Fabião Mabunda afasta possibilidade de devolução de dinheiro
Lusa
14 de setembro de 2021
Empresário admite ter feito pagamentos de serviços e bens ligados à construção e compra de imóveis da família de Gregório Leão. Mabunda, porém, não fala em danos aos moçambicanos: "Não há motivo para devolver dinheiro".
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O arguido Fabião Mabunda disse esta terça-feira (14.09) ter beneficiado de 0,4% do total que o grupo Privinvest terá desembolsado para Ângela Leão, arguida e mulher do antigo diretor da "secreta" moçambicana, afastando a possibilidade de devolução do dinheiro ao Estado.
"Eu recebi dinheiro da Privinvest e devolvi à Privinvest. Agora, o que está a falar de danos ao povo moçambicano: eu não entro nessa questão. O que eu ganhei foram 0,4% e não vejo motivo de eu ter de devolver este dinheiro ao povo moçambicano", declarou Fabião Mabunda, respondendo a questões colocadas pela Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM).
A OAM exerce o papel de assistente e auxiliar do Ministério Público no julgamento do processo das chamadas 'dívidas ocultas', que decorre na cadeia de máxima segurança de Maputo, vulgo BO, em tendas adequadas à dimensão do caso.
Mabunda, um empreiteiro de 43 anos, admitiu ter beneficiado de 0,4% de um total de 387 milhões de meticais [cinco milhões de euros], valores que, segundo o réu, teriam sido repassados alegadamente a um indivíduo do grupo Privinvest e para outras pessoas indicadas por Ângela Leão: empreiteiros e empresas de prestação de diversos serviços.
Serviços no porto de Maputo
O réu não respondeu à maior parte das questões colocadas pela Ordem dos Advogados na sessão de hoje, considerando que já tinham sido esclarecidas. Na sessão de segunda-feira, Mabunda admitiu ter feito pagamentos de vários serviços e bens ligados a obras de construção e compra de imóveis da família de Gregório Leão.
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O arguido disse que a sua empresa de construção civil assinou com uma pessoa que se identificou como estando ao serviço da Privinvest um contrato de empreitada que seria executado na doca do porto de Maputo, o que nunca chegou a acontecer. O contrato foi assinado com a Privinvest, empresa de estaleiros navais com sede em Abu Dabi, após o banco onde era depositado o dinheiro exigir o fundamento da primeira transferência daquela companhia, no valor de um milhão de dólares [846 mil euros].
O Ministério Público acusa o antigo diretor do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) e a sua mulher de terem recebido cerca de nove milhões de dólares [7,6 milhões de euros] de subornos pelo papel que Gregório Leão teve para a aprovação do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva usado como ardil para a contratação das 'dívidas ocultas'.
Nas alegações que leu no primeiro dia do julgamento, em 23 de agosto, o Ministério Público acusou os 19 arguidos das 'dívidas ocultas' de se terem associado em "quadrilha".
Prejuízos ao Estado
A conduta dos 19 arguidos, prosseguiu, delapidou o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares [2,28 mil milhões de euros] - valor apontado pelo Ministério Público e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
Para o Ministério Público moçambicano, entre os diversos crimes que os arguidos cometeram incluem-se associação para delinquir, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, peculato, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.
As 'dívidas ocultas' foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM. Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo
A próxima sessão do julgamento está marcada para quinta-feira, dia em que será ouvida Ângela Leão, arguida e mulher do antigo diretor da "secreta" moçambicana Gregório Leão.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.