Falta de fundos condiciona luta contra o HIV em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
11 de dezembro de 2020
Moçambique é o quarto país mais afetado pelo HIV/SIDA no mundo. Mas a falta de fundos condiciona o trabalho de quem luta contra a doença. Parlamentares querem reforço do financiamento, sobretudo nacional.
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A Khindlimuka é uma das associações pioneiras em Moçambique que trabalham na luta contra o HIVSIDA. Criada em 1996, a Khindlimuka - que na língua portuguesa significa despertar - tem como objetivo apoiar todas as pessoas vivendo com o HIV/SIDA, incluindo crianças órfãs. Hoje, algumas delas tornaram-se chefes de família, ainda menores de idade, como forma de garantirem o seu sustento e dos irmãos.
A coordenadora da associação, Irene Cossa, contou à DW África que antes de diminuir o financiamento, chegaram a ter à volta de 10 projetos. "Mas chegou uma certa altura em que ficamos sem nenhum projeto e de momento só temos um projeto. Trabalhamos para apoiar crianças órfãs com HIVSIDA e trabalhamos muito para apoiar a área do aconselhamento e retenção das pessoas no tratamento", explica.
Moçambique é o quarto país mais afetado pelo HIV/SIDA no mundo, com uma taxa de prevalência de cerca de 13%, segundo um informe do Gabinete Parlamentar de Prevenção e Combate ao HIVSIDA.
Deputados pedem mais financiamento
Esta quarta-feira (09.12), os deputados recomendaram o aumento do financiamento aos programas de luta contra o HIV/SIDA, em particular a alocação de recursos nacionais, por forma a tornar mais sustentável a resposta ao combate a doença, que depende em cerca de 95% de financiamento externo.
De acordo com o informe do Gabinete Parlamentar de Prevenção e Combate ao HIV/SIDA, apresentado pela presidente deste órgão, Maria Anastácia da Costa Xavier, "em 2017, 2019 e 2020 não houve financiamento através do fundo do Orçamento do Estado."
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A redução do financiamento externo remonta a 2008, recorda a Presidente do Gabinete Parlamentar. "Nos finais de 2008, os parceiros deixaram de apoiar o Conselho Nacional de Combate à SIDA (CNCS), culminando com a redução do número das organizaçoes comunitárias de base de 1600 em 2008 para 178 em 2013."
Anastácia Xavier acrescentou que com esta retirada do financiamento externo verificou-se, igualmente, uma redução acentuada dos serviços de HIV/SIDA fornecidos pelas organizações comunitárias de base que trabalham na luta contra esta doença.
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Abandono dos tratamentos
As associações têm privilegiado, entre outros programas, o aconselhamento dos cidadãos para fazerem a testagem.
A coordenadora da Khindlimuka explica que outra preocupação está relacionada com os elevados índices de abandono do tratamento da doença. "Fome, estigma e discriminação é que fazem com que as pessoas abandonem o tratamento", diz Irene Cossa.
A Khindlimuka ajuda algumas das pessoas mais carenciadas atribuindo um subsídio mensal de 1.500 meticais, o equivalente a cerca de 16 euros. "Infelizmente não conseguimos dar a todo o universo dos nossos beneficiários que nós temos na Khindlimuka. Temos mais de quatro mil beneficiários, principalmente em Maputo província", esclareceu a coordenadora da associação.
Kasensero: local de origem da SIDA
Quando a primeira epidemia de SIDA global aconteceu na aldeia de Kasensero no Uganda, muitos acreditavam que se tratava de bruxaria. Médicos identificaram a doença como vírus. Hoje, 33% dos habitantes são seropositivos.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma aldeia de pescadores
Kasensero é uma aldeia pequena e pobre situada na margem do Lago Vitória no distrito de Rakai no sul do Uganda na fronteira com a Tanzânia. Em 1982, a aldeia tornou-se famosa a nível mundial. Em apenas alguns dias morreram milhares de pessoas com uma doença desconhecida. O HIV já era conhecido nos EUA, na Tanzânia e no Congo. Mas uma epidemia com esta dimensão nunca tinha acontecido.
