Exército de Resistência do Senhor: Bandidos ou militares?
António Cascais
24 de janeiro de 2022
Depois de mais de três décadas a praticar atrocidades contra civis, o Exército de Resistência do Senhor, de origem ugandesa, poderá entregar as armas na RCA. Mas as vítimas do movimento exigem que se faça justiça.
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O Exército de Resistencia do Senhor (LRA) foi fundado em 1987 no norte do Uganda e liderado pelo fugitivo Joseph Kony, para tentar derrubar o veterano Presidente Yoweri Museveni e estabelecer um estado fundamentalista cristão baseado nos dez mandamentos de Deus.
Fracassadas as suas ações e expulso do Uganda, o grupo passou a aterrorizar outros países vizinhos como Sudão e Sudão do Sul, República Democrática do Congo (RDC) e também o sudeste da República Centro-Africana (RCA).
Ernest Mizedjo, deputado na RCA, lembra as atrocidades que o grupo praticou na sua região de origem, no sudeste do país, entre 2008 à 2011. "Eles queimaram aldeias e torturaram os habitantes. Os agricultores já não podiam cultivar os seus campos, os caçadores já não podiam caçar e os pescadores já não podiam pescar. Violaram mulheres grávidas e raparigas". O nível de atrocidades cometidas pelo LRA na República Centro-Africana é enorme, acrescenta Mizedjo, mas não há números exatos sobre as vítimas.
Aubin Kottokpinzé, de 52 anos, escapou das mãos dos militares do Exército da Resistência do Senhor, que o capturaram em 2008, quando tinha 39 anos. "Raptaram-me, abusaram de mim e torturaram-me. Foi uma má experiência da qual nunca recuperei. Olha para mim: Eu sou apenas uma sombra do meu antigo eu. Pareço muito mais velho hoje do que sou", recorda.
Segundo as Nações Unidas, mais de 100.000 pessoas foram mortas pelo LRA em vários países. Estima-se também que entre 60.000 e 100.000 crianças foram raptadas e utilizadas como crianças-soldado. Mais de um milhão de pessoas foram deslocadas.
Onde está Joseph Kony?
O fundador do grupo, Joseph Kony, continua em fuga, apesar de, em 2005, o Tribunal Penal Internacional (TPI) tenha emitido um mandado internacional de captura.
Várias linhas operativas compostas por agentes americanos, soldados da ONU, oficiais da UA e membros dos exércitos oficiais dos países onde o LRA opera, procuram por Joseph Kony.
Mas acredita-se que este ainda continue vivo e a comandar o grupo a partir da parte incerta, defende Adolphe Agenonga, especialista em geopolítica na Universidade de Kinsangani, na República Democrática do Congo. "O que é certo é que o LRA está militarmente muito enfraquecido. Diz-se que o LRA tem apenas 200 a 1000 combatentes em pequenos grupos dispersos, presumivelmente sem contacto próximo com o comandante Joseph Kony."
Agenonga acredita ainda que "esta milícia tem vindo ultimamente a realizar apenas ataques esporádicos, cujo único objetivo é garantir a sobrevivência dos seus membros. Para garantir a sua própria alimentação."
Em entrevista à DW África, o deputado centro-africano Ernest Mizedjo acusa o grupo de se ter transformado num bando de traficantes de armas e marfim. “Eles contrabandeiam e comercializam armas através das fronteiras, especialmente fornecendo a outras milícias no nordeste da RDC. Também fazem contrabando e comércio de marfim contrabandeado do Sudão."
Retirada da República Centro-Africana?
Enquanto isso, da República Centro-Africana chegam relatos de que os soldados do Exército do Senhor se apresentaram às autoridades, sugerindo a sua própria desmobilização, segundo confirma à DW Judes Ngayakon, governador da região de Haut Mbomou. "Recebi recentemente uma delegação do LRA que me disse que estavam prontos para entregar as armas. Os seus combatentes querem voltar à vida civil", disse Ngayakon à DW.
Na capital da República Centro-Africana, aumentam rumores de que Joseph Kony também está disposto num acordo de cessar-fogo. Mas, para isso, exige ser envolvido num possível processo de paz e, alegadamente, também obter a nacionalidade da RCA, segundo confirmou a ministra da Ação Humanitária do país.
Quais as razões para esta mudança de atitude dos homens das LRA? Para o deputado Ernest Mizedjo, é provável que os combatentes LRA já estejam cansados. "Possivelmente também perderam o moral e talvez seja simplesmente o facto de já não terem um líder a guiá-los diretamente. Além disso, eles simplesmente não têm qualquer apoio. Qualquer rebelião necessita de um certo apoio por parte da população".
Rendição sim, mas os combatentes devem responder pelos seus atos em tribunais, defende Aubin Kottokpinzé, que há anos fundou a Associação de Vítimas do LRA, a que preside, na República Centro-Africana.
"Claro que somos a favor da retirada dos rebeldes ugandeses do nosso país, mas o nosso governo e a comunidade internacional devem estar à altura das suas responsabilidades e reconhecer o nosso sofrimento, o sofrimentos das vítimas. Queremos que os autores dos crimes sejam levados à justiça. Pedimos que nos apoiem na nossa busca de justiça no Tribunal Penal Internacional", afirma.
África em imagens: Retrospetiva de 2017
Queda de ditadores no Zimbabué e na Gâmbia. Caos pós-eleitoral no Quénia e na Libéria. Ataques terroristas na Somália e na Nigéria. A DW África apresenta os factos mais importantes de 2017.
