, já lá vão mais de 15 anos. As suas várias valências permitem, além de apoio social, acolher crianças enquanto os pais vão trabalhar. Porque «é um perigo elas andarem pelo bairro a brincar», diz Dirce Noronha, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Vale de Chícharos.