Falta de transparência marca nova gestão na Sonangol
Nelson Sul d’Angola (Benguela)14 de setembro de 2016
Nova gestão, liderada por Isabel dos Santos, completa cem dias de funções esta quarta-feira (14.09), marcada por contratação de consultores estrangeiros, suspensão de obras, falta de transparência e expectativas.
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Os primeiros 100 dias de Isabel dos Santos na gestão da petrolífera estatal angolana Sonangol praticamente não trouxeram nenhuma vantagem para a indústria petrolífera - particularmente, para o Estado angolano - se comparados com seu antecessor, Francisco de Lemos Maria, segundo o economista Carlos Rosado de Carvalho, professor universitário e diretor do jornal económico Expansão.
O especialista destaca uma política gestora virada essencialmente para a ausência de transparência.
"Nós não temos informações do que está a passar. Sabemos de algumas coisas - nomeadamente, que os contratos de todas as operações de alienação e de vendas que estavam a ser efetuadas foram suspensas. Portanto, nós basicamente não sabemos de nada do que é que a senhora Isabel dos Santos está a fazer na Sonangol. Aliás, esta é uma crítica que se faz, porque continua a não haver transparência," afirma o economista.
De acordo com Carvalho, foi pedido que fosse publicado o relatório que levou à nomeação de Isabel dos Santos. "Nós não conhecemos. Portanto, mantêm-se uma total opacidade relativamente àquela que é a maior empresa nacional," reitera Carlos Rosado de Carvalho.
Crescentes expectativas, pouca satisfação
Para o presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, ainda é muito cedo para se fazer avaliar a nova gestão da Sonangol. No entanto, Severino, que é também membro do Conselho da República, assinalou alguns pontos que considera positivos.
"Sabe que é um momento de reestruturação. A gente sabe, ou vai tomando conhecimento de algumas medidas, no sentido de congelar alguns projetos," diz Severino.
A suspensão das obras da refinaria do Lobito, e do terminal oceânico da Barra do Dande, para a reavaliação da estratégia de desenvolvimento e aplicação destes projetos, segundo comunicado da petrolífera estatal angolana Sonangol, é uma das marcas da gestão de Isabel dos Santos, filha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos.
Citando a Refinaria do Lobito, o presidente da AIA defende a decisão.
"Fui sempre contra desde a nascença da intenção da Refinaria do Lobito. Não porque seja contra Angola ter refinarias, pelo contrário. Mas pela sua localização, que a inviabiliza no ponto de vista não só econômico, mas também do ponto de vista ambiental," argumenta.
O presidente da Câmara de Comércio Estados Unidos/Angola, Pedro Godinho, destacou a abertura do diálogo entre a Sonangol e as empresas petrolíferas nacionais e internacionais, acrescentando que a sua organização continua expectante.
"Esse processo é novo e um processo como este não pode dar frutos da noite para o dia. Portanto, preferiria substituir a expressão satisfação por expectativas. Há uma expectativa muito grande no melhoramento, no relacionamento e na solução de algumas inquietações por parte dos nossos membros. Portanto, o nível de satisfação só será aferido depois de algum tempo," revela.
No capitulo da relação com a imprensa, os primeiros 100 dias de Isabel dos Santos à frente da maior empresa nacional de Angola e à semelhança dos seus antecessores, a presidente do Conselho de Administração da Sonangol mostra-se mais inclinada em conceder entrevistas aos órgãos de comunicação estrangeiros, optando em falar com a imprensa nacional através de comunicados, segundo observa, Nelson Rodrigues, jornalista do semanário "Valor Económico".
"É um problema das autoridades em Angola, falam mais para imprensa estrangeira do que para a imprensa local," avalia.
"Mesmo os problemas por que passa a petrolífera do ponto de vista de informação financeira, se a comunicação com a imprensa local fosse razoável, acredito que inúmeras especulações seriam evitadas," considera o jornalista.
Breve histórico
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Isabel dos Santos, filha do chefe de Estado angolano, tomou posse, no dia 6 de junho, como Presidente do Conselho de Administração (PCA) - juntamente com os restantes membros de direção da Sonangol - após ter sido nomeada pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no dia 2 do referido mês.
A designação de Isabel dos Santos surge no âmbito da reestruturação da empresa estatal e do setor petrolífero angolano, processo em que já tinha participado, através de uma empresa sua.
Entrou para empresa com uma postura de desconfiança, segundo observadores, retirando poderes aos advogados nacionais da Sonangol, tendo afastado vários quadros próximos ao anterior gestor da petrolífera, Francisco de Lemos Maria, e contratado consultores e advogados de empresas americanas e portuguesas.
A sua nomeação esteve envolta de polémica, tendo mesmo um grupo de juristas liderado pelo advogado David Mendes interposto uma providência cautelar junto ao Tribunal Supremo, no sentido de impugnar essa nomeação por alegada violação a Lei da Probidade Pública.
Três meses depois, o Supremo Tribunal continua sem dar resposta ao processo de nulidade da nomeação de Isabel dos Santos.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".