Em entrevista à DW África, o professor Eugénio Almeida afirma que a exoneração do General Sachipengo Nunda “é natural”. Já a saída do embaixador angolano em Lisboa, poderá ser uma “dica” para Portugal, diz.
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O Presidente angolano, João Lourenço, exonerou, esta segunda-feira (23.04), 22 altos responsáveis, sobretudo oficiais superiores, em funções entre o Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas (FAA) e a Casa de Segurança, entre os quais, o Chefe do Estado-Maior General das FAA, Geraldo Sachipengo Nunda.
Substituído pelo general António Egídio de Sousa Santos, Sachipengo Nunda, que ocupava este cargo desde 2010, já havia afirmado em novembro de 2017, que era "candidato para a reforma”, pois já havia completado 65 anos – quando a lei do serviço militar diz que o chefe do Estado-Maior General se pode reformar entre os 58 e os 60 anos de idade.
Mais recentemente, em março deste ano, foi constituído arguido num processo de alegada tentativa de burla de 50 mil milhões de dólares ao Estado angolano, por parte de um suposto fundo tailandês.
Em entrevista à DW África, o analista Eugénio Almeida, afirma que a saída de Sachipendo Nunda do cargo de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas "é natural”, não devendo ser entendida como o afastamento do Governo de mais um dos aliados de José Eduardo dos Santos. O também professor do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) chama a atenção para o facto de algumas das mudanças levadas a cabo no Governo de João Lourenço não poderem ser consideradas "exonerações”, mas sim”recolocações” e afirma que as alterações não ficarão por aqui.
Já no que toca à exoneração de José Marcos Barrica do cargo de embaixador da República de Angola em Portugal, anunciada também esta segunda-feira (24.04), Eugénio Almeida afirma que pode ser "uma dica” de Angola a Lisboa relacionada com a operação Fizz que envolve Manuel Vicente, ex vice-Presidente angolano.
DW África: João Lourenço exonerou hoje o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, um dos homens fortes do Governo do ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Como vê esta exoneração?
Eugénio Almeida (EA): Natural, creio que inclusivamente o general Sachipendo Nunda estava já a atingir o limite de idade e como tal era perfeitamente natural. Acresce, até para salvaguarda da sua integridade militar e moral, que ele supostamente estaria pendente de processo judicial, o que faz com que enquanto estivesse como Chefe do Estado- Maior estaria um pouco condicionado para poder defender-se justamente. Creio que estes dois fatores poderão ter pesado na decisão do Presidente João Lourenço.
DW África: Este general era um dos pesos pesados que ainda restavam no Governo de João Lourenço como herança de José Eduardo dos Santos...
EA: Eu não colocaria a situação nesses termos, até porque logo quando foi da tomada de posse do Presidente João Lourenço, quando ele começou a fazer algumas alterações, e mesmo a nível das Forças Armadas, um dos nomes que logo à cabeça começou a surgir como possível candidato a exoneração ou substituição foi precisamente o Sachipengo Nunda, e isso não aconteceu por duas razões: primeiro porque é um militar que, tal como João Lourenço foi, é respeitado no seio das Forças Armadas e também pelo facto de enquanto João Lourenço foi ministro da Defesa do anterior Governo de José Eduardo dos Santos, ter havido sempre uma relação cordial, e também de amizade, entre os dois. E portanto, penso que isso foi um factor que levou [João Lourenço] a não fazer [a exoneração] logo no momento e esperar pelo momento certo.
Exonerações em Angola não ficam por aqui, diz analista
DW África: Como avalia os nomes que têm sido escolhidos para substituir estes responsáveis nomeados por José Eduardo dos Santos?
EA: Alguns não têm sido claramente substituições, têm sido mais recolocações. Há casos concretos que sim, foram substituídos por outras pessoas e como tal há que ter em linha de conta aquilo que eram e aquilo que demonstraram para ocupar os cargos que estavam a ocupar. Há outros que, como se tem visto, até ao nível do Governo, têm sido, na opinião do Presidente João Lourenço, recolocados em sítios mais propícios ou que se coadunam mais como a sua situação. Portanto, em muitos casos, eu diria que não tem havido uma substituição mas mais uma recolocação.
DW África:Também foi exonerado hoje o Embaixador de Angola em Lisboa, Portugal...
