Antigo Procurador-Geral da República de Angola, João Maria de Sousa, foi ouvido esta segunda-feira em tribunal. Jornalista Rafael Marques é acusado de injúria devido a artigo que publicou em 2016.
Publicidade
O ex-Procurador-Geral da República (PGR) de Angola, João Maria de Sousa, reafirmou em tribunal as acusações de injúria contra os jornalistas angolanos Rafael Marques e Mariano Brás, por estar em causa o seu bom nome.
"Vim clarificar as questões relacionadas à participação criminal contra os senhores Rafael Marques e Mariano Brás. Estou aqui motivado pelas injúrias, difamação, senti-me ofendido na minha imagem, no meu bom nome", disse aos jornalistas, à saída da audiência, realizada à porta fechada.
O antigo PGR angolano foi ouvido no Tribunal Provincial de Luanda por gozar de imunidade na qualidade de procurador jubilado, tendo a sua audição sido requerida pela defesa, mesmo depois de a juíza, Josina Ferreira Falcão, ter prescindido da sua audição.
Ex-PGR espera decisão "justa"
Em causa está uma notícia de novembro de 2016, divulgada no portal de investigação jornalística Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, com o título "Procurador-geral da República envolvido em corrupção", que denunciava o negócio alegadamente ilícito realizado por João Maria de Sousa, envolvendo a aquisição de um terreno de três hectares, em Porto Amboim, província angolana do Cuanza Sul, para construção de condomínio residencial.
Ex-PGR angolano reafirma acusações contra Rafael Marques
Em declarações à imprensa, quase cinco horas após prestar esclarecimentos ao tribunal, sobre as motivações da sua queixa, e rodeado por seguranças que tentaram inviabilizar perguntas dos jornalistas, o general João Maria de Sousa disse esperar que o tribunal tome a "decisão justa".
"Senti-me ofendido, na minha imagem e no meu bom-nome. Deixemos que o tribunal tome a decisão que seja justa. Apenas prestei declarações, ou seja, aclarar aquilo que foi a minha participação criminal e não há agora nada alguma expectativa, não há nada de especial", sustentou.
Empurrões e cotoveladas contra jornalistas
Quanto à aquisição da parcela de terra, o ex-PGR foi reticente ao falar sobre o assunto. Enquanto João Maria de Sousa era questionado pela imprensa, os seus cinco seguranças boicotaram atividade dos jornalistas com empurrões e cotoveladas. "O senhor acha que eu, enquanto cidadão, não tenho o direito de fazer a compra de um terreno? Acha que isso motiva alguém a tratar-me de corrupto? O tribunal é que decide", disse o magistrado irritado, enquanto os seus seguranças empurravam os jornalistas.
Em declarações à DW África, o advogado de Mariano Brás, Salvador Freire, disse que o processo de aquisição do referido terreno não obedeceu à tramitação legal.
Ainda de acordo com a defesa, João Maria de Sousa não fez nenhum pagamento ao Estado para ser o proprietário do terreno."Ele declarou que não fez qualquer tipo de pagamento desse processo. E ele nessa altura já tem o título da concessão do espaço. Não compreendemos porque que ele não pagou, mas a verdade é que para qualquer processo do género teria que pagar alguns emolumentos relacionados com o processo", revelou.
Salvador Freire afirmou ainda que o processo de aquisição dos três hectares de terra por parte do ex-procurador-geral da República de Angola está repleto de incongruências. "Houve contratos feitos fora dos prazos legais. Portanto há uma incongruência muito grande. Na qualidade de procurador-geral, ele devia ter mais cuidado na análise do próprio processo porque constava o seu próprio nome”, frisou.
A próxima sessão ficou marcada para 15 de junho, dia das alegações finais do processo. A defesa dos jornalistas continua a acreditar na absolvição dos profissionais. "Não tenho dúvidas de que ao tribunal caberá absolver Rafael Marques", vaticina o advogado Horácio Junjuvili.
Neste processo, Rafael Marques e Mariano Brás - que republicou a notícia - são acusados pelo ex-procurador de crimes de injúria e ultraje a órgão de soberania.
*Atualizado em 22.05.18
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.