Covid-19: Ordem dos Advogados critica aplicação de leis
Leonel Matias (Maputo)
1 de fevereiro de 2021
Instituição aponta o dedo à aplicação de algumas das medidas aprovadas no âmbito do combate à pandemia da Covid-19. As críticas foram feitas, esta segunda-feira (01.02), na cerimónia de abertura do novo ano judicial.
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A Ordem dos Advogados de Moçambique considera que o país registou recuos na transparência e autenticidade em alguns processos de produção normativa. Em declarações, esta segunda-feira (01.02), na cerimónia de abertura do novo ano judicial, Duarte Casimiro, Bastonário da Ordem dos Advogados, afirmou que a Ordem está preocupada, por exemplo, com o facto de os decretos que aprovaram no ano passado as medidas de prevenção para a Covid-19 terem sido, muitas vezes, ou quase sempre, disponibilizados ao público no mesmo dia da sua entrada em vigor, embora fazendo referência a uma data anterior à sua publicação.
"Esta situação não confere a necessária transparência e credibilidade ao processo de produção e publicação das normas, mas também cria insegurança e incertezas jurídicas no seio dos cidadãos", considerou Duarte Casimiro. "Não raras vezes são confrontados com ações de fiscalização das medidas adotadas antes sequer de terem tido acesso ao documento que as institui, limitando, deste modo, as suas oportunidades até de defesa", explicou.
Violação de direitos fundamentais
A Ordem dos Advogados condena, igualmente, a apreensão, por parte da polícia municipal, de produtos alimentares vendidos na rua, no âmbito do estado de emergência e de calamidade pública. Esta é, segundo Duarte Casimiro, uma atitude manifestamente abusiva e violadora dos direitos fundamentais dos cidadãos.
"Esta prática, que começa a ser reiterada, acarreta consigo alguma instabilidade social", alertou o Bastonário da Ordem dos Advogados.
Na mesma ocasião, a instituição disse ter sérias dúvidas sobre a constitucionalidade de algumas normas do código de processo penal, recentemente aprovadas pelo Parlamento, e promete acionar os mecanismos necessários junto do conselho constitucional para o devido esclarecimento.
A Ordem dos Advogados é da opinião de que a falta de transparência no processo de produção legislativa pode ser ultrapassada com a aprovação e entrada em vigor da legislação sobre a participação da sociedade civil no processo legislativo, facto que iria tornar as normas mais eficientes e próximas dos destinatários.
Trabalho informal: Alternativa ao desemprego em Moçambique
06:50
Por seu turno, o primeiro-ministro Carlos Agostinho do Rosário desafiou o judiciário a continuar a proteger os direitos, liberdades, e garantias dos cidadãos, monitorizando a implementação das medidas restritivas adotadas pelas autoridades no âmbito da Covid-19.
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Pilhagem dos recursos naturais
A abertura do ano judicial decorreu sob o lema "Por um judiciário protetor do meio ambiente", um tema que, conforme foi referido nas várias intervenções, não está dissociado da defesa dos direitos humanos. A corrupção foi apontada como outro fator que tem facilitado a pilhagem dos recursos naturais no país.
Segundo Carlos Agostinho do Rosário, "a Magistratura tem a nobre responsabilidade de assegurar a consolidação do estado de direito no nosso país, a qual deve assentar no respeito pelas leis. O judiciário deve, através da sua postura atuante, assumir o compromisso de promover a integridade, ética e deontologia profissional no sector público consolidando a cultura de transparência, prestação de contas e responsabilização".
O caso mais recente de crime ambiental mediatizado no país está relacionado com o desaparecimento de 82 contentores de madeira apreendida no porto de Pemba que se encontrava à guarda, como fiel depositário, de um cidadão de nacionalidade chinesa.
"Neste setor, a impunidade constitui um dos fatores que promove o contrabando ilegal da madeira e o recrudescimento dos atos de corrupção", referiu o Bastonário da Ordem dos Advogados.
Duarte Casimiro exortou as autoridades competentes para realizarem uma investigação profunda e exaustiva sobre este e outros casos, com vista ao seu esclarecimento e a responsabilização dos culpados.
O fardo da Covid-19 para as famílias de Inhambane
Milhares de famílias estão a sofrer na província de Inhambane, no sul de Moçambique, desde que eclodiu a pandemia do novo coronavirus. Há pessoas sem emprego, em isolamento, obras paralisadas e os bens escasseiam.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Famílias sofrem por causa da Covid-19
Muitos habitantes da província moçambicana de Inhambane perderam os postos de trabalho por causa da crise provocada pela Covid-19, outros foram dispensados para cumprirem o isolamento social. Por outro lado, há obras paralisadas e faltam vários produtos, principalmente nas zonas rurais. Muita gente está a migrar para as cidades e vilas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
A culpa é do coronavírus
Dulce Eugénio, mãe de dois filhos e residente no bairro Sarrene, na cidade de Maxixe, disse que antes da pandemia o negócio corria muito bem, mas depois ficou sem dinheiro: "Consegui comprar o meu terreno e já estava a construir a minha casa de blocos com este pequeno negócio de vender tomates, cebola, pepino e cenoura, mas essa doença veio atrapalhar toda a situação."