EA: Sabemos que há, neste momento, um esfriar de relações [entre Angola e Portugal] relacionado com o processo Fizz. Esta poderá ser uma forma do Presidente João Lourenço dar uma indicação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português e ao Governo português que o assunto, ainda que haja total separação de poderes entre a justiça e o governo, mas que o Ministério dos Negócios Estrangeiros pode entrar em contacto com a colega da Justiça e agilizar o assunto, no sentido de verificar quais são as situações. Até por que, como se sabe, cada vez que o processo vai à barra do tribunal vem sempre qualquer coisa nova, e ultimamente as coisas novas relacionam-se com Manuel Vicente ser cada vez mais "branqueado” do que afundado no processo, portanto, pode ser também uma dica a Lisboa nesse sentido.
DW África: Acha que João Lourenço dará por encerradas as exonerações?
EA: Não creio. Para já, a nível de MIREX [ Ministério das Relações Exteriores, o ministro Miguel Augusto já tinha dito que vai haver muitas alterações. Eu sei de casos de pessoas que, em maio ou junho, vai regressar a Luanda e não sabem onde vão ser recolocadas. Portanto, naturalmente haverá sempre rotações, o que implica exonerações e alterações. Quanto a outras exonerações mais específicas, por exemplo a passagem à reserva de Vieira Dias Júnior "Kopelipa" que foi elevado a general e passado à reserva, é um indício de que ainda há muita coisa para ser feita. E depois há a situação em que ele neste momento ainda está constrangido com as normas que o MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola -determina e neste momento quem ainda é presidente do partido é José Eduardo dos Santos e que ele, como vice-presidente do partido, e de acordo com as normas dos estatutos do MPLA, tem de se subordinar ao MPLA, embora procure claramente não estar nesse sentido.
José Eduardo dos Santos: Percurso do "eterno" Presidente de Angola
José Eduardo dos Santos faleceu a 08.07.2022 numa clínica em Barcelona, onde estava internado há vários dias. O ex-Presidente, que se despediu da política angolana em setembro de 2018, governou o país de 1979 a 2017.
Foto: Paulo Novais/EPA/dpa/picture alliance
Engenheiro petroquímico
Em 1961, aos 19 anos, José Eduardo dos Santos junta-se ao MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, que luta contra o colonialismo português. Em 1963, é enviado com uma bolsa de estudos para a União Soviética, onde frequenta um curso de Engenharia Petroquímica em Baku, capital do atual Azerbaijão. Dos Santos também tem aulas de comunicação militar e regressa a Angola em 1970.
Foto: picture-alliance/dpa
Antecessor Agostinho Neto
Angola torna-se independente em 1975 e mergulha diretamente numa guerra civil entre os três movimentos de independência: MPLA, UNITA e FNLA. A capital Luanda é controlada pelo MPLA. O seu líder Agostinho Neto assume a Presidência do país e instala um regime monopartidário de inspiração marxista. Dos Santos assume vários ministérios, incluindo os Negócios Estrangeiros e Planeamento Nacional.
Foto: picture-alliance/dpa
Aliança com países comunistas
Depois da morte de Neto a 10 de setembro de 1979, em Moscovo, dos Santos é eleito a 20 de setembro pelo MPLA como novo Presidente. Consolida a aliança entre Angola e os países do bloco comunista como a União Soviética e a República Democrática da Alemanha (RDA). Em 1981, dos Santos visita a RDA e é recebido pelo secretário-geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha, Erich Honecker (à esq.).
Durante a visita à RDA em 1981, dos Santos passa pelo Muro de Berlim, na Porta de Brandemburgo, símbolo da "Guerra Fria" e da separação do mundo em dois blocos. Angola é um dos países onde o confronto entre os blocos comunistas e liberais se transforma numa "Guerra Quente". Os países comunistas querem evitar uma vitória da UNITA, apoiada pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América.
Foto: Bundesarchiv
Soldados cubanos
Em apoio militar ao Governo do MPLA, Cuba envia soldados a Angola. Os 40 mil soldados cubanos têm um papel decisivo para travar o avanço das tropas da UNITA e da África do Sul. Na foto: Soldados cubanos em Cuito Canavale no ano de 1988, uma das maiores batalhas da guerra civil. Três anos mais tarde, é assinado um primeiro acordo de paz na localidade de Bicesse, no Estoril, em Portugal.
Foto: picture-alliance/dpa
Mais guerra apesar de acordo de paz
As primeiras eleições de Angola tiveram lugar em 1992. O MPLA obteve maioria absoluta no Parlamento, mas dos Santos não conseguiu maioria absoluta na primeira volta das presidenciais. A UNITA e o seu candidato, Jonas Savimbi, não reconheceram os resultados por alegada fraude eleitoral. A segunda volta não teve lugar, pois a guerra recomeçou. Na foto: Soldados governamentais reconquistam Dondo.
