Falta apoio a alunas sequestradas pelo Boko Haram na Nigéria
Adrian Kriesch | António Cascais
21 de julho de 2018
Grupo de 100 alunas sequestradas pelos extremistas islâmicos em fevereiro num colégio de Dapchi tem dificuldade para reintegrar-se após a libertação. Alguns pais temem o retorno das estudantes para a escola.
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Na Nigéria, o Governo pouco ou nada faz para reintegrar as crianças que foram sequestradas pelos terroristas do Boko Haram e que, mais tarde, conseguiram ser libertadas. É essa a opinião de Florence Ozor, do movimento nigeriano "BringBackOurGirls", "tragam de volta as nossas meninas", entrevistada pela DW.
"Não se pode ficar inativo e pensar que as meninas libertadas do cativeiro do Boko Haram sejam capazes de se libertarem dos traumas sofridos, sem qualquer acompanhamento psicológico", diz Florence Ozor.
Falta apoio às crianças sequestradas pelo Boko Haram na Nigéria
"Essas meninas precisam de apoio de médicos e assistentes sociais especializados para que sejam capazes de, pouco a pouco, digerir as violências a que foram expostas. É um caminho longo e difícil, que terá que ser planeado minuciosamente. Mas o Governo nada fez nesse sentido", acrescenta a ativista.
Acesso ao ensino escolar para um dia poderem ter uma vida autodeterminada é isso que desejam as duas irmãs Falmata e Aisha, que o repórter da DW Adrian Kriesch teve a oportunidade de visitar. As duas meninas fazem parte de um grupo de 100 crianças que foram sequestradas em fevereiro por combatentes do Boko Haram, que atacaram o colégio de Dapchi, uma escola com mais de 900 alunas.
Um mês depois, após difíceis negociações entre os terroristas e o Governo da Nigéria, as meninas conseguiram ser libertadas, mas as feridas causadas pelo sequestro ainda não cicatrizaram. A maior parte das meninas já voltou às aulas, mas o medo está presente. Há pais que até preferem que as filhas não voltem para a escola.
Sonhos para o futuro
Falmata tem 15 anos de idade e usa um hijab vermelho, um véu que cobre a sua cabeça. Um dia gostaria de ser advogada, conta ao repórter da DW. Aisha, de 14 anos, e de véu verde-oliva, diz que gostaria de ser médica.
O pai das duas meninas não apoia a ideia. Verificou-se que frequentar a escola pode ser perigoso. A qualquer momento pode haver novos ataques. As suas filhas até já estão na idade para se casarem, afirma o pai, e de irem viver para as casas dos maridos. Então, caberá aos maridos decidirem se querem que as mulheres frequentem escolas ou não, afirma ainda o pai de Falmata e Aisha.
Não se trata de um caso isolado no nordeste da Nigéria. Segundo o UNICEF, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, mais de 10 milhões de crianças na Nigéria não frequentam qualquer escola. A situação tem vindo a deteriorar-se sobretudo no nordeste do país, onde é mais agudo e visível o conflito com os jihadistas do Boko Haram. Nos últimos anos, o grupo terrorista terá destruido mais de 1.400 escolas e assassinado perto de 3 mil professores, segundo as Nações Unidas.
Em abril, assinalou o quarto aniversário do sequestro de 276 estudantes em Chibok, no nordeste do país, renovando os pedidos para a libertação das centenas de outras pessoas ainda nas mãos do grupo extremista islâmico. Quatro anos depois, 112 raparigas continuam em cativeiro e tornaram-se um símbolo dos abusos da insurgência islâmica no nordeste da Nigéria.
Reféns do Boko Haram libertados na Nigéria: "Ainda dói"
As 293 mulheres e crianças libertadas na semana passada pelo exército nigeriano das mãos do Boko Haram foram levadas para um campo de refugiados perto da cidade de Yola. Mas o seu sofrimento está longe de terminar.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
O sorriso perdido
"O que se percebe imediatamente é que as crianças aqui quase não riem", conta um funcionário do acampamento de Malkohi, na periferia da cidade nigeriana de Yola. Cerca de metade das perto de 300 pessoas que eram mantidas em cativeiro pelo Boko Haram tem menos de 18 anos. Um terço das crianças no acampamento sofre de desnutrição.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Primeiros dias de vida no acampamento
Lami Musa é mãe da mais recente moradora do acampamento de Malkohi. Deu à luz na semana passada. Um dia depois foi salva por soldados nigerianos. Durante a operação de resgate várias mulheres foram mortas pelos terroristas. "Apertei firmemente a minha filha contra o meu corpo e inclinei-me sobre ela", recorda a jovem mãe.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Filho perdido durante o cativeiro
Halima Hawu não teve tanta sorte. Um dos seus três filhos foi atropelado enquanto os terroristas a raptavam. Durante a operação de resgate um soldado nigeriano atingiu-a numa perna, porque os membros do Boko Haram usam as mulheres como escudos humanos. "Ainda dói, mas talvez agora o pior já tenha passado", espera Halima Hawu.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Poucos alimentos para as crianças
Babakaka, de três anos, teve de passar seis meses com o Boko Haram. Só raramente havia algum milho para as crianças, contam antigos prisioneiros. Quando foram libertados pelos soldados, Babakaka estava quase a morrer de fome. Babakaka continua extremamente fraco e ainda não recebeu tratamento médico adequado no acampamento.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Sobrevivência por um triz
A mãe de Babakaka foi levada para o Hospital de Yola juntamente com cerca de outras vinte pessoas gravemente feridas. Durante a fuga, alguém que seguia à sua frente pisou uma mina. A explosão foi tão forte que a mulher ficou gravemente ferida. Perdeu o bebé que carregava.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Roupas usadas do Ocidente
Exceptuando algumas doações de roupas velhas, ainda não chegou muita ajuda internacional às mulheres e crianças do acampamento de Malkohi. Aqui há falta de muitas coisas, sobretudo de pessoal médico. Não há qualquer vestígio do médico de serviço no acampamento. Apenas duas enfermeiras e uma parteira mantêm em funcionamento o posto de saúde temporário.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
Dependentes de voluntários
"Não entendo por que motivo o nosso serviço de emergência nacional não faz mais", reclama a assistente social Turai Kadir. Por sua própria iniciativa, Turai Kadir chamou uma médica para tratar das crianças mais desnutridas. Na verdade, essa é a tarefa da NEMA, a agência nigeriana de gestão de emergências, que está sobrecarregada.
Foto: DW/Jan-Philipp Scholz
"Incrível capacidade de resistência"
Regina Musa voltou há poucos meses dos Estados Unidos para dar aulas de Psicologia na Universidade de Yola. Agora, a psicóloga presta aconselhamento psicológico a mulheres e crianças. "As mulheres têm demonstrado uma incrível capacidade de resistência", diz Musa. Durante o período traumático, muitas delas também se preocupavam com os filhos de outras pessoas. Autor: Jan-Philipp Scholz (em Yola)