Foto: Reuters/J. Oatway
Ditador gambiano forçado a deixar o poder
Yahya Jammeh governou com mãos de ferro o pequeno país da África Ocidental durante 22 anos, mas perdeu as presidenciais em 2016 para o seu principal opositor, Adama Barrow. Tropas da CEDEAO foram enviadas para a Gâmbia para convencer Jammeh a aceitar a derrota e deixar o poder. Em janeiro de 2017, partiu finalmente para o exílio na Guiné Equatorial, mas não antes de saquear os cofres do país.
Foto: picture-alliance/AP/dpa/J. Delay
Uganda encerra buscas do líder rebelde Kony
Joseph Kony, líder do brutal Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês), é procurado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. Em abril, o Uganda e os Estados Unidos anunicaram o fim da caçada a Kony depois de considerarem o LRA "irrelevante". As Nações Unidas, no entanto, dizem que o LRA ainda pratica raptos na República Democrática do Congo.
Foto: Stuart Price/AP Photo/dpa/picture alliance
Medo de mergulhar a Nigéria no caos
O país mais populoso de África sofreu com a ausência do Presidente Muhammadu Buhari, que, aos 74 anos, passou três meses em Londres para tratamentos médicos. Enquanto isso, o grupo extremista Boko Haram realizou ataques mortais no norte nigeriano, onde milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária.
Foto: Reuters/Nigeria Presidency Handout
Crise nos Camarões
Várias pessoas foram mortas e outras ficaram feridas depois do anúncio simbólico de independência da região anglófona do país, que se auto-intitula estado da "Ambazonia", em outubro. Observadores internacionais dizem que pelo menos 40 pessoas morreram durante os protestos. As pessoas na região sudeste do país sentem-se negligenciadas pela maioria francófona.
Foto: Reuters/J.Kouam
Caos pós-eleitoral no Quénia
O Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, conseguiu o seu segundo mandato, mas o líder da oposição Raila Odinga recusou-se a aceitar o resultado das eleições. O Supremo Tribunal do país anulou o escrutínio realizado em agosto devido a irregularidades na votação, convocando novas eleições para outubro. A oposição, no entanto, boicotou o segundo pleito. Houve confrontos com dezenas de mortos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Presidenciais adiadas na Libéria
A segunda volta das eleições para escolher o sucessor da Presidente Ellen Johnson Sirleaf foi adiada depois de queixas contra a Comissão Eleitoral Nacional por suposta fraude durante a primeira volta em outubro. As alegações foram então rejeitadas pela justiça. A segunda volta entre o ex-vice-presidente Joseph Boakai e o ex-jogador de futebol George Weah realizou-se com mais de um mês de atraso.
Foto: Getty Images/AFP/I. Sanogo
Fome no Sudão do Sul
Nos últimos quatro anos, as pessoas no Sudão do Sul, a nação mais nova do mundo, sofreram devido ao conflito entre os apoiantes do Presidente Salva Kiir e seu ex-vice-Presidente Riek Machar. Um terço da população foi deslocada das suas casas. Cerca de cinco milhões de pessoas - metade da população do Sudão do Sul - sofre com a fome. A terra arável foi destruída pelos conflitos, disse a ONU.
Foto: Aktion Deutschland Hilft/Max Kupfer
Somália sofreu pior ataque da sua história
Um camião cheio de explosivos foi detonado numa área movimentada da capital da Somália, Mogadíscio, em meados de outubro, matando centenas de pessoas. Até agora, ninguém reivindicou a responsabilidade pelo ataque que foi descrito como o pior da história da nação da África Oriental. O Governo culpa o grupo terrorista al-Shabab pelo bombardeio.
Foto: picture alliance/dpa/AAS. Mohamed
Mali sem paz
O Mali tem enfrentado crises há seis anos: primeiro um golpe, depois uma revolta separatista no norte, seguido de uma insurreição jihadista. A missão de paz de 11 mil soldados da ONU foi atacada repetidamente. Em janeiro, 77 soldados foram mortos no pior ataque até agora. Combatentes ligados à Al-Qaeda reivindicaram a responsabilidade pelo atentado suicida.
Foto: Getty Images/AFP
O fim da era Mugabe
Em novembro, os militares do Zimbabué puseram o Presidente Robert Mugabe sob prisão domiciliar depois de este ter demitido o vice-presidente Emmerson Mnangagwa para nomear a sua esposa, Grace Mugabe. Mugabe, de 93 anos, e há 37 anos no poder, renunciou. Mnangagwa foi nomeado Presidente da República, mas desde então decepcionou os que esperavam a inclusão de membros da oposição no seu gabinete.
Foto: picture alliance/dpa/NurPhoto/B. Khaled
Kabila não quer deixar o poder
O Presidente Joseph Kabila, da República Democrática do Congo, já cumpriu os dois termos permitidos pela Constituição do país. Embora o seu segundo mandato tenha terminado no final de 2016, ele adiou as novas eleições. O pleito está programado para o final de 2018. A polícia reprimiu protestos e deteve manifestantes, dizem grupos da oposição.
Foto: picture alliance/dpa/AP Photo/J. Bompengo
Escândalo de corrupção na África do Sul
As alegações de corrupção envolvendo o Presidente sul-africano Jacob Zuma e a família Gupta foram manchete durante todo o ano. Empresas internacionais foram acusadas de pagar remunerações para ganhar contratos governamentais. A economia do país está a sofrer com taxas de desemprego que rondam os 30%. Quem irá substituir Zuma? Um embate esperado em 2018.