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Coronavírus trouxe mais fome"
Com o confinamento obrigatório decretado em abril de 2020, a situação da fome agravou em Inhambane. Os cidadãos consideram que a pandemia do novo coronavírus "trouxe mais fome e miséria às comunidades". O desespero continua a imperar.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Viver de hortaliças é para quem pode
Há cada vez mais pessoas desempregadas, muitas famílias tiveram de adaptar as receitas em casa e passaram a consumir mais verduras, por exemplo. Mesmo assim, nem todos conseguem comprar, porque as hortaliças também já começam a escassear. Marta Alberto diz que não foi registada para receber o subsídio da Covid-19, concedido pelo Estado, e pede ajuda.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Produção agrícola em queda
Não é só a pandemia que tem sido um problema. Não tem chovido e muitas pessoas abandonaram a atividade agrícola. Os camponeses pedem ao Estado sementes, que estão cada vez mais caras no mercado. Em Inhambane, nem todos os camponeses vão receber o subsídio de dois mil meticais mensais (cerca de 23 euros) para suprir as suas necessidades durante seis meses.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Abandonada pela família e sem apoio
Joana Cândido foi abandonada pela família. Vivia com os netos, mas, com a pandemia, o filho solicitou aos netos que residissem juntos noutro bairro, deixando assim a idosa à sua sorte. Com problemas na perna e dores constantes na coluna, não lhe é fácil ter três refeições por dia. Afirma que não foi selecionada pelo Instituto Nacional de Ação Social (INAS) para receber o subsídio da Covid-19.
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Estamos a sofrer e precisamos de apoio"
Laura Simão foi registada pelo INAS, na cidade de Maxixe, mas ainda não recebeu o dinheiro e afirma não ter comida suficiente. Em situação semelhante estão muitas outras pessoas carenciadas, que foram inscritas mas ainda não receberam os subsídios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Excluída dos apoios, com a panela vazia
Maria João revela que não foi contemplada pelos apoios da Covid-19. Ficou surpreendida, porque não trabalha, tem filhos a seu cargo e a panela vazia. E pede apoio ao Estado.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Enganar a fome
Teresa António trabalhava como doméstica em Inhambane, numa residência, mas, com a pandemia, teve de deixar de trabalhar para os seus patrões. Agora desempregada, diz que é difícil ter arroz na mesa e, muitas vezes, tem de misturar o arroz com tapioca (farinha de mandioca) para conseguir enganar a fome.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Vender mangas para sobreviver à pandemia
Cândida Maurício fazia venda ambulante no centro da cidade da Maxixe, mas - impossibilitada de continuar o negócio na rua por causa da pandemia - teve de se adaptar. Faz agora revenda de mangas na sua residência, mas soma prejuízos e não recebe apoio do Governo.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Perdeu o emprego com a Covid-19
Com o encerramento dos estabelecimentos comerciais em cumprimento do decreto do estado de emergência, João Saul foi demitido do serviço de guarda. Afirma que a pandemia lhe trouxe efeitos negativos que jamais irá esquecer. Sobrevive com o subsídio que recebe por ser desmobilizado - não superior a 50 euros - valor que considera insuficiente.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Sonho perdido?
Nina Cumbe concluiu o 12º ano de escolaridade em Inhambane, em 2019. Antes da eclosão da pandemia, queria concorrer a uma escola técnica profissional, mas não conseguiu, porque muitos estabelecimentos de ensino tiveram que encerrar com a declaração do estado de emergência no país. Agora, tenta ganhar a vida fazendo tranças a amigas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Resta fé e esperança
No meio de tanto sofrimento provocado pela pandemia do novo coronavírus, as famílias estão a lutar para superar a crise. Ilda Joaquim, residente de Inhambane, afirma que o confinamento social agravou a maneira de viver e que está a ser difícil adaptar-se às novas medidas. Reza muito para que consiga ultrapassar esta crise, porque está difícil receber apoios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
À espera de dias melhores
Antes da chegada do novo coronavírus, Maria Alberto fazia trabalhos para terceiros e produzia mandioca para fabricar e vender farinha. Hoje, é uma simples dona de casa que deixa as panelas limpas à espera que o marido traga alguma coisa dos seus biscates diários. Lamenta o sofrimento provocado pela Covid-19, mas vive na esperança de que tudo voltará à normalidade.