Dois analistas políticos ouvidos pela DW África acreditam que o ataque em Mocímboa da Praia e a necessidade de acelerar o processo de paz precipitaram as mudanças na cúpula da Segurança do Estado.
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O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, mexeu nas chefias militares e de Segurança do Estado ao exonerar na terça-feira (24/10) Júlio dos Santos Jane do Comando-Geral da Polícia da República (PRM), para o nomear Diretor-Geral do Serviço de Informações e Segurança (SISE), dispensando o General Lagos Lidimo que ocupava o cargo desde janeiro.
Também Graça Tomás Chongo, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Defesa (FADM), foi afastado do posto. As mudanças foram anunciadas através de um comunicado presidencial, sem espaço para perguntas de jornalistas e sem apontar as razões por detrás das medidas.
“O Presidente da República, numa cerimónia pública de entrega de galardões às chefias militares, fez menção à necessidade de expirar a mudança no xadrez”, recorda Adelson Rafael, analista político, que descarta que as exonerações tenham por base qualquer exigência da RENAMO, principal partido da oposição, no âmbito do processo de paz.
“Não, Filipe Nyusi não iria ceder a esse tipo de exigências. Mas não podemos esquecer que um dos aspetos em discussão na mesa de negociação entre o Governo e o partido RENAMO é a questão militar. Consta que o Chefe do Estado-Maior General já não gozava de muita boa saúde. Pode ser que aqui tenhamos um caso de juntar o útil ao agradável”, explica.
Três cargos vagos
Com estas exonerações, ficam vagos três cargos: o de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o de Comando-Geral da Polícia da República e o vice-comando, depois da morte na semana passada do vice-comandante José Weng San, que faleceu vítima de doença.
25.10.2017 Exonerações em Moçambique - MP3-Mono
Apesar das exigências da RENAMO em incorporar os seus quadros nas Forças Armadas de Defesa, Adelson Rafael afasta a hipótese de Nyusi ir buscar alguém à RENAMO. “O contexto político não permite que se vá buscar alguém à RENAMO, nem para o processo de liderança nem para a questão do vice-comando. O Presidente vai continuar a privilegiar a proveninência [de membros] das Forças de Defesa e Segurança e não vai buscar para as lideranças expostas alguém da RENAMO”, salienta.
A grande surpresa nas exonerações foi o afastamento do General Lagos Dinimo da Direção-Geral do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE). Albino Forquilha, analista politico-militar, aponta o ataque de um grupo islâmico em Mocímboa da Praia, que culminou com a morte de dois polícias e quatro civis, como o ponto de rutura.
“Ele pode não ter ficado muito atento aos assuntos que estavam a acontecer ou minimizou-os. E acabou por dar no que deu. Ele podia muito bem ter prevenido [o ataque]. A função dele era esta: colocar o Estado num lugar mais seguro através da informação que recolhe. As populações emitiram informações e emitiram sinais. Penso que foi mesmo uma falha”, aponta o comentador.
Nomes próximos a Nyusi
Para os lugares que por agora ficam vagos, Albino Forquilha julga que não faltarão nomes próximos a Filipe Nyusi. “Como sabe o nosso Presidente já foi ministro da Defesa e por isso pode ter nomes muito mais próximos que possam responder aos desafios que existem pela frente”, comenta.
“Mas acredito que temos muitos quadros que podem ocupar esses cargos e penso que o Chefe de Estado vai ter que brevemente conduzir pessoas para esses cargos, porque são postos que não podem ficar muito tempo desocupados”, assevera.
Opinião semelhante é a do analista político Adelson Rafael, que frisa que a tarefa do Presidente da República é encontrar figuras que contribuam para o processo de paz com a RENAMO. “O interesse é ir-se buscar pessoas consensuais para que venham contribuir. O [futuro] Chefe de Estado-Maior General deve ser uma figura consensual que também contribua para este processo”, conclui.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.