O antigo Presidente Laurent Gbagbo, absolvido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), é aguardado hoje na Costa do Marfim, 10 anos depois de ter deixado o país, entre o receio das vítimas e o júbilo dos apoiantes.
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A recusa de Laurent Gbagbo em aceitar a derrota nas eleições presidenciaisde 2010 frente ao atual chefe de Estado, Alassane Ouattara, desencadeou meses de violência que mataram pelo menos 3.000 pessoas e levaram o país à beira da guerra civil.
Laurent Gbagbo foi detido nos subterrâneos da residência presidencial e passou mais de uma década fora do país, grande parte da qual à espera de julgamento em Haia por crimes de guerra e contra a humanidade.
O regresso previsto de Gbagbo à Costa do Marfim está a mobilizar os seus apoiantes, que consideram que a acusação teve motivações políticas, e a ser encarado cautelosamente por Ouattara, reeleito em outubro para um contestado terceiro mandato, considerado inconstitucional pela oposição, e numa eleição que voltou a ficar marcada pela violência.
Gbagbo recebeu oficialmente quase 46% dos votos em 2010 e mantém uma forte base de apoiantes que alegam ter ficado de fora do processo de reconciliação nos anos que se seguiram à sua expulsão.
Vítimas têm "sede de justiça"
"Laurent Gbagbo, para certas comunidades de vítimas, é como o lobo que foi expulso do redil e está agora a regressar", disse Issiaka Diaby, presidente de um grupo de defesa das vítimas da violência política, conhecido como CVCI.
"As vítimas na Costa do Marfim têm sede de justiça, sede de verdade, sede de arrependimento, sede de reparação, através do sistema de justiça criminal", acrescentou.
Para Issiaka Diaby, "este é um elemento que sempre faltou à Costa do Marfim para se conseguir a reconciliação".
Gbagbo foi preso em 2011 e enviado seis meses depois para Haia para que pudesse ser julgado no TPI. Foi libertado da custódia há dois anos, mas tem vivido na Bélgica enquanto aguardava o resultado do recurso dos procuradores do TPI.
Espera-se que apanhe um voo comercial de Bruxelas, chegando na tarde de hoje ao Aeroporto Internacional Félix Houphouet-Boigny, em Abidjan.
À espera deverá estar também a sua mulher, Simone, que não deixou a Costa do Marfim e sobre a qual existe ainda pendente um mandado de captura do TPI decorrente do conflito pós-eleitoral.
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Apoiantes em festa
Os apoiantes de Gbagbo já começaram os preparativos para uma receção festiva, com cartazes com a foto do antigo chefe de Estado em exposição em várias zonas de Abidjan.
Uma semana após a absolvição de Gbagbo, Ouattara disse que as despesas de viagem do antigo Presidente, bem como as da sua família, seriam cobertas pelo Estado.
No entanto, continua a não ser claro o que acontecerá com outras acusações criminais pendentes contra o ex-presidente na Costa do Marfim. Gbagbo e três dos seus antigos ministros foram condenados a 20 anos de prisão sob acusações de invadirem a sucursal de Abidjan do Banco Central dos Estados da África Ocidental para obterem dinheiro no meio da crise pós-eleitoral em janeiro de 2011.
Para Ousmane Zina, cientista político da Universidade de Bouaké, "é improvável" que as autoridades marfinenses prendam o ex-chefe de Estado. "Em última análise, penso que as autoridades da Costa do Marfim não cometerão este erro, que seria um sério golpe para o processo de reconciliação e para a estabilidade do país", disse.
É, no entanto, provável que Ouattara imponha condições ao regresso de Gbagbo, num esforço para evitar reacender tensões do passado, acrescentou. "Antes de conceder um perdão ou amnistia, vai querer obter uma garantia de que o país permanecerá pacífico", afirmou Zina.
O Tribunal Penal Internacional confirmou em 31 de março a absolvição, pronunciada em 2019, de Laurent Gbagbo, considerando-o definitivamente inocente de crimes contra a humanidade e abrindo caminho para o seu regresso à Costa do Marfim. Em nome da "reconciliação nacional", as autoridades concederam a Gbagbo dois passaportes, um comum e um diplomático, no final de 2020.
Presidentes a todo o custo
São derrotados nas eleições, mas contestam os resultados. Mesmo depois de esgotarem todos os recursos, estes candidatos à mais alta magistratura continuam a reivindicar a Presidência.
