Expulsão de diplomata moçambicano "é um problema da Somália"
8 de abril de 2022O diplomata moçambicano Francisco Madeira que era, desde 2015, o representante especial do chefe da Comissão da União Africana (UA) na Somália foi, na quinta-feira, expulso do país. A expulsão foi ordenada pelo primeiro-ministro somali, Mohamed Hussein Roble, que declarou, em comunicado, que Francisco Madeira é considerado 'persona non grata' na Somália "por se envolver em atos inconsistentes com o seu estatuto".
Em Moçambique, a expulsão de Francisco Madeira é vista como irresponsável, uma vez que este é um profissional cujo percurso diplomático é descrito como "excelente". Disso não tem dúvidas o especialista em política internacional Wilker Dias, que afirma à DW que o diplomata "tem uma grande capacidade negocial e de gestão, principalmente na resolução de conflitos".
O analista considera que se pode estar perante um caso de "perseguição" de membros de missões diplomáticas por "comentários realísticos" que "incomodam a figura do primeiro-ministro, que tenta, a todo custo, tapar a voz do povo somali".
Também Dércio Alfazema, analista do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), considera que a decisão do primeiro-ministro somali prova a situação de instabilidade que se vive no país. Para Alfazema, esta expulsão "é um problema mais da Somália do que necessariamente do diplomata moçambicano e da União Africana".
'Dano colateral'
O primeiro-ministro somali e o Presidente Mohamed Abdullahi Mohamed têm vindo a confrontar-se regularmente nos últimos meses, alimentando uma crise política que está a atrasar a organização das eleições presidenciais, esperadas há mais de um ano. Mohamed Abdullahi Mohamed considerou, entretanto, "ilegítima", a expulsão do embaixador Francisco Madeira.
Wilker Dias não duvida que o diplomata esteja a ser vítima das divergências entre o primeiro-ministro e o Presidente do país.
"A situação política da Somália não é das melhores. Têm-se verificado digladiações entre os dois poderes, com acusações mais da parte do primeiro-ministro, que tenta usurpar o poder e aquilo que são as competências do Presidente da República".
O mesmo diz Dércio Alfazema, que considera que, enquanto a Somália não resolver os seus problemas, "vai [continuar] a encontrar um bode expiatório e a tomar medidas de forma irresponsável, e até ilegal".
Neste contexto, nota Wilker Dias, a Constituição da Somália "está a baralhar muitas pessoas". Para o especialista em política internacional, "deve-se fazer uma revisão da Constituição, porque não se entende quem tem mais poderes entre o primeiro-ministro e o Presidente", nota.
O confronto entre os dois governantes, considera ainda o analista, pode abrir futuramente "um conflito político com proporções muito maiores".
"Poderemos ter mais confrontos na Somália, teremos um agudizar da situação económica e social que se vive no país".
Segurança dos diplomatas
O analista Dércio Alfazema nota ainda que a posição do primeiro-ministro da Somália é uma chamada de atenção para a UA e para aquilo que são os problemas internos da Somália. Ou seja, frisa o analista do IMD, "é preciso estar alerta em relação à própria segurança do Dr. Madeira e de outros diplomatas baseados no país".
Por último, Alfazema acrescenta que a expulsão de Madeira mancha os corredores diplomáticos da UA, "mostrando que, como continente, poderemos ainda ter várias questões por limar e afinar-
"E, claramente, veio uma vez mais mostrar que África precisa definitivamente de ultrapassar esse ciclo de conflitos que tornam alguns países ingovernáveis."
O Governo moçambicano prometeu pronunciar-se em breve sobre a expulsão de Francisco Madeira.