Foto: DW/S. Schlindwein
Milhares de pessoas morrem
Kasensero 1982: Thomas Migeero era a primeira vítima. Primeiro perdeu a fome e depois os cabelos. No fim ele só era pele e osso, se lembra o seu irmão Eddie: "Alguma coisa dentro dele comeu-lhe". Durante o funeral, o seu pai não se aproximou do caixão. Todo mundo acreditava numa maldição. Hoje sabemos: morreu de SIDA.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma cidade morta
Quando a doença começou a matar milhares de pessoas, os habitantes começaram a abandonar a cidade. As famílias que podiam partiram e deixaram os seus campos de milho, e os bovinos e caprinos. Até hoje, Kasensero parece uma cidade abandonada e morta. Só os mais pobres ficaram.
Foto: DW/S. Schlindwein
Como o vírus chegou a Kasensero
Presumivelmente o vírus chegou através das rodovias da África Oriental a Kasensero. Condutores de veículos pesados passam a noite nos postos fronteiriços de Kasensero. Muitos procuram prostitutas como esta mulher de 30 anos de vestido rosa, que gostaria não ser reconhecida. Conta que os homens pagam quatro vezes mais para o sexo sem preservativo. Ela não se importa, pois é seropositiva.
Foto: DW/S. Schlindwein
SIDA como normalidade
Joshua Katumba é seropositivo. O pescador de 23 anos nunca visitou uma escola e não sabe ler e escrever. Não tem uma perspetiva para um futuro melhor – como a maioria dos que vivem em Kasensero. Um terço dos habitantes estão infetados com o vírus da SIDA – um dos índices de contaminação pelo HIV mais altos do mundo.
Foto: DW/S. Schlindwein
Medicamentos grátis
Yoweri Museveni, o Presidente do Uganda, foi o primeiro presidente da África, que reconheceu a SIDA como uma doença. A seguir, o Uganda desenvolveu-se como modelo da luta contra a SIDA. Pesquisadores internacionais chegaram a Rakai. Subsídios foram distribuídos. No hospital da região, os doentes com HIV passam horas em fila para buscar os seus medicamentos: são grátis.
Foto: DW/S. Schlindwein
Violência sexual
Há cinco anos, que Judith Nakato é seropositiva. Provavelmente ela foi infetada quando foi estuprada e ficou grávida. Pouco antes do parto, os médicos perceberam que ela tinha o vírus e conseguiram evitar uma transmissão ao bebé. Todos os dias, Judith tem que tomar os seus medicamentos contra a SIDA.
Foto: DW/S. Schlindwein
Anti-retrovirais escassos
Desde que Judith Nakato começou a tomar os seus medicamentos, conseguiu voltar a trabalhar. Os comprimidos, chamados anti-retrovirais ou ARV, evitam que a SIDA se desenvolve totalmente. Os medicamentos são pagos pelo Fundo Global contra a SIDA. Mas Judith Nakato tem que deslocar-se a uma outra cidade a mais de cem quilómetros para receber a sua medicação, pois os medicamentos são escassos.
Foto: DW/S. Schlindwein
Pacientes estão moribundos
Olive Hasal de 50 anos emagreceu a pele e ossos. Ela respira com muito esforço e os olhos parecem cansados. Ela mostra o comprimido que está embrulhado num pano. "Este é o último", diz ela. Hasal já viu morrer o seu marido e as suas duas crianças. Ela sabe que ela também vai morrer se ninguém for buscar os medicamentos na capital do distrito que fica a 140 quilómetros de distância.
Foto: DW/S. Schlindwein
Modelo contra a luta de SIDA?
Uganda foi considerado modelo da luta contra a SIDA: grandes somas de dinheiro foram doadas pela comunidade internacional. No início com sucesso: os casos de infeções diminuíram em cerca de dois terços a partir de 1990. Mas nos últimos dez anos, o número das infeções aumentou novamente.
Foto: DW/S. Schlindwein
Testes clínicos e pesquisas
Desde as primeiras tentativas de terapias em 1996, os habitantes foram usados para estudos de longo prazo. Kasensero é o laboratório das pesquisas globais da SIDA. O resultado da pesquisa mais recente: homens circuncidados reduzem o risco de infeção em 70 %. O Uganda aposta agora na circuncisão masculina para reduzir a propagação do HIV-SIDA.