Falta de esperança no futuro explica conflito na RCA
Wendy Bashi
25 de novembro de 2017
Em entrevista exclusiva à DW África, o chefe de Estado centro-africano, Faustin-Archange Touadéra, afirma que os jovens precisam de visão e esperança, para deixar de sonhar com a fuga para a Europa.
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A República Centro-Africana é o país mais pobre do mundo, de acordo com o ranking anual da Global Finance Magazine. Em plena guerra civil, milícias e grupos de bandidos incendeiam aldeias, matam, roubam e violam civis, em clima de impunidade.
O país tem cerca de 600 mil deslocados internos e outros tantos fugiram para se refugiarem nos países vizinhos. Segundo as Nações Unidas, metade da população precisa de ajuda humanitária para sobreviver.
Faustin-Archange Touadéra é chefe de Estado da República Centro-Africana desde 2016. Em entrevista exclusiva à DW, Touadéra falou sobre algumas das razões do conflito e sobre o progresso do Tribunal Especial para julgar os graves crimes contra a humanidade.
DW África: Veio ao continente europeu para participar numa conferência em Bruxelas que visa renovar a parceria da Europa com África. Na conferência, lembrou os líderes presentes dos projetos que já existem entre as duas regiões, especialmente entre a Europa a República Centro-Africana.
Faustin-Archange Touadéra (FAT): A União Europeia é o parceiro mais importante da República Centro-Africana. Hoje em dia, essa parceria tem sido desenvolvida juntamente com africanos, ou seja, integra a nossa visão. Essa mudança é importante para que possamos articular melhor opções concretas para esta parceria.
DW África: Uma palavra que surge frequentemente quando se fala da República Centro-Africana é Bangassou, uma localidade na fronteira congolesa, palco da violência de milícias. A situação de segurança é extremamente precária. O que diz às pessoas de Bangassou que querem emigrar para a Europa?
FAT: O nosso país tem muitas minas de diamantes e ouro, o que atrai bandidos e grupos armados que querem enriquecer. Estamos a trabalhar juntamente com as Nações Unidas para proteger as pessoas e lutar contra o banditismo. Mas os conflitos são o motivo da falta de esperança nas pessoas. Se conseguirmos estancar o conflito e encontrar a paz e a reconciliação nacional, e se conseguirmos trabalhar com os nossos parceiros de forma a permitir que os jovens tenham visão e perspetiva para o futuro, conseguiremos ter o controlo do problema.
DW África: A República Centro-Africana criou um Tribunal Especial em 2015 que pretende lidar com as graves violações dos direitos humanos e crimes de guerra [de 2013 a 2015, período em que despoletou uma série de conflitos armados e a guerra civil]. Mas parece que as infraestruturas, e sobretudo o dinheiro, estão em falta para pôr o tribunal em funcionamento.
FAT: O Tribunal Especial é uma instituição do Estado. Estamos a pedir ajuda aos nossos parceiros para nos ajudarem a fortalecer as estruturas legais, particularmente para este tribunal, que, de facto, precisa de dinheiro, e depois poderá começar a funcionar.
DW África: Quando exatamente poderá começar a funcionar?
FAT: Já criamos todas as infraestruturas necessárias. Agora, precisamos de acabar a construção para que os juízes e procuradores possam começar a trabalhar.
Fuga e sofrimento na República Centro-Africana
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Aqueles que podem, fogem. Aqueles que permanecem, lutam todos os dias pela sobrevivência.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Refúgio no aeroporto de Bangui
Desde o golpe de Estado, há um ano, a situação na República Centro-Africana está fora de controle. Milícias cristãs e muçulmanas promovem amargos combates. Um milhão de pessoas estão em fuga. Quase todos os muçulmanos deixaram a capital, Bangui. Entre os que permaneceram, algumas centenas encontram abrigo num velho hangar do aeroporto.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Perder tudo
O marido de Jamal Ahmed tinha guardado dinheiro suficiente para a fuga de sua família, quando as milícias cristãs chamadas "Anti-Balaka" invadiram sua aldeia natal. As poucas economias não foram suficientes - ele pagou com a vida. Jamal Ahmed vive no acampamento que surgiu no aeroporto: "Não conheço ninguém aqui. Não tenho mais nada. Não sei como será daqui para a frente.”
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ver os netos mais uma vez
Aos 84 anos, Fatu Abduleimann está entre os moradores de idade mais avançada do campo de refugiados do aeroporto. Nas últimas décadas, Fatu assistiu a muitas dificuldades em sua terra natal. Mas nunca foi tão ruim quanto agora, diz a idosa. Seu único consolo: a maioria dos seus filhos conseguiu fugir para o Chade. Seu maior desejo: "ver os meus netos mais uma vez."
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Quilómetro Cinco, uma cidade fantasma
Exceto o acampamento de refugiados no aeroporto, quase todos os muçulmanos deixaram a cidade. Há alguns meses, o chamado "Quilómetro Cinco" era um animado centro da comunidade muçulmana. Mais de 100.000 pessoas moravam e trabalhavam aqui, a cinco quilómetros do centro da capital, Bangui. Agora, restaram apenas algumas centenas de pessoas. As lojas estão fechadas até nova ordem.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Esperar o momento certo
Quase todos os muçulmanos que ainda restam no "Quilómetro Cinco" querem apenas uma coisa: sair daqui. Os caminhões para a fuga estão prontos. Eles esperam que um comboio tenha como destino os países vizinhos como os Camarões ou o Chade.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
A cidade de campos de refugiados
Não apenas os muçulmanos temem por suas vidas. Por toda a cidade de Bangui pode-se encontrar acampamentos provisórios em que a maioria da população, cristãos e animistas, procura proteção - por medo de um retorno das milícias islamistas ou simplesmente porque não têm o que comer - e espera por doações de alimentos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Ajuda sobrecarregada
O Pastor David Bendima recebeu, na sua igreja, mais de 40 mil pessoas que fugiram dos combates no centro da cidade. Mas ele também não pode garantir-lhes segurança suficiente. "Todas as noites ouvimos tiros e granadas explodindo. As pessoas estão com muito medo", diz o pastor. Ele parece cansado.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Últimas reservas
Chancella Damzousse, de 16 anos, vive em uma aldeia a meia hora de distância de Bangui. Ela prepara o jantar. "Tudo o que resta são alguns grãos de feijão e um pouco de gergelim", diz a jovem. 15 pessoas terão que se satisfazer com a refeição. Desde que milícias muçulmanas destruíram o lugar há alguns meses e mataram muitos cristãos, a família de Chancella recebeu vários vizinhos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Vítimas, autores, centinelas
Ao lado da casa de Chancella, há um guarda da milícia Anti-Balaka. Os amuletos em seu corpo o tornam invulnerável contra balas, explica ele. A milícia tomou o controle da região. Seu trabalho é proteger os moradores da aldeia do ataque de outros rebeldes. No entanto, a sua proteção aplica-se apenas aos cristãos - há muito tempo os muçulmanos deixaram o local ou foram mortos.
Foto: Kriesch/Scholz/DW
Presença internacional
Sete mil soldados da União Africana e da França têm a responsabilidade de garantir a segurança no país dilacerado. A situação humanitária está piorando a cada dia, no entanto. Em 1 de abril, a União Europeia lançou oficialmente a sua operação militar na República Centro-Africana, com um contingente de até mil homens para reforçar as tropas francesas e africanas por um período de até seis meses.