A decisão da África do Sul de rejeitar o recurso contra a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos é uma "lição" para a Justiça moçambicana, diz analista à DW.
Adriano Nuvunga, coordenador do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), considera que a decisão do tribunal sul-africano sobre a extradição de Manuel Chang "é o fim de linha para as manobras dilatórias da Procuradoria-Geral da República".
"Também é o fim de linha de a PGR gastar dinheiro dos moçambicanos que não tem para tentar atrasar a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos da América", acrescenta Nuvunga.
O analista entende que o Governo de Moçambique não tem alternativa se não acatar esta decisão do tribunal sul-africano de extraditar Chang: "Contraria as suas intenções, mas promove o interesse público, promove o combate à corrupção na nossa região e a proteção dos direitos humanos".
Uma lição para a Justiça moçambicana
O analista Wilker Dias vê a extradição "inevitável" de Manuel Chang para os Estados Unidos da América como um revés para o sistema de justiça de Moçambique em termos de credibilidade interna e internacional.
"Para que um Estado tenha credibilidade, é preciso que tenha eficiência, habilidade", diz. Mas não terá sido isso que aconteceu neste caso. Aliás, a Procuradoria-Geral da República de Moçambique apresentou o pedido de recurso contra a extradição de Manuel Chang fora de prazo.
"Acredito que esta é a lição que nós ficamos a ter, e é um significado para Moçambique, perdendo este recurso,. Nós somos muito lentos quando o assunto é fazer justiça para beneficiar o povo. Temos essa suposição de que as pessoas gozam de presunção de inocência numa primeira instância, mas estamos a falar praticamente de um esquema que envolve altas patentes", lembra o analista.
Extradição pode ocorrer nos próximos dias
Não se sabe quando o ex-ministro das Finanças será extraditado para os Estados Unidos, mas Wilker Dias diz que este processo pode levar um "tempo não muito longo".
"Se calhar", avalia Dias, "nos próximos dias poderemos ver Manuel Chang a embarcar para os EUA para responder pelos crimes de que é acusado".
O ex-ministro das Finanças de Moçambique, acusado de ser uma figura-chave no escândalo de corrupção das dívidas ocultas, foi detido a 29 de dezembro de 2018 na África do Sul quando se dirigia aos Emirados Árabes Unidos, em férias.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)