Enquanto a PGR moçambicana defende a extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para Moçambique, Fórum de Monitoria do Orçamento diz que vai continuar a advogar pela sua extradição para os EUA.
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Os advogados de defesa do ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, estão convictos de que não haverá alternativa razoável para as autoridades sul-africanas não extraditarem Chang para Moçambique. Isso se deve ao fato de a imunidade parlamentar de Chang ter sido extinta com sua renúncia à posição de deputado da bancada da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e de haver um novo Parlamento já empossado no país.
Em Moçambique, há quem lamente a possibilidade de extradição do ex-ministro para Moçambique. O diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento, Adriano Nuvunga - que assumiu nesta terça-feira (11.02) a liderança do Fórum de Monitoria ao Orçamento (FMO) - acha que Chang poderia ser mais útil à justiça se não fosse extraditado ao seu país.
FMO quer ver Manuel Chang extraditado para os EUA
"Por ter estado no centro desta megafraude, ele vai permitir termos mais informação. Não só, é lá [na África do Sul] onde ele vai encontrar um julgamento adequado. Porque cá não existe um processo transparente contra ele. Todo o "indulho” político em torno do qual ele se encontra não nos dá confiabilidade nesse sentido”, acredita Nuvunga.
Transcorridos 14 meses da detenção de Chang pela Interpol, autoridades norte-americanas aguardam uma resposta ao pedido de extradição do ex-ministro para os EUA, mas as autoridades sul-africanas ainda não decidiram se atenderão à solicitação porque há um pedido de extradição posterior feito por Moçambique.
Washington já julgou um processo referente às dívidas ocultas e absolveu o principal suspeito, o empresário franco-libanês Jean Boustani. Ele foi julgado inocente dos crimes de fraude e lavagem de dinheiro, por falta de jurisdição dos tribunais norte-americanos.
Perante a decisão da justiça norte-americana, autoridades moçambicanas acreditam ter ficado demonstrado que a jurisdição adequada para julgar Chang é mesmo Moçambique. A Procuradoria-Geral da República de Moçambique (PGR) divulgou em comunicado que face aos caminhos jurisdicionais conduzidos pelos EUA no julgamento de Jean Boustani, que acabou absolvido, está em melhor posição de responsabilizar o ex-ministro das Finanças.
Celeridade dos processos
Chang é acusado de ter avalizado ilegalmente dívidas ocultas do Estado moçambicano de 2,2 mil milhões de dólares [2,016 milhões de euros] contraídas em 2013 e 2014 - em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB - pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
O FMO disse que irá continuar a advogar pela extradição do ex-ministro moçambicano para os Estados Unidos. A aliança de 20 organizações da sociedade civil moçambicana faz campanha de advocacia ampla para o não pagamento dos credores do que chama de "dívidas odiosas". O FMO exige a punição dos responsáveis pela contração das dívidas em Moçambique, na África do Sul, no Reino Unido e na Suiça.
Adriano Nuvunga disse que o FMO trabalha pela celeridade dos julgamentos das pessoas detidas em Moçambique por suposta ligação com as dividas ocultas e cujos processos estão em fase de acusação. Uma das campanhas previstas nos próximos tempos é a pressão para os órgãos competentes atuarem para a recuperação dos bens obtidos ilicitamente pelos arguidos, para além de todo um esforço previsto para a aprovação de uma lei de recuperação de activos.
"O trabalho do FMO nesse sentido é garantir que se possa dissuadir aqueles que, estando na governação hoje, queiram enveredar pelo caminho da corrupção”, adiantou.
Entre as organizações integrantes do FMO estão Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), N´Weti, Fundação para Desenvolvimento da Comunidade (FDC), Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil, entre outras.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)