Foto: picture-alliance / dpa
MPLA ganha terreno
Os EUA reconhecem o Governo do MPLA em 1993. O Ocidente perde o interesse na guerra civil em Angola após a queda do muro de Berlim. E, com o fim do apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, a UNITA perde outro aliado e fica cada vez mais isolada. O MPLA abandona a retórica comunista e torna-se capitalista, e as riquezas do petróleo fazem do partido um parceiro atrativo.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Opção militar prevalece
Em 1994, foi assinado outro acordo de paz em Lusaka, Zâmbia. Um ano mais tarde, dos Santos oferece o posto de vice-Presidente a Jonas Savimbi. Este recusa em 1997 e falha a formação de um Governo conjunto. A seguir, a guerra intensifica-se. Dos Santos aposta na opção militar e investe fortemente nas Forças Armadas. O núcleo duro do seu regime é formado por generais e pela Guarda Presidencial.
Foto: Getty Images/AFP/A. Jocard
Aliança com Kabila no Congo
Com a sua intervenção militar na segunda guerra do Congo a partir de 1998, Angola presta um apoio decisivo a Laurent-Désiré Kabila, Presidente da RDC (Rep. Democrática do Congo). Com a nova aliança, o MPLA consegue eliminar uma retaguarda da UNITA. Dos Santos estabelece Angola como uma das principais potências militares e políticas na África Austral. Também envia soldados para o Congo-Brazzaville.
Foto: picture alliance/AP Photo/P.Wojazer
Vitória total sobre Jonas Savimbi
Um embargo internacional de armas enfraquece a UNITA, cada vez mais isolada. Pouco a pouco, o exército do Governo conquista espaço. A 22 de fevereiro de 2002, mata o líder da UNITA, Jonas Savimbi. Nesse ano, as duas partes assinam mais um acordo de paz. Termina finalmente uma das guerras civis mais sangrentas, com cerca de um milhão de mortos e quatro milhões de deslocados e refugiados.
Foto: AP
Vestígios da guerra
Anos mais tarde, ainda são visíveis os danos da guerra, como nesta foto de 2009. O desenvolvimento do país ficou atrasado, estradas e caminhos-de-ferro tiveram de ser reabilitadas, campos desminados. No enclave de Cabinda, província nortenha rica em petróleo, continua outra guerra. Mas, até hoje, o movimento separatista FLEC não consegue ameaçar seriamente o poder do MPLA em Cabinda.
Foto: gemeinfrei
Eleições adiadas e canceladas
Originalmente previstas para 1997, as segundas eleições legislativas da história de Angola só tiveram lugar em 2008. O MPLA obteve 81,6% dos votos, a UNITA 10,4%. Houve queixas de um clima de intimidação durante a campanha e de desorganização do pleito. As eleições presidenciais, prometidas para 2009, nunca se realizaram. Mesmo assim, dos Santos continua no poder.
Foto: Reuters
Esperanças goradas da Alemanha
Em 2011, a chanceler alemã Angela Merkel (à esq.) visita Angola, dois anos após a visita de dos Santos a Berlim. Há empresários alemães com muito interesse em investir em Angola. Mas poucos investimentos chegam a ver a luz do dia, nos anos seguintes. Angola continua a ser um parceiro difícil para a Alemanha. Há poucas empresas alemãs dispostas a enfrentar o ambiente de negócios angolano.
Foto: dapd
Repressão contra opositores
A partir de 2011, eclode uma onda de manifestações inspirada na Primavera Árabe. Os protestos foram brutalmente abafados pela polícia, vários ativistas detidos e condenados por alegado golpe de Estado. Em 2013, a Guarda Presidencial mata dois opositores a tiro. Membros da seita adventista "A Luz do Mundo" também são brutalmente perseguidos. A polícia é ainda acusada de execuções extra-judiciais.
Foto: DW/N. Sul d´Angola
Finalmente eleito, mas apenas indiretamente
Em 2010, o Parlamento muda a Constituição e elimina as presidenciais. A eleição passa a ser indireta: É eleito como Presidente o líder da lista mais votada nas legislativas. O MPLA vence as eleições de 2012 com 71,9% dos votos. Após 32 anos no poder, dos Santos ganha pela primeira vez legitimidade eleitoral, embora apenas de forma indireta. Observadores criticam desvantagens da oposição.
