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Estado de DireitoAngola

Sonangol teria sido lesada em 193 milhões com contrato falso

Lusa
24 de setembro de 2020

Auxiliar de Isabel dos Santos na Sonangol denuncia por escrito que a “retirada ilícita de fundos públicos” da petrolífera teria ocorrido em 2005, quando o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, liderava a empresa.

Hauptsitz der Firma Sonangol in Luanda in Angola
Foto: AP

O ex-assessor da empresária Isabel dos Santos, Mário Leite da Silva, disse a reguladores internacionais – entre os quais o Banco de Portugal – que um "contrato falso” teria lesado a Sonangol em mais 193 milhões de euros.

A informação foi obtida pela agência de notícias Lusa, citando uma denúncia escrita por Leite da Silva, dando conta que o contrato fora celebrado em 2005. 

"Este contrato é falso e foi levado ao conhecimento oficial pelo Ministério Público de Angola num processo judicial de arresto contra as pessoas de Isabel dos Santos e seu marido Sindika Dokolo e contra a minha pessoa", escreve.

O gestor português - que foi presidente do conselho de administração do Banco de Fomento Angola quando a Isabel dos Santos controlava a instituição - afirma ter tido conhecimento do "contrato falso" pela análise de documentos que fez após ter sido alvo de um processo cível interposto pela justiça angolana. 

Manuel Vicente estava à frente da empresa na época do alegado "contrato falso"Foto: picture alliance/Lori Waselchuk

Presidida por Manuel Vicente

A Sonangol era liderada por Manuel Vicente, que viria a ser vice-Presidente de Angola sob a gestão de José Eduardo dos Santos. A petrolífera teria feito um acordo com a Amorim Energia para participar no capital da Galp. Para tal, a Sonangol teria constituído com a Exem Energy, de Sindica Docolo e Isabel dos Santos, a joint-venture Esperanza.

À estatal angolana caberia 60% da Esperanza, enquanto os outros 40% seriam de Isabel dos Santos e do marido.

Posteriormente, a Esperaza deteria 45% do capital da Amorim Energia, holding que tem uma posição de 33,34% na petrolífera portuguesa. Indiretamente, os angolanos controlariam assim 15% da Galp.

Segundo a justiça angolana, o capital inicial da Esperaza - no valor de 193 milhões de euros - foi investido na totalidade pela Sonangol, que reclama judicialmente o valor em dívida que corresponderia à parte da empresária.

Leite da Silva acusa o Ministério Público de Angola de atuar "em sub-rogação" dos interesses da Sonangol no sentido de obter, "como conseguiu", o arresto dos bens de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo, e dele próprio. A sociedade Esperaza foi adquirida em 2006 mas o contrato para entrada na 'joint-venture', que Mário Leite Silva diz ser falso, "tem data do dia 30 de novembro de 2005" e terá permitido a retirada dos 193 milhões de euros da Sonangol. 

"As pessoas que surgem a assinar o referido 'contrato' em representação da Esperaza [Fernando Santos, à data responsável jurídico da Sonangol e Francisco Lemos José Maria, à data, administrador financeiro da Sonangol que posteriormente foi designado presidente do Conselho de Administração desta empresa estatal] não tinham vínculo laboral e/ou poderes de representação conferidos pelo ABN AMRO Special Corporate Services B.V., na Esperaza à data de 30 de novembro de 2005 ou em qualquer data anterior a 30 de janeiro de 2006", escreve Mário Leite da Silva, referindo-se ao momento em que a Sonangol entrou no capital social da Esperaza.

"Uma vez que no contrato de suprimentos falso consta a assinatura das pessoas que assinaram em representação da Esperaza - não se incluindo o nome das mesmas no local das respetivas assinaturas [Fernando Santos e Francisco Lemos José Maria] conseguimos comprovar que foram estes que assinaram comparando as assinaturas do alegado 'contrato' de suprimentos com outros documentos que os mesmos assinaram", acrescenta o gestor.

Empresa de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo estaria envolvida

"Retirada ilícita de fundos públicos”

No mesmo documento, o gestor sublinha que o "contrato" em causa "integra o crime de falsificação de documento e uso de documento falso" e indicia a "retirada ilícita de fundos públicos da Sonangol" e a prática de crimes de apropriação - peculato, abuso de confiança ou burla - participação económica em negócio, "bem como o branqueamento dos respetivos valores".

 "Nunca tive conhecimento, direto ou indireto da existência do referido contrato (...).Tomei conhecimento em 2020 da existência deste documento", escreve. 

A denúncia refere ainda que os desembolsos previstos no contrato em causa "cujo valor ascende a 193.465.406,23 euros" foram "integralmente" realizados mas que "não foi junto ao processo de arresto (...) a evidência dos movimentos bancários subjacentes ao mesmo". 

Na carta enviada aos reguladores, Leite Silva afirma ter liderado pelo lado da Amorim Holding II SGPS S.A. a venda da Esperaza aos acionistas angolanos em 2006.

A carta de 19 páginas assinada por Mário Leite da Silva foi enviada de Lisboa no passado dia 11 de setembro para o Banco de Portugal, Banco Nacional de Angola, De Nederlandsche Bank, Banco Central Europeu, ABN AMRO Bank, Banco Comercial Português, Bank of America, Standard Chartered Bank e para o Parlamento Europeu.

O queixoso pede aos reguladores que seja efetuada uma "averiguação reforçada" e urgente "às circunstâncias que dão contexto ao surgimento do referido 'contrato', de modo a apurar atos de natureza ilícita e quem foram os responsáveis".

 A carta inclui mais de uma dezena de documentos em anexo, entre os quais o contrato entre a Sonangol e a Esperaza que Mário Leite da Silva diz ser "falso". A Lusa tentou obter mais explicações do gestor, mas Mário Leite da Silva preferiu não fazer comentários.

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