Os antigos colaboradores da multinacional brasileira Vale, em Tete, e que atualmente pertence à Vulcan Resources, paralisaram as atividades desde a semana passada. Exigem esclarecimentos sobre o seu futuro laboral.
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Os antigos trabalhadores da Vale dizem estar em greve por não terem sido avisados nem sobre o processo de venda da Vale, nem sobre a transferência da mina de carvão de Moatize para a Vulcan Resources.
Afirmam que não conhecem ninguém ligado ao novo patronato e também não há comunicação entre as duas partes, até porque a marca da Vale continua patente em todos os equipamentos de trabalho.
"Parece que nos querem vender"
Além disso, temem pelo futuro na empresa, uma vez que não conhecem o comportamento e as exigências dos novos donos de uma das maiores minas de carvão mineral a céu aberto a nível mundial, lembra o representante dos trabalhadores, que preferiu ocultar o nome alegando possíveis represálias da empresa.
O boom do carvão em Moçambique
05:11
"Disseram que começou a trabalhar no dia 25, mas nós notámos a presença desta empresa desde o princípio deste ano, já estava aqui a operar, mas nunca essa empresa nova aproximou-nos para se apresentar sequer, para conhecer quem são os trabalhadores desta empresa", contou à DW.
O representante dos trabalhadores acrescentou ainda que "não podemos ser vendidos", numa alusão ao sucedido com a empresa.
"E mesmo a empresa Vale, que é dona desta mina, nunca nos despediu, nunca veio dizer nada com relação a esta venda. Então, nós como trabalhadores, achamos que não é correto. Parece que nos querem vender como venderam as máquinas, a terra e como venderam o carvão. Nós não somos carvão", sublinha.
A venda das minas da Vale em Tete, a linha férrea e a estrutura portuária em Nacala, no valor total de 257 milhões de euros, foi concluída em finais de abril, com o aval do Governo moçambicano, que vai receber mais-valias deste negócio.
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A empresa passa e os trabalhadores ficam
Abordado pela DW, o jurista, Roberto Aleluia, destaca a falta de conhecimento por parte dos colaboradores e encarrega essa missão à ministra do Trabalho e Segurança Social, por se tratar de um caso que mexe com o país.
"Era a altura certa para que a ministra de trabalho, sua excelência Margarida Talapa, viesse com máxima urgência e marcasse uma reunião com os trabalhadores", apela.
O advogado alerta ainda que a greve pode prejudicar os próprios trabalhadores."Transparece que os trabalhadores têm razão, mas na verdade, não tem razão e parece que o próprio Estado não deu a informação devida. Quanto à transação da empresa, o quadro pessoal também passa para a nova empresa. Ou seja, aqueles trabalhadores que estão lá vão permanecer com seus direitos, regalias e com os mesmos contratos", diz.
Até ao momento, nenhuma autoridade governamental se pronunciou sobre o caso. Já a Vulcan Resources num comunicado, mostrou a sua abertura em interagir com os trabalhadores, bem como em continuar a exploração do carvão de Moatize.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.