Foto: picture-alliance/dpa
Homem de família
Para além dos militares, a família é outro núcleo do poder de José Eduardo dos Santos, que teve vários casamentos. A sua esposa atual é Ana Paula dos Santos (foto), antiga modelo, que conheceu quando ela trabalhava como hospedeira no avião presidencial angolano. Casaram-se em 1991 e tiveram quatro filhos. Nas eleições de 2017, Ana Paula dos Santos será candidata a deputada nacional pelo MPLA.
Foto: Reuters
Filha é a mulher mais rica de África
Mas é Isabel dos Santos, filha do primeiro casamento com Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xadrez que dos Santos conheceu em Baku, que tem maior protagonismo internacional. Através de uma licença de telecomunicações em Angola para a sua empresa Unitel, Isabel dos Santos construiu um império de negócios com atividades em Portugal e noutros países. É considerada a mulher mais rica de África.
Foto: picture-alliance/dpa
Filho administra fundo soberano
Em 2013, a nomeação de José Filomeno dos Santos, filho da segunda mulher de José Eduardo dos Santos, para liderar o Fundo Soberano de Angola gerou controvérsia. O fundo administra parte da riqueza petrolífera do país. O pai tem o apelido popular de "Zedú", o filho de "Zenú". A mãe de "Zenú", Filomena de Sousa, foi funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quando dos Santos foi ministro.
Foto: Grayling
Luxo e riqueza do petróleo
Nos últimos anos, milhares de milhões de dólares entraram nos cofres de Angola, um dos maiores produtores de petróleo de África. A Avenida Marginal de Luanda é símbolo da nova riqueza. Mas muito dinheiro desapareceu das contas do Estado, acusam organizações não-governamentais como a Human Rights Watch. O Fundo Monetário Internacional também pediu mais transparência.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Parceria com a China
A China é o novo parceiro de eleição de José Eduardo dos Santos. O país torna-se no maior comprador do petróleo de Angola e concede vários créditos para financiar grandes projetos. Ao contrário do FMI e de outros parceiros, a China não exige transparência, nem reclama dos direitos humanos. Nascem novos bairros em Luanda como Kilamba Kiaxi (foto), financiada e construída por empresas chinesas.
Foto: cc by sa Santa Martha
Pobreza continua apesar da riqueza
Apesar das receitas milionárias do petróleo, Angola continua a ter graves problemas de pobreza. Mesmo na capital Luanda, há bairros sem saneamento como o de Kinanga (foto). Muitos serviços de saúde continuam fora do alcance dos mais pobres: Angola tem das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo. O sistema de educação também é considerado inadequado para um país com tantos recursos naturais.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Homem discreto
José Eduardo dos Santos foi conhecido como um homem discreto. Entrevistas com ele são raríssimas. Não costumava dar conferências de imprensa e faz poucos discursos públicos. Nos últimos anos, esteve regularmente fora do país para longos tratamentos médicos em Barcelona, Espanha. Em África, os seus 38 anos no poder como chefe de Estado só foram superados por Teodoro Obiang da Guiné-Equatorial.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Sucessor como Presidente: João Lourenço
Depois de José Eduardo dos Santos anunciar que não seria candidato às eleições de 2017, o MPLA nomeou o ex-ministro da Defesa, João Lourenço, como candidato à sucessão. O MPLA ganhou as eleições de 23 de agosto e Lourenço é o novo Presidente de Angola. Mas dos Santos permaneceu por cerca de mais um ano na direção do partido e, deste modo, manteve uma considerável influência na política angolana.
Foto: Getty Images/AFP
Um ano mais tarde: sucessão no MPLA
Mesmo com José Eduardo dos Santos na chefia do MPLA, vários familiares seus perderam postos importantes: a filha Isabel foi exonerada como presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol e o filho Zenú deixou de chefiar o Fundo Soberano. A 8 de setembro, no congresso do partido, o seu sucessor na Presidência, João Lourenço (foto), assumiu a chefia do partido.
Foto: DW/Cristiane Vieira Teixeira
Tratamento em Espanha
Em 2019, José Eduardo dos Santos muda-se para Barcelona, em Espanha, para realizar com maior facilidade tratamentos numa das melhores unidades hospitalares europeias na valência de oncologia, que já tratava o ex-PR angolano há cerca de oito anos.
Foto: picture alliance/dpa
A morte do "eterno" líder angolano
Em 8 de julho de 2022, a Presidência angolana confirma a morte do ex-Presidente "após prolongada doença". Antes de falecer aos 79 anos, José Eduardo dos Santos passou duas semanas internado numa unidade de tratamento intensivo da clínica onde recebia tratamento médico em Espanha.