Maurice Kamto: o auto-proclamado "presidente"
O candidato da oposição às presidenciais de 7 de outubro nos Camarões, Maurice Kamto, reivindica a vitória frente a Paul Biya. "Convido o Presidente da República a criar as condições para uma transição pacífica para proteger os Camarões de uma crise eleitoral desnecessária", declarou o líder do MRC - Movimento para o Renascimento dos Camarões.
Foto: AFP/Getty Images
Nelson Chamisa, o "presidente legítimo" do Zimbabué
O líder da oposição zimbabueana contesta a vitória do Presidente Emmerson Mnangagwa nas eleições de 30 de julho de 2018. Considera-se vencedor e reclama a cadeira presidencial numa cerimónia simbólica de tomada de posse, a 15 de setembro.
Foto: Reuters/P. Bulawayo
Cissé rejeita a tomada de posse de Keïta
Soumaïla Cissé não marca presença na cerimónia e fala num vazio de poder no Mali depois da tomada de posse "nula e de efeito nulo" do seu rival, Ibrahim Boubacar Keïta, a 4 de setembro de 2018. A 20 de agosto, o Tribunal Constitucional do Mali declarou Keïta vencedor das presidenciais com 67,16% dos votos na segunda volta de 12 de agosto contra os 32,84% de Soumaïla Cissé.
Foto: DW/K. Gänsler
Raila Odinga, efémero "presidente do povo"
A 30 de janeiro de 2018, o opositor que tinha boicotado as presidenciais de outubro de 2017 contra Uhuru Kenyatta autoproclama-se "presidente do povo" perante milhares de apoiantes, numa cerimónia simbólica em Nairobi. O país é palco de violência pós-eleitoral, mas, a 9 de março, Odinga e Kenyatta surpreendem ao anunciar a sua reconciliação.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/B. Jaybee
Jean Ping : "Exercerei o poder que me confiaram"
Dois anos após as presidenciais de agosto de 2016, o líder da oposição gabonesa continua determinado. A 31 de agosto, numa cerimónia de "homenagem aos mártires" da violência pós-eleitoral, em Libreville, diz que quer continuar a sua "luta" para "libertar" o Gabão. Jean Ping deposita esperanças nomeadamente no inquérito preliminar do Tribunal Penal Internacional sobre a crise pós-eleitoral no país.
Foto: DW/A. Kriesch
Kizza Besigye, o eterno rejeitado
Em fevereiro de 2016, o opositor histórico enfrenta Yoweri Museveni pela quarta vez no Uganda. Quando Museveni é declarado vencedor e se prepara para prestar juramento para um quinto mandato, Kizza Besigye toma posse como presidente numa cerimónia alternativa. Afirma "ter provas" da sua vitória. Detido e condenado por alta traição, é libertado algumas semanas depois.
Foto: DW/E.Lubega
André Mba Obame, o outro adversário de Ali Bongo
Inspirado pelos acontecimentos na Costa do Marfim, o antigo ministro "AMO" autoproclama-se presidente do Gabão, em janeiro de 2011, 17 meses depois de perder as presidenciais frente a Ali Bongo. Acusado de alta traição, refugia-se numa agência da ONU. Os problemas de saúde põem fim às suas ambições presidenciais. A sua morte, em abrir de 2015, aos 57 anos, leva a confrontos em Libreville.
Foto: cc-by-sa Ernest A. TEWELYO
Étienne Tshisekedi, duas vezes "presidente"
Em 2006 e 2011, o líder do principal partido da oposição congolesa (UDPS) declara-se vencedor frente a Joseph Kabila e "presidente eleito". Toma posse na sua residência em Limete, arredores de Kinshasa. O seu estado de saúde deteriora-se em 2014 e em 2017 morre com o eterno opositor o desejo de ocupar a cadeira presidencial.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Roge
Laurent Gbagbo, opositor histórico
No ano 2000, o líder do FPI declara-se vencedor frente a Robert Gueï e pede aos costa-marfinenses que saiam à rua para fazer cair o general. Os manifestantes atacam os agentes de segurança do chefe da junta militar. Os protestos continuam até que a polícia e, mais tarde, o exército, começam a passar para o lado de Laurent Gbagbo.
Foto: AP
John Fru Ndi às portas do palácio presidencial
John Fru Ndi autoproclama-se presidente a 21 de outubro de 1992. Dois dias depois, o Supremo Tribunal declara Paul Biya vencedor do escrutínio presidencial. O fundador do SDF contesta estes resultados nas ruas. É declarado o estado de emergência no nordeste do país e John Fru Ndi fica em prisão domiciliária.