Extradição de Chang: "A vitória do povo contra a impunidade"
António Cascais
10 de julho de 2023
O ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, está em vias de ser extraditado para os Estados Unidos. O ativista Adriano Nuvunga espera que Chang "fale sobre os mandantes políticos" do "grande calote".
No julgamento das dívidas ocultas a decorrer em Inglaterra há também novidades: O tribunal inglês decidiu, nomeadamente, que o julgamento deve avançar, mesmo caso o Governo de Moçambique não divulgue os documentos secretos solicitados pelo tribunal. Recorde-se que o Governo moçambicano ainda não divulgou os documentos secretos relativos às dívidas ocultas, que estão na posse do Gabinete do Presidente da República e do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE).
É sobre estes temas relacionados com o famigerado caso das "Dívidas Ocultas" que a DW conversou com o professor e ativista Adriano Nuvunga, diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), que tem vindo a acompanhar de forma intensa o processo.
DW África: Quatro anos e meio depois da sua detenção na África do Sul o antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang será, tudo indica, finalmente extraditado para os Estados Unidos. Seria, nesse caso uma boa notícia para a higiene democrática e judicial?
Adriano Nuvunga (AN): A extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos é uma boa notícia para os moçambicanos. É uma vitória contra a impunidade. É uma vitória da Justiça.
DW África: E o que é que a sociedade civil moçambicana espera para o futuro, depois de Manuel Chang ter sido extraditado para os Estados Unidos da América?
AN: O que nos interessa é, em primeiro lugar, que Manuel Chang fale sobre os mandantes, os mandantes políticos deste grande calote que são as dívidas ocultas. Segundo, que nos indique todos aqueles que comeram da gamela. E em terceiro lugar, queremos saber onde estão os 500 milhões de dólares que os auditores da Kroll não identificaram os justificativos para eles. Isto é o que nos interessa.
DW África: Sob o ponto de vista político, o que é que esta extradição significaria?
AN: Sob o ponto de vista político, isto é significativo para Moçambique, para os moçambicanos que hoje estão na miséria pelas ações engendradas por esse homem a mando de alguém, claramente. E isto tem um significado político importante, que é mesmo esse de dizer aos políticos de Moçambique que a posição pública que ocupam é para o atendimento das questões do desenvolvimento do nosso povo e não para pilharem os recursos em forma de corrupção.
DW África: Seria, portanto, uma vitória do povo moçambicano?
AN: Isto é a vitória do povo contra a impunidade. E uma mensagem muito clara àqueles que estão na posição do poder hoje, que podem fazer todos os esquemas que empurram o povo a miséria, a pobreza, mas serão apanhados.
Dívidas ocultas: O crime compensa?
22:37
DW África: Mudando de assunto, o que é que se pode dizer sobre o julgamento das dívidas ocultas a decorrer em Londres?
AN: O julgamento em Londres é igualmente importante e lamentamos que se realiza sem que os documentos importantes tenham sido disponibilizados. E isto implica o Presidente, acaba sendo uma litigância de má fé.
DW África: O Tribunal de Inglaterra diz que o julgamento deve continuar, apesar de Moçambique não ter entregue os documentos solicitados. Qual o seu comentário?
AN: O Estado moçambicano é que abriu o caso e depois não quer dar os documentos e isto mostra o nível de seriedade que o Estado moçambicano tem. E esta continuidade do caso nos dá esperança para que os representantes do Estado sejam intimados a entregar os documentos, porque são documentos importantíssimos, porque queremos compreender todos quantos cometeram das dívidas ocultas que hoje empurraram os moçambicanos para a pobreza.
Não querem dar os documentos porque estão implicados, não querem dar os documentos porque têm medo de sabermos toda a terra, toda a teia das dívidas ocultas. E este julgamento abrirá caminho nessa direção. Estamos, por isso, satisfeitos e o povo também está animado e com esperança de que este tipo de esquemas possa ter fim, porque a justiça vai ser feita.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)