Falta de infraestrutura atrasa revolução digital em África
30 de maio de 2019Apesar das conquistas digitais em África, a necessidade de investimentos é elevada e o mercado está longe de estar desenvolvido.
De acordo com um estudo recente do Banco Mundial, baseado numa série de sondagens realizadas nos últimos anos, apenas uma em cada cinco pessoas na África subsaariana utiliza a Internet.
O continente ainda está muito abaixo da média global, que atualmente é de pouco mais de 50%.
Os números escondem, no entanto, as grandes diferenças regionais no continente, afirma Félix Blanc, da organização não governamental francesa Internet Sem Fronteiras (ISF). "Em países como a Libéria e o Quénia, 80% da população tem acesso [à Internet]. Já outros países são verdadeiros desertos em termos de conexão," relata.
A República Centro-Africana, por exemplo, está longe de todas as linhas costeiras e, por conseguinte, não tem acesso aos cabos submarinos de alta velocidade com acesso às plataformas internacionais.
Dinheiro vs. poder
Os atores mais importantes na infraestrutura da Internet em África são as gigantes multinacionais de telecomunicações, como a MTN, com sede na África do Sul, a francesa Orange e a Bharti Airtel da Índia.
As empresas estatais desempenham agora um papel menor. Embora quase metade dos prestadores de serviços africanos fossem estatais em 2000, atualmente apenas cerca de um quinto continua nas mãos do Estado. Analistas dizem que isto se deve principalmente ao aumento dos custos.
"Muitos países não podem pagar isso sozinhos e, portanto, dependem dos investimentos de empresas estrangeiras", explica a cientista política Tina Freyburg.
Este é um dilema para os respetivos governos. Para regimes autoritários, em particular, o controlo sobre a infraestrutura digital é um ingrediente fundamental para manter o poder.
No passado, alguns governos africanos tornaram o acesso a algumas redes sociais como o Twitter e o Facebook mais difícil ou chegaram a suspender por completo a Internet, especialmente no contexto de eleições e manifestações. E os regimes não querem que este instrumento de poder lhes seja retirado. Por isso, estão a exercer pressão sobre os prestadores de serviços. E estes, normalmente, estão dispostos a cooperar.
Félix Blanc, da ISF, afirma que mesmo empresas europeias como a Orange aceitariam a censura se isso lhes der acesso a novos mercados. Os atores económicos tornar-se-iam, então, cúmplices se os governos ameaçassem retirar as suas licenças.
Mas a censura e a suspensão da conexão não afetam apenas os usuários, defende a cientista política, Tina Freyburg: "Facebook, Google, Amazon, entre outros, têm o problema de também estarem dependentes dessas empresas. E se, por exemplo, uma MTN no Uganda favorece um apagão da Internet, o Facebook também será desligado", explica.
60 satélites no espaço
A independência das empresas de telecomunicações e, assim, da censura de regimes autoritários é uma das razões pelas quais as gigantes de tecnologia estão a lutar pelo mercado das infraestruturas.
O consultor e ativista da Internet Steve Song está convencido de que, graças aos investimentos dos Estados Unidos da América, o continente africano entrará para a vanguarda do desenvolvimento tecnológico.
Song escreve desde 2014 um relatório anual sobre o estado atual da infraestrutura digital no continente e deposita esperanças em projetos como o Starlink, promovido pela empresa espacial SpaceX, de Elon Musk. Uma nova geração de satélites que circulam o globo numa órbita muito baixa e de lá fornecem acesso à Internet deverá ser utilizada para servir áreas remotas.
Os primeiros 60 dos 12.000 satélites planeados foram lançados para o espaço a 24 de maio.
Um modelo de Internet mais justo
Amazon, Facebook e Google também estão à procura de projetos semelhantes.
"Se um desses projetos for bem sucedido, poderia ser potencialmente transformador em termos de acesso em áreas rurais, pois os satélites prestariam serviços em praticamente qualquer lugar", avalia Song.
Mas nem todos os projetos alcançaram o sucesso desejado. Facebook e Google, por exemplo, perderam os seus investimentos em drones, relata o consultor. E ainda não é possível prever quando será desenvolvido ou qual será o impacto do Projeto Loon - lançado pela Alphabet, dona da Google, em parceria com a empresa de telecomunicações Telkom Kenya, para ter balões de hélio a levar Internet a áreas remotas.
Futuro imprevisível
Mas o investimento de Silicon Valley na infraestrutura digital africana não está isento de problemas, diz Tina Freytag. Se as empresas que fazem o seu verdadeiro negócio com publicidade e conteúdos pudessem recorrer à sua própria infraestrutura no futuro, isso conduziria a uma mudança imprevisível.
"A arquitetura mistura-se. Isso pode ter consequências cujos efeitos a longo prazo ainda não somos necessariamente capazes de avaliar," diz Freytag.
Félix Blanc também partilha desta avaliação e refere, neste contexto, o envolvimento da China no continente: "Esta fragmentação e esta guerra global entre as duas potências, a China e os Estados Unidos, terão um impacto direto nos africanos,” conclui.
No entanto, Blanc acredita que o atraso do continente africano em termos de infraestrutura digital pode ser uma grande oportunidade. África tem agora uma oportunidade única para desenvolver um modelo de Internet diferente e descentralizado - que não é monopolizado por um pequeno grupo atores económicos.