Nampula: Cinco anos depois, rapto de albino não foi julgado
Sitoi Lutxeque (Nampula)
12 de julho de 2019
Família de Augusto César, raptado há cinco anos em Nampula, fala em subornos às autoridades. Ministério Público diz que processo já está em instrução. PGR diz-se preocupada com tráfico de pessoas na região.
Publicidade
Auxílio César Augusto, que este ano completaria 26 anos, foi raptado em dezembro de 2014. Cerca de cinco anos passados, não há ainda qualquer esclarecimento sobre o caso, e muito menos responsabilização dos autores. No entanto, garante a Procuradoria provincial de Nampula, órgão que representa o Ministério Público, o caso não foi esquecido.
Em entrevista à DW, Hermínia Gustavo, procuradora e porta-voz da Procuradoria provincial de Nampula, não esclarece se já foram feitas detenções no âmbito deste caso, mas assevera que já há pistas e que o caso está, neste momento, em fase de instrução, embora ainda não tenha sido avançada a data para o julgamento.
"O processo continua em instrução, como já foi divulgado pela imprensa, e surgiram algumas pistas fora das fronteiras das províncias e que estão a ser seguidas'', disse Hermínia Gustavo.
Família desapontada
Garantias que os familiares de Augusto desvalorizam. Para eles, esta demora na investigação pode estar relacionada com subornos. Pois, segundo Francisco César, pai do jovem albino raptado, quando o caso foi aberto existiam pistas, e inclusive um detido, que o tribunal acabou por libertar mais tarde.
Nampula: Família de jovem albino raptado lamenta inação das autoridades
"O indivíduo que estava detido e que estava prestes a falar foi solto pelo tribunal. E, segundo a lei, depois de um indivíduo ser solto, a PIC [extinta Polícia de Investigação Criminal, atual Serviço de Investigação Criminal] não devia voltar a notificar e investigar, pois seria contra a lei", explicou o pai da vítima, acrescentando que o indivíduo em causa foi obrigado a apresentar-se regularmente às autoridades e que isso nunca aconteceu.
Francisco César não acredita que este caso tenha um desfecho positivo, mas assegura, ainda assim, que a família não vai desistir. "O que eu vejo é que eles querem fazer tempo para dizer que o processo já expirou e não vai ser julgado. Este ano completam cinco anos e o processo já tinha sido remetido para o tribunal, para o julgamento...Fui duas vezes ao tribunal e na última vez fiquei a saber que o juíz do caso devolveu o processo à Procuradoria dizendo que a acusação não estava completa'', lamentou.
Outros casos
Este não é o primeiro caso de rapto e tráfico de seres humanos na província moçambicana de Nampula. Só este ano, as autoridades policiais falaram, nas habituais comunicações à imprensa, de pelo menos outros três casos registados.
Hermínia Gustavo, procuradora e porta-voz do Ministério Público em Nampula, reconhece que nos últimos anos esta região se transformou num corredor de rapto e tráfico de pessoas. No entanto, esta mesma responsável recusa-se a avançar números concretos ou informações acerca dos processos para, alegadamente, não interferir na investigação.
"Nos últimos tempos, a província de Nampula, em particular a região norte de Moçambique, está sendo referenciada como uma das províncias exponenciais nesse tipo de crime. É preciso que nós estejamos preparados e definamos estratégias de ação conjunta para procurar mitigar este fenómeno'', disse.
Com o objetivo de mitigar mesmo o problema, a Procuradoria-Geral da República criou um grupo multissectorial que atua em diferentes áreas um pouco por todo o país.
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.